Os covardes machistas podem fingir que não são covardes
machistas, mas em algum momento eles se revelam. E não há momento mais oportuno
para os atores públicos do Brasil mostrarem que não o são, longe de serem
coniventes com a baixaria empreendida pelo presidente Jair Bolsonaro contra a
repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo, na manhã desta
terça-feira. Num país em que 52% do eleitorado é feminino, deputados e
senadores deveriam ficar alertas. Eles têm a grande oportunidade de mostrar que
não vão deixar a vulgaridade assumir o Brasil, rasgando todo e qualquer senso
de decência do Estado em relação a uma mulher, deixando que se propague uma
mentira orquestrada dentro do Congresso. Deixem de lado o fato de Patrícia ser
jornalista. Ela é mulher. Poderia ser uma economista, uma copeira, uma
faxineira, uma jogadora de futebol. Ela foi exposta com insinuações sexuais por
um presidente, como nunca o Brasil viu. Ele não está na mesa de bar com amigos,
está na frente das televisões dizendo que Patrícia queria “dar um furo a
qualquer preço”, sugerindo sexo em troca de informação que é o mesmo que chamar
uma mulher de prostituta. Só uma cabeça pervertida pode se sentir tão à vontade
para dizê-lo em alto e bom som.
Nunca na democracia um chefe de Estado havia caído tão baixo
apelando à vulgaridade para falsear a realidade. Quiçá no mundo. Nem Donald
Trump chegou a tanto. O Congresso tem as provas à mão para admitir que Hans
River do Rio Nascimento mentiu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
(CPMI). A insinuação asquerosa de Bolsonaro, pai de uma filha de 9 anos, chega
a um patamar nunca visto no Brasil. Todo mundo sabia do que Bolsonaro era
capaz, desde que ele xingou uma repórter em abril de 2014. Mas editou a si
próprio para fazer sua campanha e venceu. Legitimamente. Desde então, empreende
uma guerra grosseira, agressiva e mentirosa contra a realidade para esquivar-se
de suas próprias capivaras. A morte de Adriano da Nóbrega, que convenientemente
morreu nas mãos da polícia da Bahia, governada pelo Partido dos Trabalhadores,
foi um presente no colo de Bolsonaro que agora se tornou o maior defensor de
presos assassinos, embora repetisse sempre que “direitos humanos era para
humanos direitos”, e seja um dos que faz coro ao jargão “bandido bom é bandido
morto”. De onde vem essa mudança? Os homens públicos deste país, empresários e
agentes da Justiça vão deixar que o que já se construiu em termos de sociedade
vá para o ralo? Em nome de quê?
Senhores deputados e senadores, vocês podem ter um papel
tremendamente decisivo neste início de 2020. Pelas suas filhas, pelas suas
mães, pelas suas eleitoras, pelas suas irmãs. Não desprezem a construção que
mulheres têm feito até aqui por um país mais decente e menos violento. A
violência das palavras de um chefe de Estado reverbera em todas as esquinas e
rincões do Brasil. Já se matam uma mulher a cada duas horas aqui, um estupro
acontece a cada 11 minutos. Tenham decência, coragem, de estancar esta sangria
desatada que abriu as portas para uma perversidade gratuita. Vocês foram
eleitos para que o Brasil fosse um país melhor, mais próspero, mais respeitado,
mais ético. Não há melhora onde uma mentira é naturalizada na Casa em que vocês
representam cada brasileira. Não há prosperidade num país onde se quer
estabelecer o medo como forma de governo. Não há respeito por um país que fecha
os olhos e silencia diante dos disparates que estamos assistindo. Isso também é
corrupção. Corromper seu papel público em nome do poder.
Bolsonaro se cercou de ministros sem filtro, como Paulo
Guedes, ou Abraham Weintraub, e nos vemos agora tentando medir quais
declarações foram mais ou menos canalhas que outras. O primeiro ano já havia
sido execrável e neste 2020 ele dobrou a aposta. Brasil perverso. Estamos perto
do dia 8 de março. Isso vai ter impacto. Foi assim que começaram grandes
manifestações femininas pelo mundo. O presidente está dando farto material para
as campanhas de seus adversários e dos inúmeros inimigos que está fazendo.
Sabendo-se que é incorrigível e que está cego pelo poder, vai tropeçar em suas
próprias palavras – El País.
Carlos Magno
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