Há dois anos, o pesquisador Lucas Pinheiro Dias estuda
alternativas para o tratamento de infecções causadas por bactérias já
resistentes aos antibióticos existentes no mercado. A pesquisa que ele
desenvolve no pós-doutorado em Bioquímica que cursa na Universidade Federal do
Ceará (UFC) têm relevância global: um levantamento da ONU estima que, até 2050,
10 milhões de pessoas no mundo poderão morrer anualmente por conta de doenças
resistentes a medicamentos, e a Organização Mundial da Saúde considera este problema
uma das dez maiores ameaças à saúde pública mundial.
Com dedicação exclusiva ao estudo e recebendo uma bolsa da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) de 4.100
reais nos últimos dois anos, Lucas Pinheiro conta ter avançado bastante nos
experimentos. Conseguiu desenvolver seis peptídios — material criado com parte
de moléculas naturais e proteínas de plantas — que têm dado boas respostas para
combater dois tipos de bactérias. Mas esta é uma pesquisa longa e que exige muito
trabalho e testes até que os cientistas consigam efetivamente desenvolver uma
nova droga para a população. O problema é que o estudo está ameaçado em meio à
crise da ciência brasileira, provocada pelos cortes orçamentários na Educação
pelo Governo e que há meses vêm afetando o financiamento dos pesquisadores.
Na última segunda-feira, a Capes anunciou o corte de 5.200
bolsas, que deixariam de ser renovadas (ou seja, redistribuídas para novos
alunos) para conseguir manter as que estavam ativas. No total, a agência já
cortou 11.800 bolsas neste ano. Já o CNPq afirmou nesta semana que não teria
como garantir o pagamento de seus 84.000 bolsistas a partir do mês de setembro
por falta de verbas. Na tarde da última terça-feira, o ministro Marcos Pontes
prometeu um remanejamento interno no orçamento do órgão para conseguir pagar os
82 milhões de reais necessários para parar as bolsas de pesquisa previstas para
setembro. Mas ainda não há qualquer garantia de continuidade dessas bolsas até
o fim do ano. A proposta orçamentária para o ano que vem também não é
animadora: o Governo prevê um aumento de 22% em relação ao orçamento deste ano
ao CNPq. No entanto, o valor para 2020, de 962 milhões de reais, não cobre os 1
bilhão de reais da folha de pagamento das bolsas da agência. Por enquanto,
entidades ligadas à produção científica brasileira tentam chamar a atenção do
Congresso para os prejuízos à pesquisa brasileira, caso a previsão orçamentária
não seja corrigida pelos parlamentares.
Por conta do contingenciamento de recursos, Lucas Pinheiro —
que é o responsável pela maior parte do trabalho no laboratório — não teve a
bolsa renovada no último mês, como acontecia a cada semestre. "Se fosse só
pelo dinheiro, a pesquisa teria parado total porque, embora o projeto tenha
outro bolsista que está regular, todas as análises são feitas por mim",
explica o pesquisador, que continua trabalhando, se mantendo no último mês
graças às economias que começou a fazer quando começaram os rumores do corte.
Esses recursos pessoais, porém, não devem durar muito, e ele estuda formas de
conseguir continuar seu estudo. "Mesmo com o cenário desanimador e sem
receber, continuo frequentando o laboratório e desenvolvendo algumas
atividades. Vou completar um mês sem bolsa pra não perder a minha pesquisa",
conta.
Se por um lado os cortes preocupam pela paralisação de
pesquisas importantes no curto prazo, pesquisadores temem que a crise
desemboque em uma conjuntura ainda mais grave: o desmonte da produção
científica brasileira. A Capes e o CNPq são as duas principais agências de
fomento à pesquisa no Brasil. A primeira, vinculada ao Ministério da Educação,
é focada no apoio às pós-graduações das Instituições de Ensino Superior. Já o
CNPq, agência ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, atua prioritariamente
no apoio aos pesquisadores individualmente em todos os níveis, incluindo
estudantes de ensino médio e de graduação. Ambas vêm sofrendo com os cortes de
verbas.
A pesquisadora Anna Venturini terminou recentemente o
doutorado em Ciências Políticas, no qual estudou a criação de ações afirmativas
pelos programas de pós-graduação de universidades públicas em todo o Brasil.
Para isso, analisou os editais de 2.763 programas de pós-graduação em
publicados até janeiro de 2018, inclusive alguns programas específicos para
garantir não só o acesso, mas a permanência de minorias nas universidades. Com
base nesta pesquisa, ela analisa que o corte das bolsas fará com que apenas
pessoas com mais recursos financeiros devem conseguir fazer um mestrado ou
doutorado sem bolsa, já que as instituições de ensino exigem dedicação
exclusiva.
"Enquanto o mercado não valorizar a pós-graduação
stricto sensu (mestrado e doutorado), será difícil falar em conciliação. E
entre um emprego remunerado e um não remunerado, as pessoas farão escolhas a
depender de suas capacidades financeiras", argumenta. Para ela, outra
alternativa para viabilizar a permanência dos pesquisadores na universidade é
acabar com a dedicação exclusiva. "Mas isso afetaria fortemente a
qualidade das pesquisas", emenda.
Anna Venturini lamenta os cortes das bolsas em uma
conjuntura cujos valores já estavam defasados. Um mestrando ganha, em média,
1.500 reais mensais, por exemplo. "Lamento esses cortes em um momento em
que os programas estavam se estruturando para tornar a pós-graduação mais
inclusiva e representativa da sociedade em termos sociais e raciais, como
constatei na minha pesquisa", finaliza.
O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência, Ildeu de Castro Moreira, diz que é difícil contabilizar o impacto dos
cortes, mas pondera que sem garantir a presença de bolsistas de iniciação
científica, mestrandos e doutorandos nos laboratórios, é difícil conseguir
avançar nas pesquisas desenvolvidas nas mais diversas áreas — de saúde e meio
ambiente. "Esses cortes afetam
imediatamente uma série de pesquisas, mas o fundamental é que desmonta um
sistema de ciência e tecnologia que vinha crescendo nas últimas décadas",
completa ele. Moreira se preocupa com o impacto global da paralisia da pesquisa
brasileira.
A comunidade científica também vem se manifestando contra
uma ideia que ronda os bastidores do Governo no sentido de fundir a Capes e o
CNPq, duas instituições que atuam de forma complementar, para fomentar a
pesquisa. "Esta é uma péssima ideia. São duas agências que existem desde
os anos 1950 e que atuam de forma complementar, mas têm praticas
diferentes", explica Ildeu de Castro. Além das diferentes funções
exercidas por cada agência, o temor é de que a fusão enfraqueça ainda mais a governança,
a importância e o orçamento delas. Para Ildeu de Castro, os cortes sucessivos
que vêm ocorrendo já ameaçam a imagem da ciência brasileira no exterior. Ele
teme que, caso os cortes não sejam revertidos, haja uma saída mais rápida de
pesquisadores das universidades brasileiras, o que enfraquece o desenvolvimento
do país – El País.
Carlos Magno
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