Discreto, com um perfil técnico e comedido em declarações
públicas, o governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), foi puxado para o meio
do ringue presidencial após Jair Bolsonaro (PSL) tentar consertar a frase em
que chamou todos os governadores do Nordeste de “paraíbas”.
Depois da reação negativa ao teor da conversa que vazou
durante encontro com correspondentes internacionais há uma semana, Bolsonaro
afirmou, no dia seguinte, que tinha feito uma crítica específica ao governador
paraibano e ao do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), por viverem o “esculhambando
e se apropriando de obras federais”.
“É uma atitude inaceitável para um presidente da República.
Eu não desço a esse nível. Essa é a grande questão. Eu não desço a esse nível
de disputa”, diz Azevêdo.
O pessebista lembra que, na Paraíba, não há nenhuma obra
federal iniciada neste ano. “Não há nem convênio. Zero. Todas as obras que
estão aqui em andamento são dos governos anteriores”, afirma.
O governador, boa parte dos paraibanos e até a oposição
local foram pegos de surpresa com o remendo do presidente. Ao contrário de seu
padrinho, o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB), que acumula inimigos e é
afeito a declarações fortes contra adversários, Azevêdo não é considerado um
político de enfrentamento.
Ele estava vistoriando uma obra no interior quando Dino o
telefonou perguntando, em tom de brincadeira, quem era o pior governador dos
dois. Azevêdo não entendeu a pergunta. Ainda não sabia do declaração do
presidente.
“A Paraíba entrou nessa discussão muito mais numa tentativa
de consertar a frase absurda dita de uma forma pejorativa”, declara.
Mesmo antes de o presidente o apontar como inimigo público,
Azevêdo menciona que, em quase sete meses de gestão, já foi retaliado
diretamente pelo governo federal em duas ocasiões.
O primeiro episódio envolve a implantação de um VLT (veículo
leve sobre trilhos) em Campina Grande, no interior do estado, cujo prefeito,
Romero Rodrigues (PSDB), é aliado do presidente.
Em janeiro, o governador havia se reunido com o ministro da
Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, para solicitar a liberação de uma faixa de
um terreno da União para implantação do VLT. A obra seria tocada com recursos
do governo paraibano.
O prefeito de Campina Grande foi até Bolsonaro e conseguiu
que o presidente gravasse um vídeo afirmando que a intervenção seria feita pela
prefeitura. A reunião que o governador teria com o ministro para finalizar as
tratativas do projeto, no dia 17 de julho, foi suspensa sem explicação, diz.
O outro caso de retaliação citado pelo governador envolve a
liberação de recursos, na ordem de R$ 60 milhões, para execução de dragagem no
porto de Cabedelo.
A intervenção seria tocada pelo governo federal, e o
ministro chegou a confirmar que haveria a licitação. Investidores arremataram
em leilão três áreas internas do porto, no valor de R$ 100 milhões.
“Os investidores acreditaram naquela informação. Já havia os
recursos disponibilizados. Agora, fui informado de que não é mais prioridade do
governo federal”, lamenta o governador.
Logo depois do episódio em que Azevêdo e Dino são citados,
Bolsonaro publicou, em suas redes sociais, vídeo em que um apresentador de um
noticiário local afirma que, diferentemente de Dilma Rousseff (PT), o
presidente Bolsonaro deu aval para empréstimo de US$ 50 milhões (R$ 189
milhões) do Banco Mundial.
“Fizemos o dever de casa. Ter aval do governo federal para
um empréstimo nosso, isso não é favor da União. Temos rating B e, por isso,
estamos aptos a recebê-lo”, explica o governador.
O aval para liberação do empréstimo foi dado em reunião
entre o governador e o ministro da Economia, Paulo Guedes, em fevereiro. Um dia
depois, Guedes apresentou os detalhes da reforma da Previdência e pediu o apoio
dos governadores nordestinos.
O recurso do Banco Mundial é destinado ao Projeto Cooperar,
responsável pela execução de políticas públicas que fomentam o desenvolvimento
rural sustentável na Paraíba.
Dentre 26 unidades da Federação analisadas pelo Tesouro
Nacional, só 13 delas têm atualmente nota de capacidade de pagamento A ou B, o
que possibilita ao estado obter garantia da União para novos empréstimos.
