A Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial
da Saúde (OMS) e o ex-presidente americano Barack Obama são algumas das figuras
e entidades mais conhecidas que fizeram alertas sobre o crescimento exponencial
das superbactérias e seu risco para a população.
Cientistas estimam que, caso nenhuma solução seja encontrada
a tempo, em poucos anos o número de mortes causadas por bactérias
ultra-resistentes ultrapasse o do câncer.
Na esteira dessa urgência global, cientistas de diversos
países travam uma corrida para frear essa ameaça quase invisível. A boa notícia
é que um cientista brasileiro do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e
Materiais (CNPEM), localizado em Campinas (SP), conseguiu desenvolver, a partir
do uso da nanotecnologia, um remédio "teleguiado" capaz de atacar e
destruir superbactérias com uma microdosagem de antibiótico.
A má notícia é que essa pesquisa — que vem ganhando
relevância e já foi publicada em importantes revistas internacionais — ainda
está longe de sair do papel.
Cientistas entrevistados pela BBC News Brasil dizem que isso
ocorre porque os centros de pesquisa não têm os recursos e os conhecimentos
técnicos da indústria para fazer os testes em grande escala e registrá-los
antes de serem usados pela população. Eles explicam que no laboratório é
possível desenvolver apenas o protótipo do medicamento.
Os pesquisadores do CNPEM até conseguem provar que o remédio
funciona, fazem simulações em micro-órgãos artificiais, mas não têm estrutura
para testar como ele reage em organismos mais complexos, como animais e
humanos.
Os pesquisadores também não têm conhecimento técnico para
cumprir todas as etapas e exigências para aprovação do medicamento na Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os maiores especialistas nessa área
são as grandes indústrias, que têm dinheiro e estrutura necessários para um
estudo desse porte. Testes como esses podem ultrapassar a cifra de R$ 4
bilhões.
Sem algo que combata de maneira eficaz as superbactérias, o
que a indústria faz hoje, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News
Brasil, é "enxugar gelo". Isso ocorre porque, mesmo que as empresas
invistam alto e passem anos desenvolvendo um novo medicamento, seus efeitos
duram pouco tempo, pois as bactérias passam por mutação e criam resistência a
ele.
Nanopartícula
teleguiada
Uma das explicações para o fortalecimento dessas bactérias é
que, muitas vezes, o paciente não as mata completamente. Por não seguir o
tratamento pelo tempo recomendado, as bactérias sobrevivem e ficam imunes aos
medicamentos que antes as combatiam, sofrem mutação e ficam ainda mais fortes.
Hoje, quando uma pessoa toma um antibiótico ou qualquer
outra droga, ela se distribui indiscriminadamente pelo corpo. Um paciente com
dor na garganta, por exemplo, toma um antibiótico para curá-la, mas os pés,
orelhas e mãos também serão afetados pelo medicamento.
O cientista Mateus Borba Cardoso, do CNPEM, explica como
funciona o seu estudo mais promissor: a nanopartícula teleguiada com
antibiótico. Ele diz que consegue usar uma quantidade até mil vezes menor de
antibiótico e direcioná-lo à bactéria para combatê-la diretamente. Hoje, o
antibiótico se espalha por todo o corpo, por isso é necessária uma quantidade
tão grande para tratar bactérias.
"A gente está desenvolvendo nanopartículas
direcionáveis. A partir do momento em que a gente administra o medicamento no
paciente, ele tem um tropismo pela região doente, como um GPS. A grande
vantagem é tomar uma quantidade mil vezes menor de antibiótico ou antitumoral e
ter um efeito igual ou ainda mais acentuado que um remédio comum porque todo o
fármaco vai para o lugar onde desejamos. Hoje, não existe nenhum medicamento
que faz isso no mundo", afirmou o cientista.
Mas para que o antibiótico não reaja com outros organismos
ao longo do caminho até a bactéria ou seja combatido por anticorpos, ele
desenvolveu um disfarce para que o medicamento não seja identificado pelos
mecanismos de defesa do corpo como uma ameaça.
Ele "colou" moléculas de água ao redor do remédio
para que ele seja visto como algo inofensivo. Assim, as nanopartículas podem
fazer seu trajeto "fantasiadas" e só liberam a carga de droga quando
chegam ao destino.
"O mecanismo funciona, mas precisa ser testadoem
organismos vivos. A pesquisa já está madura o bastante para isso, mas todos
esses testes são necessários para garantir que a droga fique estável e possa
ser comercializada em larga escala, mundialmente", afirmou Cardoso à BBC
News Brasil.
Três papers publicados na Nature mostram que após a segunda
injeção o sistema já estava reconhecendo essa fantasia.
"A gente está desenvolvendo nanopartículas
direcionáveis. A partir do momento em que a gente administra o medicamento no
paciente, ele tem um tropismo pela região doente, como um GPS. A grande
vantagem é tomar uma quantidade mil vezes menor de antibiótico ou antitumoral e
ter um efeito igual ou ainda mais acentuado que um remédio comum porque todo o
fármaco vai para o lugar onde desejamos. Hoje, não existe nenhum medicamento
que faz isso no mundo", afirmou o cientista.
