Com o impedimento do mandato da presidente Dilma Rousseff
(PT) aprovado por mais de dois terços dos deputados da Câmara no último dia 17,
os brasileiros passaram a testemunhar o segundo processo de impeachment da
história do país. Mesmo assim, sobram diferenças entre o processo atual e o que
destituiu Fernando Collor de Mello em 1992.
Para entender as principais diferenças – e também as semelhanças
– entre os dois casos, o site EXAME.com conversou com cientistas políticos e um
sociólogo.
Especialistas mostram as principais diferenças - e semelhanças também - entre os processos de impeachment da presidente Dilma, em 2016, e do ex-presidente Fernando Collor de Melo, em 1992
Veja ponto a ponto de cada uma delas:
1. Crime
Para que um pedido de impeachment tenha consistência, devem
existir evidências de que o mandatário cometeu algum crime comum (como
homicídio ou roubo) ou crime de responsabilidade – que envolve desde
improbidade administrativa até atos que coloquem em risco a segurança do país.
O sociólogo Wagner Iglecias, professor da Escola de Artes,
Ciências e Humanidades (EACH) da USP, afirma que essa é a primeira (e
principal) diferença entre os dois pedidos.
“Naquela época, as pessoas tinham certeza de que Collor
tinha cometido um crime de responsabilidade”, diz o especialista. “Hoje, no
caso de Dilma, paira a dúvida”.
Collor foi acusado de ter recebido 6,5 milhões de reais
oriundos de um esquema de financiamento ilícito coordenado por seu
ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias.
“O senhor PC Farias anunciava a quem quisesse ouvir que, das
propinas arrecadadas, 30% se destinavam a ele próprio e 70% ao presidente da
República”, descreveu Genebaldo Correia, então líder do PMDB, na sessão
plenária da Câmara que julgou o ex-presidente em 1992.
Já a acusação de Dilma diz que ela cometeu crime de
responsabilidade ao permitir manobras orçamentárias sem autorização do
Congresso – como as pedaladas fiscais e a abertura de créditos suplementares.
Quando o governo percebeu que não cumpriria a meta de
superávit, prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias, a presidente editou
decretos para liberar 2,5 bilhões de reais em créditos extras. A manobra não
foi comunicada previamente ao Congresso.
“Houve uma maquiagem deliberadamente orientada a passar para
a nação (e também aos investidores internacionais) a sensação de que o Brasil
estaria economicamente saudável e, portanto, teria condições de manter os
programas em favor das classes mais vulneráveis”, diz o texto do pedido de
impeachment contra Dilma.
Ainda assim, existe a dúvida de se a ação da presidente
figura, de fato, um crime de responsabilidade. Para Iglecias, as pedaladas
dividem opiniões entre os juristas. “Trata-se de algo comum na gestão pública.
É um instrumento que também foi usado nos governos Lula e FHC, por exemplo”.
A defesa de Dilma, representada pelo advogado-geral da
União, José Eduardo Cardozo, diz que as pedaladas são subvenções econômicas --
permitidas por lei -- e não operações de crédito. “Não há transferência de
dinheiro do Banco do Brasil para a União”, diz o documento.
De acordo com a defesa, o que houve foi um atraso nos
pagamentos, sendo que as dívidas decorreram do acúmulo de saldos devidos.
A defesa afirma que os créditos suplementares são permitidos
por lei e são “apenas espécies de ‘freios de rearranjo ou de rearrumação’"
para adaptar o planejamento à realidade, ou seja, não modificam o orçamento.
“Crédito suplementar é alteração da lista sem mudar o orçamento", afirmou
Cardozo em reunião ao colegiado da Câmara.
2. Apoio dos
parlamentares
O professor e cientista político da FGV/EBAPE, Carlos
Pereira, explica que o governo Collor não contava com uma maioria legislativa.
“O Partido da Reconstrução Nacional (PRN) foi criado por ele para disputar a
eleição”, diz. “Dessa forma, por ser minoritário, ele não dispunha de uma base
social sólida. Quando surgiram os primeiros sinais de um comportamento ilícito,
ele ficou completamente isolado”.
Isso significa que “quando chegou no plenário da Câmara, a
votação foi praticamente unânime”, afirma o especialista da EACH-USP.
No dia 30 de setembro de 1992, uma quarta-feira, a acusação
de Collor foi admitida por 87,8% dos deputados. Dos 502 parlamentares da
Câmara, somente 38 disseram não ao impeachment contra o ex-presidente.
Para Iglecias, se o processo de Dilma for aprovado na
Câmara, será por uma margem bem pequena. “A presidente tem pelo menos 100
votos”, diz. “Já a união parlamentar para aprovar o impeachment de Collor foi
absurda”, contando inclusive com a união de PT, PMDB e PSDB - hoje de lados
opostos.