A Paraíba tem outros três empréstimos engatilhados que somam
R$ 880 milhões. Em setembro, o governo federal decide se avaliza ou não. “Até
lá, vou saber o que vai acontecer”, alerta Azevêdo.
Ele diz ser confiante que, apesar do presidente, a Paraíba
continuará crescendo.
“Você tem a posição dos ministros e a do presidente. São bem
diferentes. Eu aposto muito nessa possibilidade. Há diversos ministros que eu
tenho relação de conhecimento de muito tempo”, afirma.
Engenheiro e professor universitário, Azevêdo era um técnico
que comandava uma supersecretaria na gestão do então governador Coutinho.
Eleito em primeiro turno com 58% dos votos, esteve no
comando, até abril do ano passado, da pasta que abrigava Meio Ambiente,
Infraestrutura, Recursos Hídricos e Ciência e Tecnologia.
A coligação de apoio à candidatura dele contou com 14
partidos, entre eles o PSB, PT, DEM, PC do B e PDT.
Dentre os sete governadores nordestinos que fazem oposição
declarada a Bolsonaro, o pessebista é considerado um dos mais moderados.
Bolsonaro foi derrotado nos nove estados da região na
eleição do ano passado, ficando atrás do então candidato Fernando Haddad (PT).
Azevêdo faz um governo de continuidade. Manteve quase que
integralmente os secretários nomeados por Coutinho.
Na Assembleia Legislativa, não tem dificuldade para aprovar
projetos e barrar CPIs propostas pela oposição.
O governador conta com uma base expressiva de 24 dos 36
deputados eleitos.
Dos 12 parlamentares da bancada federal paraibana, metade
apoia o governador, incluindo deputados do DEM, PRB, PT, PDT, PTB e PSB.
Do ponto de vista fiscal, a Paraíba é considerado um estado
equilibrado. Não tem dívidas com fornecedores e, diferentemente de alguns
estados da região, paga a folha de pessoal dentro do mês trabalhado desde 2011.
Parte do 13º salário foi pago em junho.
De acordo com dados do IBGE publicados na última
quarta-feira (24), a Paraíba apresentou a menor taxa de desemprego do Nordeste
no primeiro trimestre de 2019.
O que assombra o governo Azevêdo é a Operação Calvário, uma
ação conjunta do Ministério Público da Paraíba e do Rio de Janeiro.
Desencadeada em dezembro de 2018, a ação desarticulou uma organização criminosa
infiltrada numa organização social que gerenciava os principais hospitais
públicos paraibanos.
Propinas pagas pela entidade, na ordem de R$ 100 milhões de
2011 a 2018, teriam irrigado campanhas eleitorais do PSB.
Os desdobramentos da operação derrubaram três secretários de
Azevêdo, todos remanescentes do governo Coutinho. A ex-secretária de
Administração Livânia Farias foi presa sob acusação de receber R$ 80 mil de
propina por mês.
“Azevêdo tem uma bomba relógio para ser estourada na mão
dele. Segundo o Ministério Público, é o maior desvio de recurso público do
estado da Paraíba”, diz o líder da oposição, Raniery Paulino (MDB).
MINISTÉRIO
O Ministério da Infraestrutura informou que não há qualquer
tipo de retaliação contra a Paraíba ou qualquer outra unidade da federação.
A pasta comunicou que a implantação do VLT em Campina Grande
engloba aspectos técnicos e jurídicos que estão em análise no âmbito na ANTT
(Agência Nacional de Transportes Terrestres).
Sobre a dragagem no mesmo porto de Cabedelo, o ministério
afirmou que não houve tratativas no sentido de liberação imediata de recursos,
uma vez que o empreendimento não passou por processo licitatório.
O Ministério da Infraestrutura salientou que, uma vez
licitada, a obra pode ser executada em seis meses aproximadamente. A pasta
comunicou que o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes)
vai trabalhar na atualização do projeto, possibilitando a licitação futura.
O ministério destacou que, considerando a restrição
orçamentária do momento, a diretriz tem sido a de priorizar obras em andamento
no sentido de concluí-las – Folha de São Paulo.
Carlos Magno
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