A sala de Nestor Forster, no terceiro andar da chancelaria
do Brasil em Washington, continua a mesma. Desde junho, quando foi promovido ao
primeiro escalão da carreira e alçado ao comando da embaixada brasileira nos
EUA, ele poderia ter cruzado o corredor rumo ao maior gabinete do prédio, com
vista para a Avenida Massachusetts, mas decidiu continuar no seu escritório. A
promoção de Forster parecia o último passo formal antes de sua indicação a
embaixador do Brasil na capital americana, até que o presidente Jair Bolsonaro
anunciou a intenção de enviar o filho, Eduardo, para o posto.
Nestor fizera, logo depois de sua promoção, um discurso de
agradecimento aos servidores da embaixada em tom avaliado por alguns diplomatas
como um “pronunciamento de futuro embaixador”. O nome dele foi o mais cotado
para o posto nos bastidores desde os primeiros dias do governo Bolsonaro,
conforme revelou o Estado, e sua possível indicação veio se fortalecendo mês a
mês. Mas, diante dos planos para Eduardo Bolsonaro, Forster passou a mudar de
assunto quando era questionado sobre sua situação na embaixada.
Para se desvencilhar das conversas sobre o filho do
presidente, dava dicas sobre rotas a serem feitas de bicicleta em Washington ou
sobre alguma nova exposição de arte na cidade.
A sala de Nestor Forster dá pista de parte de sua ligação
com o atual governo. “Make unborn babies great again”, diz o cartaz exposto em
sua estante. A frase, uma adaptação do slogan de campanha de Donald Trump, é
usada por ativistas anti-aborto e significa em português “torne os bebês não
nascidos bons de novo”. Forster é reconhecido como um conservador, é católico,
entusiasta da agenda de costumes do governo Bolsonaro e pratica canto
gregoriano. A música nem sempre está ligada a religião. Na juventude em Porto
Alegre, o gaúcho tocava chorinho com alguns integrantes do que veio a se tornar
a banda Engenheiros do Hawaii.
Amigo de longa data de Olavo de Carvalho, ele foi o
responsável por levar o hoje chanceler, Ernesto Araújo, para conhecer o
escritor e espécie de guru do governo Bolsonaro, que vive em Virgínia. Forster
conta a pessoas próximas que conheceu Olavo através de um amigo em comum dos
dois: o jornalista Paulo Francis.
Ao falar sobre a aproximação do Brasil com os EUA, o
diplomata costuma dizer que há coincidência de valores entre as duas nações nos
governos Trump e Bolsonaro. É comum encontrá-lo defendendo um “multilateralismo
que dê resultados” ou se declarando “a favor da globalização, e não do
globalismo” – o que, para integrantes da classe empresarial nos EUA consultados
pelo Estado, parece um caminho mais pragmático na comparação com discursos de
Araújo.
Em março, quando Bolsonaro esteve em Washington, o então
ministro-conselheiro teve papel central na organização da agenda presidencial e
foi o responsável por organizar o jantar com representantes da direita
americana, como o ex-estrategista de Trump, Steve Bannon, e Olavo.
Há pouco mais de um mês, ao organizar na embaixada, a
entrega do grau máximo da Ordem Nacional de Rio Branco, de Grã-Cruz, a Olavo,
Forster fez discurso de 20 minutos de elogios ao escritor. “O professor venceu
a ditadura esquerdista que dominava a vida intelectual brasileira até poucos
anos atrás, fingindo possuir o monopólio do que poderia ser pensado”, disse o
diplomata. A condecoração foi concedida por Bolsonaro em maio, mas entregue nos
EUA em agosto.
Nos últimos três meses, enquanto Brasília debatia a
indicação de Eduardo, Forster tocou os trabalhos em Washington com funções de
um embaixador na prática. Desde 1992, ele tem se especializado na América do
Norte e, especialmente, nos EUA, tendo assumido cinco cargos diferentes no país
e um no Canadá.
Na embaixada, já foi chefe de política comercial e do setor
financeiro e já esteve à frente dos Consulados de Nova York e de Hartford, em
Connecticut. De 2017 até assumir a cadeira de encarregado de negócios da
embaixada, ficou responsável pela área de diplomacia pública, administração e
temas migratórios.
Uma das primeiras mudanças notada foi o protagonismo na
defesa da imagem do governo Bolsonaro no exterior. Forster chamou para si parte
da responsabilidade em responder as críticas da comunidade internacional sobre
o aumento das queimadas na Amazônia e rebateu em carta um artigo publicado na
revista Foreign Policy inicialmente intitulado “Quem vai invadir o Brasil para
salvar a Amazônia?”.
O diplomata também chamou veículos da imprensa estrangeira
para argumentar que havia uma “histeria injustificada” sobre a situação da
floresta. Na ocasião, fontes do Planalto afirmaram que Forster continuava com
todo o prestígio dentro do governo e, apesar de ver frustrada a expectativa de
se tornar o embaixador, poderia escolher qualquer posto que desejasse na
carreira.
Forster é bem humorado e tem simpatia dos funcionários da
embaixada – incluindo de críticos declarados do governo atual. Costuma fazer
brincadeiras enquanto faz críticas. “Prazer, eu sou o embaixador do Brasil nos
EUA, segundo a senhora”, disse à reportagem do Estado em janeiro, depois de o
jornal publicar que ele era o nome mais forte na corrida pela embaixada. “Isso
é uma especulação”, criticou o diplomata, aos risos.
Forster é casado com a cônsul-adjunta do Brasil em
Washington, Maria Thereza Diniz Forster. Durante a carreira, ele chegou a pedir
licença por um período do Itamaraty quando suas funções foram incompatíveis com
as da esposa também diplomata.
Forster cita o Manual de Redação da Presidência da
República, assinado pelo ministro do STF Gilmar Mendes, entre suas “obras
publicadas” em seu currículo disponível na rede interna do Itamaraty. Forster
foi chefe de gabinete do ministro na Advocacia-Geral da União (AGU) entre e
2000 e 2002, quando Gilmar assumiu uma vaga no STF indicado pelo então
presidente Fernando Henrique Cardoso. Antes os dois haviam trabalhado juntos na
Casa Civil durante o governoFernando Collor de Mello (1990-1992).
“É um profissional excelente; inteligente, disciplinado.
Fomos colegas na Casa Civil durante o governo Collor e ele foi meu chefe de
gabinete na AGU. É um grande quadro do serviço público brasileiro”, elogiou
Gilmar Mendes. Na edição online do Manual disponibilizada pela Presidência,
Foster é citado como integrante da comissão encarregada de elaborar o Manual ao
lado de outros oito nomes. A comissão foi presidida por Gilmar. Segundo
funcionários do Itamaraty, Forster concebeu a ideia e foi o principal redator
da publicação.
O livro está na terceira edição e até hoje serve de
referência para os sucessivos ocupantes do Palácio do Planalto. A revisão foi
do linguista Pedro Luft, professor de Forster na faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O diplomata também inclui em seu currículo como “obra
publicada” o livro Transição e Democracia: Institucionalizando a Passagem de
Poder, publicado em 2002 pela Casa Civil na gestão de Pedro Parente. Nos
créditos da publicação o nome do diplomata aparece como um dos responsáveis
pela pesquisa bibliográficas ao lado de Rubens Sakay. Também de acordo com
funcionários do Itamaraty, Forster foi responsável pela redação de quase todo o
volume, além de ter feito as entrevistas que sustentam a publicação, uma delas com
o próprio Fernando Henrique – Estadão.
Carlos Magno
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