Mas para que o antibiótico não reaja com outros organismos
ao longo do caminho até a bactéria ou seja combatido por anticorpos, ele
desenvolveu um disfarce para que o medicamento não seja identificado pelos
mecanismos de defesa do corpo como uma ameaça.
Ele "colou" moléculas de água ao redor do remédio
para que ele seja visto como algo inofensivo. Assim, as nanopartículas podem
fazer seu trajeto "fantasiadas" e só liberam a carga de droga quando
chegam ao destino.
"O mecanismo funciona, mas precisa ser testadoem
organismos vivos. A pesquisa já está madura o bastante para isso, mas todos
esses testes são necessários para garantir que a droga fique estável e possa
ser comercializada em larga escala, mundialmente", afirmou Cardoso à BBC
News Brasil.
Três papers publicados na Nature mostram que após a segunda
injeção o sistema já estava reconhecendo essa fantasia.
Ele diz que essas parcerias são confidenciais, mas revela
que uma delas, feita em parceria com a USP, já recebe o seu segundo royalty
(uma parte do lucro). Há ainda parcerias com Unicamp, PUC Rio Grande do Sul e
outros institutos de pesquisa. Ele cita diversos fatores econômicos que
dificultam o investimento em pesquisa no Brasil.
"Na melhor das hipóteses, uma pesquisa sobre
medicamentos demora de 10 a 12 anos e tem um custo de até US$ 1 bilhão (R$ 4,15
bilhões) para lançá-lo. As empresas brasileiras fazem pesquisas, mas escolhem
os ramos com retorno mais garantido. Em outros países, é mais fácil porque o
governo também faz parceria com os pesquisadores e ainda há empresas como a
Bayer, que tem um lucro que vale por toda a produção brasileira", afirmou
Mussolini.
O presidente da Sindusfarma também disse que no Brasil não
há uma tradição dos centros de pesquisa e universidades "venderem"
seus estudos em busca de financiamento, e vice-versa. Na visão dele,
pesquisadores e indústrias precisam se comunicar mais, para possibilitar mais
parcerias.
"Agora que estão passando por dificuldades que os
cientistas estão saindo da caixinha, buscando financiamento privado. O
pesquisador precisa sair de seu casulo e dizer que está fazendo pesquisa e tem
interesse em receber financiamento. Mas isso é uma chave que não muda da noite
para o dia", disse.
"Por outro lado, na Europa e nos Estados Unidos você
tem profissionais que ficam visitando universidades e centros de pesquisa atrás
de novos medicamentos. Aqui não tem", afirmou Mussolini.
Para ele, a pesquisa sobre superbactérias desenvolvida no
CNPEM tem um grande potencial para ser financiada por uma instituição privada.
"O cara desenvolveu um produto farmacêutico que combate
de forma eficaz a superbactéria. Não é que vai ter uma indústria querendo
investir nele, mas uma fila, nacional e internacional", afirmou o
presidente do sindicato que representa as indústrias farmacêuticas.
Lucio Freitas Junior, pesquisador do Instituto de Ciências
Biomédicas (ICB) da USP, disse que há indústrias brasileiras capazes de
financiar grandes estudos, mas que historicamente não apostam em pesquisas.
"Por outro lado, o pesquisador também não está
acostumado a cumprir metas e apresentar propostas. Na academia, ele quer ter
dinheiro, mas não quer cobrança. Fui numa farmacêutica e propus uma tecnologia.
Meus dois pós-docs foram financiados pela indústria. Dinheiro não falta, mas a
cobrança, para muitos, é fatal", disse Junior.
Fuga de cérebros
Cientistas dizem que essa falta de financiamento das
indústrias aliada aos recorrentes cortes de verbas de bolsas da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) causam uma fuga de cérebros do
Brasil. Neste ano, professores de universidades brasileiras de prestígio já
deixaram o país para trabalhar em grandes empresas, principalmente na Europa.
Os profissionais que permanecem no Brasil entendem isso como
um ataque à ciência. Para eles, a atual política de cortes vai na contramão
mundial, inclusive de países em desenvolvimento, como China e Índia.
Uma das poucas exceções, disseram, é a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que ainda consegue financiar a parte
laboratorial dos grandes projetos, como o de Piovesan, que diz ter dinheiro de
sobra para essa etapa de sua pesquisa. Para alguns dos entrevistados pela BBC
News Brasil, a indústria brasileira de medicamentos não tem capacidade de se
integrar com a academia.
"Eles querem ter um retorno rápido, lucro imediato. Mas
também há um desconhecimento. Uma indústria da área de produtos para higiene
pessoal nos procurou para um projeto, mas os cientistas nem sequer conseguiram
entender o que eles queriam por causa do despreparo dos profissionais",
disse Mussolini.