No cenário atual, Dilma também segue no caminho do
isolamento. Após o desembarque oficial do PMDB da base aliada, o governo
assistiu à debandada sequencial do PP, PRB e PSD – juntas, as três legendas
somam 106 deputados federais.
Ainda assim, o cientista político da FGV/EBAPE diz que,
diferentemente de Collor, a petista conta com uma bancada razoável no
Legislativo e está inserida em um partido forte – fato que pode garantir o
resultado apertado para um dos lados na votação de domingo.
3. Rito
Apesar do rito processual que julgou a ação contra Collor
ser o mesmo que julga Dilma Rousseff, o Supremo Tribunal Federal (STF) dava
mais autonomia à Câmara dos Deputados.
Em dezembro do ano passado, por exemplo, o Supremo barrou algumas
regras definidas pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e
estipulou que o procedimento seguisse a Lei do Impeachment, de 1.079/1950.
“Em 92, quando a Câmara admitiu a acusação contra o
presidente, ninguém mais defendia Collor”, diz o Iglecias. “O desgaste de um
novo julgamento seria tão grande que a votação no Senado foi simbólica”.
No contexto atual, por conta da forte divisão parlamentar, a
decisão do afastamento de Dilma estará nas mãos do Senado.
4. Manifestações
populares
Em 1992, o pedido de afastamento de Collor era unânime tanto
para a população, quanto para as lideranças sindicais e os partidos políticos.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Central Única dos Trabalhadores (CUT)
e a União Nacional dos Estudantes (UNE) – hoje, de lados opostos - estavam
unidas na luta pela derrubada de Collor.
Como a divisão popular era pequena, os protestos eram bem
controlados, descreve Wagner Iglecias.
O principal ato, conhecido como “Domingo Negro”, aconteceu
em 16 de agosto de 1992. Dias antes, o então presidente Collor pediu apoio aos
brasileiros: convocou a população para vestir verde e amarelo em sua defesa. A
proposta fracassou. Em resposta, milhares de brasileiros tomaram as ruas
vestindo roupas pretas.
Já no governo Dilma, há uma divisão acentuada entre os que
são contra e pró-impeachment. “A impopularidade de Dilma é altíssima, mas, na
lógica das manifestações populares, está clara a existência de uma fragmentação
da opinião popular”.
Em 2015, três grandes atos contra o governo foram
realizados. Neste ano, as manifestações favoráveis (e desfavoráveis) ao
impedimento da presidente acontecem esporadicamente. A maior delas foi em 13 de
março, quando 3 milhões de pessoas foram às ruas de todo o país clamando pelo
impeachment da petista.
5. Postura do Vice
Iglecias diz que, desde o início, o vice de Fernando Collor,
Itamar Franco, adotou uma postura reservada e leal. “Ele cumpriu o papel que um
vice-presidente deveria cumprir: foi fiel e reservado até o fim”.
Iglecias descreve que Itamar tirou o seu apoio ao presidente
apenas quando o processo foi colocado em julgamento na Câmara dos Deputados.
Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB),
Antônio Flávio Testa, o vice de Dilma, Michel Temer, adota uma postura
defensiva. “Ele está de olho no futuro próximo”, diz.
Nesta semana, o jornal Folha de S. Paulo revelou uma
gravação de 14 minutos em que Temer fala como se o processo de impeachment da
presidente já tivesse sido aprovado na Câmara.
“Agora, quando a Câmara dos Deputados decide por uma votação
significativa declarar a autorização para instalação de processo de impedimento
contra a senhora presidente, muitos me procuraram para que eu desse pelo menos
uma palavra preliminar à nação brasileira, o que faço com muita modéstia,
cautela, com muita moderação, mas também em face da minha condição de
vice-presidente, naturalmente de substituto constitucional da senhora
presidente da República”, diz Temer na gravação.
Essa é a segunda vez que um depoimento do vice nos
bastidores vaza para a imprensa. Em dezembro do ano passado, uma carta dele
endereçada a presidente Dilma também veio a público.
No texto, o peemedebista relata uma série de episódios que
demonstrariam, nas palavras dele, a "absoluta desconfiança" que Dilma
sempre teve em relação a ele e ao PMDB.
Em ambos casos, os vazamentos geraram sátiras e críticas de
colegas de partido.
Portal Carlos Magno
VEJA TAMBÉM:
- Cheirar pum pode prevenir câncer, AVC, ataque cardíaco, artrite e demência, diz estudo de universidade do Reino Unido
- Mãe confessa como matou o filho: “Paulistinha agarrou ele pelas costas e Xana golpeou de faca; eu ainda vi ele ciscando”
- UEPB vai ganhar curso de Medicina no campus de Campina Grande. Veja detalhes
-Cliente que passar mais de 20 minutos em fila de banco na Paraíba receberá indenização
- Loja Esplanada encerra atividades em Campina Grande e pede a clientes com pendência para entrar em contato por telefone