Os novos casos de coronavírus em Santa Catarina mais que
triplicaram desde que foi autorizada pelo estado a volta do comércio de rua, no
dia 13 de abril. Naquela data, eram 826 pacientes com Covid-19, quantidade que
subiu para 2.795 na terça-feira (5). No mesmo período, as mortes aumentaram de
26 para 58.
Por nota, o governo do estado disse que o aumento se deve ao
fato de Santa Catarina ter passado a integrar dois sistemas do Ministério da
Saúde (e-SUS VE e SIVEP Gripe) -- e os casos confirmados por teste rápido
sorológico, critério clínico e vínculo epidemiológico passarem a ser
contabilizados -- e também a um "movimento esperado diante do avanço da
pandemia".
No dia 12 de abril, o estado tinha 776 infectados. No dia
19, eram 1.025, diferença de 249 casos. Após mais sete dias, em 26 de abril, o
número foi para 1.337, ou seja, mais 312 pacientes. E, no dia 3 de maio, Santa
Catarina registrava 2.519 pessoas com coronavírus – mais 1.182 novos casos em
relação à semana anterior.
Somente no dia 28 de abril, o governo registrou 519 casos
novos em relação ao dia anterior, a maior variação em 24 horas até agora. O
então secretário de Saúde, Helton Zeferino, avaliou que o salto foi devido à
integração do painel da base de dados do estado ao e-SUS e do Sivep Gripe.
Uma análise usando modelo matemático feita por 11 pesquisadores
da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade da Região de
Joinville (Univille), Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e Universidade
de Waterloo, do Canadá, mostra a mudança no padrão de crescimento de casos.
O achatamento deixou de existir desde o dia 28 de abril,
sendo consequência provável da liberação de 13 de abril, explicou Oscar
Bruna-Romero, um dos pesquisadores envolvidos. Ele é professor de microbiologia
da UFSC e especialista em doenças infecciosas e vacinas.
"O gráfico mostra claramente como os casos se desviaram
radicalmente da tendência de achatamento que teríamos em abril e já estão
marcando um aumento fora de controle. Os dados [usados] são os oficiais. E
sabemos que estão subnotificados. Os números reais são muito maiores",
disse .
Normalmente, os dados vão explicar o que aconteceu, em
termos de contaminação, num período de 7 a 14 dias anteriores, aproximadamente,
explica o professor titular de Saúde Pública da UFSC, Sérgio Freitas,
especialista e pesquisador na área. A taxa de crescimento de infectados era
baixa até a semana de 24 de abril, disse. "A partir dali em diante, houve
crescimento importante. Se trabalharmos com essa janela, uma parte importante
[dos novos casos] veio com a reabertura do comércio".
Ele considera que dois fatores estão associados à alta: há
mais gente circulando nas ruas, e inicialmente muitas não usavam máscaras; e a
falsa sensação de que, com a retomada de diversas atividades, as coisas estavam
retornando à normalidade, tendo como consequência a população passando a não se
prevenir tanto. Nesse sentido, Freitas faz críticas ao governo catarinense.
"Quando você começa a sinalizar para as pessoas que a
vida está voltando ao normal, ou seja, o comércio está aberto e os shoppings
estão funcionando, as pessoas começam a entender que a vida está voltando ao
normal, então elas têm uma tendência de se proteger menos. O grande fator de
adesão da população catarinense no início foi o medo de pegar a doença. E o
governo ficou sinalizando medidas contraditórias, não pode uma coisa, mas agora
pode tal coisa", declarou.
Para o estudioso, as medidas de relaxamento não foram
baseadas em estudo epidemiológico, e sim no aspecto econômico e na taxa de
ocupação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), considerada baixa em
relação a outros estados. "Ocupar muitos leitos com Covid-19 não é uma
meta. Não deveria ser", disse.
Freitas afirmou que considera que a epidemia não chegou ao
seu máximo. "Talvez essa reversão pudesse acontecer se mantivéssemos o
isolamento todo, embora do ponto de vista econômico seria provavelmente muito
mais complicado, muito mais desastroso. O que nós teríamos, sem dúvida, seria
um platô num nível muito mais baixo", declarou.
Uma flexibilização mais lenta teria sido melhor para que não
houvesse a escalada nos casos, avalia o professor Oscar.
"O ideal seria ir abrindo mais devagar. As liberações
foram feitas sem aguardar para ver as consequências. A impaciência é que pode
nos prejudicar. O ciclo da doença entre o contágio e aparecimento dos últimos
óbitos é de até 1 mês e meio. Não devem ser tomadas decisões de liberação com
10 dias de diferença", explicou.
