O presidente Jair Bolsonaro disse nesta segunda-feira (17)
que pode assinar medida provisória para recriar os sorteios de prêmios na
televisão, iniciativa proibida no final dos anos 1990 por ser considerada
nociva aos consumidores.
Em entrevista, disse que pediu à equipe econômica que o
assunto seja estudado e que avaliará a questão quando a proposta final for
enviada ao Palácio do Planalto.
Nesta segunda-feira (17), a Folha de S.Paulo revelou que a
medida tem sido feita por pressão de emissoras de televisão que apoiam o
governo, entre elas a RedeTV!, principal interessada no negócio.
"A Folha de S.Paulo parece que fez uma matéria ao seu
gosto, né. Então, eu vou discutir só quando chegar a proposta final na minha
mesa", disse. "Se eu pedi para estudar, é sinal de que existe a
possibilidade [de assinar]."
Em mais uma crítica à Folha de S.Paulo, o presidente disse
que a Primeira Página da versão impressa do jornal desta segunda-feira (17) tem
"uma dez matérias" contra ele. Na página, no entanto, há três
notícias vinculadas ao governo Bolsonaro.
"Hoje, parece que a Folha tem umas dez matérias na capa
dando pancada em mim. Impressionante. Se o [ex-prefeito de São Paulo, Fernando]
Haddad estivesse aqui estaria muito melhor, com toda a certeza. Estaria aqui
recebendo o [o presidente da Venezuela, Nicolás] Maduro, fazendo homenagem ao
general lá de fora", afirmou.
A pedido de Rede TV!, principal interessada no negócio,
Record, SBT e Band, o chefe da Secom (Secretaria de Comunicação da
Presidência), Fabio Wajngarten, articulou uma reunião entre os principais
executivos dos canais e o presidente para convencê-lo a encampar a proposta.
Embora tratativas sobre o tema sejam de competência do
Ministério da Economia, o encontro se deu no Palácio do Planalto, em 9 de
dezembro, com a participação de Amilcare Dallevo Jr., dono e presidente da
RedeTV!, José Roberto Maciel, presidente do SBT, Luís Cláudio Costa, presidente
da Record, e Paulo Saad Jafet, vice-presidente da Band.
Na sequência, a Casa Civil começou a preparar a minuta de
uma medida provisória. O texto foi enviado ao Ministério da Economia e está
pronto, aguardando a decisão de Bolsonaro para ser publicado.
A minuta, a que a Folha de S.Paulo teve acesso, é uma
tentativa de resolver um impasse imposto pela Justiça, que, no fim dos anos de
1990, proibiu sorteios na TV por considerá-los nocivos ao consumidor.
As emissoras agora miram a volta desse negócio como forma de
gerar novas receitas.
Segundo relatos de participantes da reunião, a RedeTV! atuou
no encontro como porta-voz das demais emissoras.
Nas conversas com Wajngarten que antecederam a reunião com
Bolsonaro, a RedeTV! disse que, com a massificação da telefonia, o que era
recorde de ligações no passado hoje seria a média de um sorteio de prêmios de
menor valor.
Hoje, com uma média de 3 milhões de ligações, pico do
passado, seria possível arrecadar ao menos R$ 15 milhões. Descontando custos,
impostos e contribuições, a emissora embolsaria R$ 5,7 milhões.
Esse potencial levou Wajngarten a defender a liberação do
serviço junto a Bolsonaro, segundo pessoas que participaram das conversas.
Para resolver os obstáculos na Justiça, a medida visa exigir
que as emissoras façam uma espécie de filtro nas centrais telefônicas para
restringir o número de chamadas por CPF.
Isso para impedir que o mesmo telespectador possa fazer
ligações de diversos números diferentes, o que é comum, especialmente na
telefonia celular em que 80% usam chips pré-pagos de várias operadoras.
Em contrapartida pela ajuda, as emissoras terão de recolher
impostos e contribuições para fundos públicos cujos recursos poderão ser
usados, por exemplo, na expansão ou melhoria das penitenciárias. Pelos cálculos
iniciais, a União ficaria com 14% da receita de cada chamada.
No passado, quando os sorteios eram permitidos e a telefonia
ainda era artigo de luxo, telespectadores se endividaram ao fazerem chamadas em
busca de prêmios.
O primeiro sorteio da Globo foi ar em junho de 1997, durante
a luta entre Mike Tyson e Evander Holyfield. As 2,87 milhões de chamadas
renderam R$ 8,6 milhões à emissora, em valores da época.
