A cúpula do Ministério Público do RJ (MPRJ) se reuniu no fim
da noite desta quinta-feira (31) para decidir sobre um possível afastamento da
promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho das investigações sobre a morte de
Marielle Franco e Anderson Gomes.
O MP recebeu, ao longo desta quinta, questionamentos sobre o
fato de Carmen Eliza ter feito campanha para Jair Bolsonaro na corrida à
Presidência da República – como a “Folha de S.Paulo” mostrou nesta quinta-feira
(31).
Os pedidos são para afastamento de qualquer investigação que
eventualmente envolva Bolsonaro.
A TV Globo apurou que a reunião teve momentos tensos. O
afastamento de Carmen Eliza era dado como certo, mas a promotora se recusou a
sair do caso - é prerrogativa dos membros do MP decidir em quais investigações
desejam atuar.
O G1 pediu um posicionamento do MP, mas até a última
atualização desta reportagem o órgão não tinha se pronunciado.
A promotora foi uma das três do Grupo de Atuação Especial de
Combate ao Crime Organizado (Gaeco) que participaram de uma entrevista coletiva
sobre o caso na quarta-feira (30).
Na ocasião, Carmen Eliza, Letícia Emile e Simone Sibilio
afirmaram que o depoimento de um porteiro sobre o que aconteceu horas antes do
atentado não condiz com as provas reunidas pelo MPRJ. Especialistas, no
entanto, apontam lacunas na perícia (leia mais abaixo).
Campanha para Jair
A reportagem da "Folha" diz que, durante a
campanha, Carmen Eliza postou em suas redes sociais fotos e mensagens de apoio
a Jair. Em uma delas, a promotora posou com uma camisa onde se lê “Bolsonaro
Presidente”.
Em outra postagem, de 1º de janeiro, ela fotografou a
cerimônia de posse do presidente e escreveu, como legenda: “Há anos que eu não
me sinto tão emocionada. Essa posse entra naquela lista de conquistas, como se
fosse uma vitória.”
Carmen também reproduziu uma imagem de texto que incluía: “O
Brasil venceu!!! 57,7 milhões! Libertos do cativeiro esquerdopata”, em
referência à votação de Bolsonaro no segundo turno.
Ela também postou em sua rede social foto abraçada com o
deputado Rodrigo Amorim (PSL-RJ), que quebrou uma placa em homenagem à
vereadora assassinada em 2018. Na ocasião, Carmen Eliza estava com a Medalha
Tiradentes no peito - a maior comenda do Estado do RJ.
Tese do Caso Amarildo
arquivada
Carmen Eliza também participou da investigação, pelo MPRJ,
do Caso Amarildo - o pedreiro que desapareceu na Rocinha em julho de 2013. A
suspeita é que PMs tenham matado e sumido com o corpo.
Em junho de 2015, Carmen Eliza anunciou a abertura de uma
nova investigação contra 10 policiais do Bope.
De acordo com ela, durante a preparação das alegações finais
do inquérito, o Gaeco encomendou uma análise das imagens de câmeras de
segurança e constatou a presença de um volume em uma das caminhonetes que
estiveram no local durante o episódio.
Esse volume, explicou a promotora à época, "não era
incompatível com o de um corpo".
No entanto, em abril deste ano, a Justiça arquivou o
processo - a pedido da própria Carmen Eliza.
O MPRJ admitiu não ter nenhuma prova de que o suposto volume
seria o corpo de Amarildo e, em uma outra análise das mesmas imagens feitas por
peritos da Polícia Militar do RJ, nenhum volume foi encontrado na viatura nem
indícios de um corpo.
MP contradiz
depoimento de porteiro
Uma coletiva foi convocada pelo MPRJ um dia depois que o
Jornal Nacional trouxe novas revelações sobre o Caso Marielle.
Na terça-feira (29), a reportagem mostrou o que disse e o
que anotou um porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, Zona Oeste do Rio.
O vigia afirmou à polícia que Elcio Queiroz, preso acusado
de dirigir o carro que perseguiu Marielle, anunciou que iria à casa 58, que
pertence a Jair Bolsonaro.
Ainda segundo os dois depoimentos, o porteiro ligou para a
casa 58, onde um homem que o vigia identificou como "Seu Jair"
liberou a entrada.
Elcio, contudo, foi para a casa 65, que pertence a Ronnie
Lessa – preso acusado de ser o autor dos disparos. A movimentação foi
comprovada pelas câmeras de segurança.
O então deputado Jair Bolsonaro estava em Brasília e marcou
presença em duas votações na Câmara dos Deputados, em horários muito próximos
ao da chegada de Élcio ao condomínio - por volta das 17h10. Portanto, segundo a
investigação, não poderia estar no condomínio e ter atendido o interfone.
Por citar o presidente, o caso foi levado ao Supremo
Tribunal Federal.
O MP, na coletiva de quarta, contestou o porteiro.
As promotoras Carmen Eliza, Letícia Emile e Simone Sibilio
citaram um áudio que provaria que a entrada de Elcio no condomínio foi liberada
por Ronnie.
O MP afirma que o áudio gravado no sistema de interfones do
condomínio revela que a voz não era de Bolsonaro. A prova técnica comprovou que
é a voz de Ronnie Lessa, que autoriza Élcio a entrar no condomínio, às 17h07.
Lacunas na perícia
Uma reportagem da “Folha” publicada nesta quinta-feira (31)
ouviu especialistas e afirma que a perícia não analisou pontos importantes.
A reportagem diz que as promotoras não perguntaram aos
peritos se algum arquivo pode ter sido apagado ou renomeado. A “Folha” afirma
que a perícia foi feita “a toque de caixa”, no mesmo dia da entrevista coletiva
do Ministério Público.
A “Folha” diz que que só na quarta-feira as promotoras
encaminharam as perguntas sobre as gravações ao setor técnico, e que o
documento indica que os técnicos não tiveram acesso ao computador de onde os
dados foram retirados.
O presidente da Associação Brasileira de Criminalística,
Leandro Cerqueira, disse à “Folha” que, sem acesso à máquina em que os arquivos
foram gravados, não é possível identificar se um arquivo foi apagado ou
renomeado.
Disse ainda que o arquivo pode ter sido trocado e seria
necessário o acesso ao equipamento original.
A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais afirmou
ao jornal que é temerário o possível arquivamento de uma notícia de fato sem o
devido exame pericial oficial e que isso abre espaço para uma guerra de versões
e opiniões distante dos fatos – G1.
Carlos Magno
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