Os baixos salários pagos pela indústria nacional, segundo
esses profissionais, na comparação com o pagamento oferecido por empresas de
fora são outra razão para que pesquisadores optem por deixar o país.
Um problema social
Hoje, a produção de medicamentos não consegue acompanhar a
velocidade de evolução das bactérias. O uso indiscriminado de antibióticos é um
dos motivos, segundo especialistas.
"Quando um paciente toma doses pequenas por conta
própria, ele não mata a bactéria. Essas que não morrem são descartadas pelo
corpo na urina e fezes. Isso causa um problema social, pois essa água chega a
um afluente e contamina a água e peixes. Todos ficam com bactérias mais
resistentes a antibióticos", afirmou o cientista Mateus Cardoso.
O problema apontado pelos cientistas do CNPEM de os
antibióticos vendidos atualmente atuarem no corpo inteiro, e não apenas de
forma localizada, poderia ser resolvido por meio das nanopartículas
direcionáveis. Além da vantagem de a dose ser mil vezes menor e atacar apenas
as superbactérias, evita que mais antibiótico seja despejado no meio ambiente.
Uma estudante também do CNPEM, em Campinas, está usando esse
mesmo sistema de "teleguiar" nanopartículas em sua tese de doutorado.
Ao invés de atacar inflamações, seu estudo é baseado em destruir células com
câncer.
Antibiótico
personalizado
Uma nanopartícula tem um tamanho mil vezes menor que o diâmetro
de um fio de cabelo. Além de carregar uma partícula tão pequena com antibiótico
e ainda "fantasiá-la" de água, os cientistas estão projetando um
sistema que funcione ainda melhor no futuro.
A ideia dos cientistas é criar um sistema de chave e fechadura
personalizado para cada paciente. Dessa forma, um exame identificaria qual
bactéria afeta o órgão e produziria um antibiótico para combatê-la da maneira
mais efetiva possível.
"A intenção é que daqui a 50 anos um paciente
diagnosticado com câncer ou com alguma bactéria vá a um laboratório onde seja
feito um estudo para saber quais receptores há nela e quais fármacos a combate.
A partir disso, será possível produzir as partículas com os fármacos e os
co-receptores que vão se ligar a elas, de forma seletiva, para
combatê-las", afirmou.
Esse pode ser o próximo passo para um tratamento
personalizado no futuro.
Teoria da conspiração
O vencedor do prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1993,
Richard J. Roberts, é uma das referências entre os que defendem a corrente de
que as indústrias farmacêuticas não têm interesse em produzir remédios que
curam definitivamente, com a intenção de vender cada vez mais medicamentos.
"Essa é uma das teses que não têm cabimento. Se eu
tenho um produto para combater o mal de Alzheimer, por exemplo, você acha que
eu não vou querer vender esse produto? Você já imaginou quanto valorizaria uma
empresa na bolsa de Nova York que conseguir curar todos os tipos de câncer
líquidos?", afirma Nelson Mussolini, presidente da Sindusfarma.
"Se fosse assim, a penicilina não estaria no mercado.
Quantas milhares de vidas ela salvou? A indústria que fazia a penicilina foi
vendida por bilhões de dólares por ter uma história de sucesso", disse.
Para a indústria farmacêutica, defende o presidente do
sindicato do setor, "o ideal é que as pessoas não morressem, porque quanto
mais elas vivem, mais precisam de novos produtos".
"Essa é a teoria da conspiração de que o farmacêutico
quer matar a população. Nós queremos salvar vidas. As pessoas estão vivendo
mais e, por causa disso, há novas doenças e a indústria precisa ganhar dinheiro
para fazer novos medicamentos", afirmou.
Procurado, o Ministério da Ciência, Saúde, Tecnologia,
Inovação e Comunicações disse que o governo federal investe em diversas
pesquisas, inclusive ensaios pré-clínicos — aqueles feitos antes dos
medicamentos serem testados em humanos.
A pasta informou que em 2018 lançou uma chamada pública para
projetos de pesquisa de novos medicamentos antibióticos no valor de R$ 1 milhão
para o "Plano Nacional de Enfrentamento à Resistência
Antimicrobiana".
O MCTIC afirmou ainda que "financia instituições que
atuam e promovem testes pré-clínicos (de medicamentos), como no Centro de
Inovação e Ensaios Pré-Clínicos CIEnP, em Santa Catarina".
O governo disse que o Marco Legal aprovado em 2016
"favorece a colaboração entre centros de pesquisa, empresas e governo para
o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação" no Brasil.
A pasta afirmou ainda que "considera essencial a
criação e manutenção de estruturas e ferramentas que poderão proporcionar ao
complexo industrial da saúde nacional a capacidade de gerar novos negócios,
expandir as exportações, integrar-se à cadeia de valor e estimular novas
demandas por produtos e processos inovadores, levando em consideração as
prioridades do Sistema Único de Saúde" – BBC News.
Carlos Magno
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