No SBT, a apresentadora Hebe chegou a derrubar a rede da
Embratel com o volume de ligações no sorteio de um Mercedes. Na Copa de 1998,
ano da suspensão dos sorteios pela Justiça, Faustão recebeu mais de 500 mil
ligações durante os "500 gols do Faustão".
Naquele momento, o país tinha cerca de 16,5 milhões de
linhas fixas e a telefonia celular era incipiente. Hoje, o país tem 272 milhões
de linhas móveis e outras 34 milhões fixas.
Representantes da RedeTV! tentaram convencer Wajngarten de
que o projeto dos sorteios seria uma tábua de salvação para as emissoras.
Também abordaram assessores do secretário, integrantes da
Casa Civil e da equipe econômica, a quem compete a regulação de jogos e
sorteios no país. A conversa, no entanto, começou pelo presidente.
A expectativa dos envolvidos nas conversas era que os
sorteios estivessem liberados em meados de janeiro, mas, segundo assessores do
governo, o Planalto preferiu aguardar o desfecho da crise envolvendo
Wajngarten.
Como noticiou a Folha, o secretário, por meio de sua empresa
(FW Comunicação), tem contratos com Record e Band, que recebem verbas da Secom
e de outros órgãos do governo.
Agências de publicidade que atendem o Executivo e a Caixa
Econômica Federal também contratam a empresa de Wajngarten, que faz análise de
mídia e monitoramento da veiculação de anúncios na grade de programação das
emissoras.
Além disso, o secretário direcionou mais recursos da Secom
para emissoras aliadas do governo -justamente aquelas que pediram a volta dos
sorteios- do que para a Globo, líder de audiência.
Os números da distribuição de recursos da Secom indicam que
as distorções no repasse das verbas foram mais acentuadas na RedeTV!. A
emissora é controlada por Amilcare Dallevo Jr. e Marcelo de Carvalho, defensor
da Secom e do governo em suas redes sociais.
Só na segunda fase da campanha da Previdência, feita na
gestão de Wajngarten e que concentrou 36% da verba da secretaria, a RedeTV!
recebeu 4% dos recursos -tendo 1% da participação na audiência nacional. A
Secom pagou R$ 1,1 milhão por essa participação da emissora. Nas demais
concorrentes, o valor pago por ponto percentual da audiência ficou abaixo de R$
433 mil.
Durante a tramitação da proposta, a ex-mulher de Marcelo de
Carvalho, a apresentadora Luciana Gimenez, fez entrevista exclusiva com
Bolsonaro e pediu que ele defendesse as mudanças no regime de aposentadorias.
Recentemente, a emissora contratou o apresentador Silkêra
Júnior, que atuava na TV A Crítica, em Manaus. As declarações polêmicas do
jornalista, sobretudo contra movimentos de esquerda, têm a simpatia do deputado
federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.
O Tribunal de Contas da União analisa se a atividade de
Wajngarten fere o princípio constitucional da impessoalidade e se não configura
uso político das verbas públicas.
A Polícia Federal investiga as relações do secretário com as
emissoras, sob suspeita de corrupção, peculato (desvio de verbas) e advocacia
administrativa (patrocínio de interesses privados na administração pública).
A proximidade de Wajngarten com as quatro emissoras não é
recente. O secretário começou sua carreira no SBT e, desde que criou sua
empresa, tentava rivalizar com o Ibope, parceiro tradicional da Globo.
Para isso, aliou-se à alemã GfK e chegou a fechar contratos
com algumas dessas emissoras, que passariam a utilizar os serviços da nova
empresa.
Além da aferição de audiência, ela faria o monitoramento da
veiculação de comerciais na TV. O projeto ruiu, e a GfK acabou saindo do país.
CANAIS QUEREM VOLTA
DE SORTEIOS
Emissoras envolvidas: RedeTV!, Record, SBT e Band
O que pleiteiam: Autorização para sortear prêmios a partir
de ligações telefônicas dos telespectadores
Como é hoje: A Justiça proibiu esse tipo de sorteio por
considerá-lo nocivo ao consumidor
O que está em estudo: O governo preparou a minuta de uma
medida provisória, que aguarda o aval de Bolsonaro para ser publicada
Contrapartidas: A União ficaria com parte da receita de cada
chamada e as emissoras contribuiriam para fundos que poderiam ajudar, por
exemplo, na expansão de penitenciárias – MSN Notícias.
Carlos Magno
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