As recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre
demissões de postos-chave da Polícia Federal acabaram dominando um simpósio de
delegados da PF sobre combate à corrupção. O evento, ocorrido em Salvador, foi
encerrado nesta sexta-feira, 23, com a leitura de uma carta aberta ao
presidente da República e à sociedade.
No manifesto, a Associação Nacional dos Delegados da Polícia
Federal (ADPF) afirma que a instituição sofreu pressões e tentativas de
intervenção em várias oportunidades em governos passados. “Diante do que parece
ser mais uma delas, é necessário e urgente que a Polícia Federal conquiste
garantias constitucionais e legais para se tornar, de fato e de direito, uma
polícia de estado e não de governo”, diz o documento.
O evento, que deveria se concentrar em discussões sobre
combate à corrupção, acabou arregimentando forças para a retomada do movimento
pela autonomia da PF. De acordo com os delegados, é preciso mudar as leis para
impedir tentativas de interferência na Polícia Federal. O primeiro passo,
segundo o documento, é a aprovação da proposta de emenda constitucional que
confere autonomia administrativa e financeira. A PEC tramita há mais de dez
anos na Câmara dos Deputados.
A ANPR também reivindica que o diretor-geral da PF tenha
mandato fixo e possa formar sua equipe sem pressões de cunho político,
partidário ou sob o risco de ser exonerado. Diz a carta: “Tal medida traria
estabilidade para o órgão, conferindo previsibilidade administrativa. Nos
últimos dois anos, a instituição teve quatro diretores diferentes. Não é
produtivo que pessoas se perpetuem no comando, nem que sejam breves ao ponto de
sequer poderem implementar os projetos”.
Leia a carta na
íntegra:
Os Delegados de
Polícia Federal reunidos na cidade de Salvador, Bahia, por ocasião do IV
Simpósio Nacional de Combate à Corrupção, reafirmam suas convicções acerca dos
valores, missão, significado e importância da Polícia Federal para o Estado
Brasileiro.
Nos últimos dias,
veículos de imprensa de todo o Brasil destacaram comentários do Presidente da
República sobre a nomeação para cargos diretivos da Polícia Federal. A lei
atribui ao chefe do Poder Executivo a prerrogativa de nomear e exonerar o
Ministro da Justiça e o Diretor-Geral da Polícia Federal. Respeitamos a
autoridade conferida nas urnas ao Presidente da República. Somos uma carreira
hierárquica e disciplinada, reconhecida pela qualificação técnica e admirada
por toda a população brasileira.
Contudo, a Polícia
Federal não deve ficar sujeita a declarações polêmicas em meio a demonstrações
de força que possam suscitar instabilidades em um órgão de imensa relevância,
cujos integrantes são técnicos, sérios, responsáveis, e conhecedores de sua
missão institucional. Em várias oportunidades em governos passados a
instituição sofreu pressões e tentativas de intervenção. Diante do que parece
ser mais uma delas, é necessário e urgente que a Polícia Federal conquiste
garantias constitucionais e legais para se tornar, de fato e de direito, uma
polícia de estado e não de governo.
Neste sentido, medidas
legislativas são fundamentais para impedir qualquer tentativa de interferência
na Polícia Federal. O primeiro passo é a aprovação da proposta de emenda
constitucional que confere autonomia administrativa e financeira, em tramitação
há mais de dez anos na Câmara dos Deputados.
Outro movimento
importante é estabelecer o mandato ao Diretor-Geral, com escolha baseada em
critérios técnicos, republicanos e com limites impostos pela lei. O dirigente
máximo da Policia Federal deve ter o poder de formar a sua própria equipe, sem
pressões de cunho político, partidário ou sob o risco de ser exonerado. Tal
medida traria estabilidade para o órgão, conferindo previsibilidade
administrativa. Nos últimos dois anos, a instituição teve quatro diretores diferentes.
Não é produtivo que pessoas se perpetuem no comando, nem que sejam breves ao
ponto de sequer poderem implementar os projetos.
A Polícia Federal
enfrenta nos últimos anos dificuldades operacionais, estruturais e financeiras
por conta de seguidos contingenciamentos sem o direito de encaminhar sua
própria proposta orçamentária diretamente ao Congresso Nacional. É praticamente
impossível planejar a reposição de mais de quatro mil cargos policiais vagos.
Além do mais, é necessário promover concursos complexos para atrair os melhores
profissionais do mercado e dispor de meios para treinar e capacitar todo esse
contingente.
Não se confunde
autonomia com independência ou ausência de controle. Defendemos uma autonomia,
com regras claras, limites e com os critérios definidos pelo Congresso
Nacional. Essa mudança não vai implicar em aumento de custos aos cofres
públicos. A Polícia Federal deve ser vista como um investimento. Por intermédio
de suas investigações, devolve ao Estado um valor muito acima do seu orçamento.
Chamar a Polícia Federal de gasto significa ignorar todo o benefício que ela
traz para sociedade, principalmente evitando e combatendo a corrupção.
A Polícia Federal já
demonstrou à sociedade brasileira que merece toda sua confiança, respeito e apoio.
Por isso, a ADPF, entidade representativa nacional dos Delegados Federais,
espera que o Congresso Nacional, renovado, cuja base de campanha foi exatamente
a valorização das instituições de segurança e o combate à corrupção, possa
contribuir na aprovação de um sistema de proteção contra qualquer possibilidade
de interferência na Polícia Federal, a fim de garantir a continuidade no
combate à corrupção e ao crime organizado.
A Polícia Federal tem
75 anos de história. Como diz o trecho do hino que aprendemos ainda na
academia: “Somos fortes na linha avançada!”. Com base neste princípio, a ADPF
permanecerá atenta na defesa incondicional da instituição e no aprimoramento de
sua atuação.
Salvador, 23 de agosto
de 2019.
Carlos Magno
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