“O movimento negacionista do coronavírus agora tem um
líder”. Foi com essa manchete que a revista norte-americana The Atlantic
descreveu os discursos diários que o presidente Jair Bolsonaro promove contra
as medidas de distanciamento social decretadas por governadores e prefeitos e
recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo próprio Ministério
da Saúde para conter a pandemia do coronavírus. No início da crise, o
ultradireitista parecia seguir os passos do presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, que também minimizava os efeitos da Covid-19.
Mas até mesmo Trump, vendo que seu país se transformara em
epicentro mundial do novo vírus, mudou de atitude: negociou com o Congresso um
pacote de dois trilhões de dólares (cerca de 10 trilhões de reais) para
resgatar a economia, adotou um tom de conciliação com governadores, estendeu
até 30 de abril as restrições à circulação e, no último fim de semana, chegou a
dizer que poderia instituir o chamado lockdown nos Estados de Nova York, New
Jersey e Connecticut. Em suma, o republicano deixou de lado a retórica de que a
atividade econômica não pode e passou a salientar que, neste momento, a saúde
dos estadounidenses deve ser a prioridade.
Bolsonaro, por ora, ignora a guinada daquele que lhe serve
como modelo político e vem insistindo que as pessoas devem sair às ruas e
trabalhar normalmente. “É um nível de irresponsabilidade que nunca vi num líder
democraticamente eleito. Bolsonaro faz Trump parecer Churchill”, ironizou Ian
Bremmer, presidente da consultoria de risco Eurasia Group, no Twitter.
Agindo de maneira errática logo após atender as demandas de
governadores, o mandatário brasileiro determinou em pronunciamento em cadeia
nacional na passada terça-feira que “algumas poucas autoridades estaduais e
municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de
transportes, o fechamento do comércio e o confinamento em massa”. Também
aproveitou a ocasião para forjar inimigos e se referir ao coronavírus como uma
mera “gripezinha”.
Isolado politicamente, Bolsonaro dobrou a aposta na
radicalização de sua base e estimulou as carretas de empresários em várias
cidades pedindo pela reativação das atividades desde a sexta-feira. Além disso,
mais uma vez driblou todas as orientações de médicos e especialistas e passeou
no domingo por mercados e centrais de vendedores ambulantes na periferia de
Brasília. Durante o chamado “coronatour”, o presidente cumprimentou cidadãos de
Taguatinga, Ceilândia e Sobradinho, além de reforçar sua tese de que é importante
fortalecer a economia.
Alguns analistas acreditam que Bolsonaro não quer ser visto
como responsável pela recessão na economia, diante de mortes inevitáveis,
segundo sua visão. Por outro lado, se governadores e prefeitos têm sucesso em
suas medidas e consigam conter o coronavírus, ele ainda poderia argumentar que
estava certo ao dizer que não havia demasiados riscos para a saúde da
população.
O presidente e seu entorno mais radical — sobretudo seus
filhos — também vêm divulgando e incentivando medidas contra o isolamento ou
fazendo ênfase sobre possíveis curas para o coronavírus. No domingo, o Twitter
decidiu pela primeira vez barrar conteúdo compartilhado pelo ultradireitista e
pagou dois vídeos que havia postado contra o isolamento social. Nesta segunda
foi a vez do Facebook e do Instagram decidirem fazer o mesmo por considerar que
conteúdo promovia a desinformação. O vídeo mostrava o presidente conversando
com um ambulante: “Eles querem trabalhar. é o que eu tenho falado desde o
começo”, dizia. “Aquele remédio lá, hidroxicloroquina, está dando certo em tudo
o que é lugar”, continuava. Em nota ao portal BBC News Brasil, justificou a
remoção dizendo que "viola nossos padrões da comunidade, que não permitem
desinformação que possa causar danos reais às pessoas”.
Nesta segunda, em entrevista ao canal de televisão aberto
Rede TV, Bolsonaro voltou a questionar os números de mortes provocadas pela
Covid-19. “Parece que há interesse por parte de alguns governadores de inflar o
número”, disse o presidente, ecoando uma notícia falsa, espalhada em grupos de
WhatsApp e nas redes, de que um porteiro ou borracheiro teria tido sua morte
erroneamente incluída nas estatísticas de coronavírus (veja aqui os números em
tempo real).
O que Bolsonaro faz é utilizar “uma comunicação
meticulosamente arquitetada para ironizar e atacar inimigos ideológicos e
políticos, da imprensa ao médico Drauzio Varella, passando por governadores e
prefeitos adversários", opina o cientista político Vinícius do Valle.
“Bolsonaro quer, na verdade, o caos”, conclui Valle.
O motivo de querer o caos se deve à própria natureza do
bolsonarismo, que precisa do conflito para se manter e se expandir, segundo
Valle e outros estudiosos, como o historiador argentino Federico Finchelstein.
“Eventualmente a realidade se impõe e inclusive os seguidores mais fanáticos em
algum ponto deixam de acreditar neles. Mas, quando isso acontece, já terá
havido muito sofrimento e muitas vítimas, no sentido literal do termo.
As políticas de ajuste, de repressão e de discriminação têm
suas consequências”, disse Finchelstein ao EL PAÍS na semana passada. Para
Valle, Bolsonaro poderia encontrar na convulsão social a justificativa que
precisa para tentar concentrar ainda mais poder em suas mãos, seja a partir de
operações de Garantia da Lei e da Ordem ou da decretação de um Estado de Sítio –
EL PAÍS.
Carlos Magno
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