Segundo dados do Ministério da Saúde atualizados até a manhã
desta quarta, Santa Catarina tinha taxa de incidência de 366 infectados a cada
1 milhão de habitantes, a 17ª entre os estados. O índice de mortalidade era de
8 por 1 milhão de pessoas, 21º lugar entre as demais unidades da federação.
Reabertura
O comércio em geral foi fechado depois que o estado decretou
situação de emergência, no dia 17 de março, como forma de frear a transmissão
do coronavírus. A medida foi tomada depois que foi detectada transmissão
comunitária do vírus em Santa Catarina. Na ocasião, eram sete os casos
confirmados da doença.
A reabertura das lojas de rua só foi autorizada quase um mês
depois, mediante regras como proibição de provas de roupas, sapatos, acessórios
e outros objetos, número de clientes reduzidos a 50% da capacidade, e uso de
máscaras por parte de funcionários e clientes. A liberação de shoppings ocorreu
na semana seguinte, a partir de 22 de abril.
No dia 11 de abril, quando anunciou a liberação temporária
do setor, o governador Carlos Moisés (PSL) declarou que se, fosse preciso, a
medida seria revista e que as prefeituras estavam autorizados a restringir a
atividade, se achassem necessário. O assunto voltou a ser abordado em
entrevista coletiva na segunda-feira (4).
"É importante dizer que nos municípios onde haja
incidência maior, um caso diferenciado de contágio ou até mesmo de pessoas
internadas, percentual alto de ocupação de leitos disponíveis de UTI para
aquela região, é possível intervenções mais rigorosas, mais restritivas, por
parte das autoridades municipais. Essas restrições serão adotadas pelos
municípios e o governo apoiará com toda a estrutura do estado, seja força
policial, de saúde, de vigilância sanitária, para que sejam cumpridas pelos
cidadãos", disse Carlos Moisés.
Florianópolis, por exemplo, cidade que tem a maior
quantidade de casos no estado, 369, optou por adiar a retomada por uma semana,
impondo também regras sanitárias aos comerciantes. Não é permitido entrar nos
estabelecimentos sem máscaras e supermercados precisam medir a temperatura dos
clientes na porta, entre outras restrições.
Em Blumenau, que assim como a maioria das cidades
catarinenses, permitiu que as lojas reabrissem a partir da data estabelecida
pelo estado, o número de casos de Covid- 19 triplicou desde então: eram 68
pacientes infectados, quantidade que já chegou a 241, conforme última
atualização divulgada pelo governo catarinense.
Flexibilização e
regras em vigor
O decreto que impôs a quarentena foi prorrogado ao menos
cinco vezes e, desde que entrou em vigor, estão proibidas aulas, eventos em
geral e transporte coletivo. Inicialmente, o governo permitiu somente os
setores considerados essenciais, como farmácias, mercados, distribuidoras de
água e gás, e postos de combustíveis, por exemplo.
Porém, aos poucos, foi flexibilizando algumas normas,
autorizando a construção civil, profissionais liberais, comércio de rua,
restaurantes e hotéis, shoppings, academias, cultos e missas e a volta das
atividades físicas em espaços ao ar livre, como praias, parques e praças. Nesse
ínterim, também se tornou obrigatório o uso de máscaras por parte da população
para ir a qualquer estabelecimento.
Apesar das liberações, o estado ainda recomenda que seja
seguido o isolamento social, e que as pessoas só saiam de casa se necessário.
Leitos e testagem
Para o combate da pandemia, o governo criou o Centro de
Operações de Emergência em Saúde (COES) e tenta, desde então, preparar a
estrutura pública para pacientes com a doença. Conforme o estado, foram criados
343 novos leitos de UTI em hospitais públicos e filantrópicos desde o início da
pandemia, 40% a mais da capacidade hospitalar anterior.
Até terça (5), o estado tinha 15,7% de taxa de ocupação dos
leitos de UTI reservados para Covid-19 pelo Sistema Único de Saúde. No total,
há outros 420 disponíveis.
Desde o início da pandemia, o estado recebeu 20 do total de
2 mil leitos de UTI prometidos pelo Ministério da Saúde para enfrentamento à
Covid-19 em todo o país.
Em relação aos testes, a Secretaria de Estado da Saúde disse
que são submetidos os pacientes que procuram as unidades de saúde com
determinados sintomas e que são realizadas testagens rápidas em profissionais
de saúde e da segurança. O Laboratório Central de Saúde Pública de Santa
Catarina (Lacen) tem atualmente a capacidade de processar cerca de 700 testes
RT PCR em tempo real por dia, acrescentou – G1.
Carlos Magno
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