O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal
(STF), arquivou nesta segunda-feira (1°) o pedido de partidos para que fossem
apreendidos celulares do presidente Jair Bolsonaro e do filho, o vereador
Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
O procurador-geral da República, Augusto Aras, já havia se
manifestado no STF contra a apreensão dos aparelhos. Aras entendeu que, como a
investigação é competência do MPF, não cabe intervenção de terceiros no
processo, como no caso de partidos e parlamentares.
Na decisão, o decano do STF fez questão de reafirmar a
posição da Corte “neste singular momento em que o Brasil enfrenta gravíssimos
desafios”.
“Torna-se essencial reafirmar, desde logo, neste singular
momento em que o Brasil enfrenta gravíssimos desafios, que o Supremo Tribunal Federal,
atento à sua alta responsabilidade institucional, não transigirá nem renunciará
ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os
valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao
primado da Constituição, ao império das leis e à superioridade
político-jurídica das ideias que informam e que animam o espírito da
República”, disse Celso de Mello.
Pedido e reação do
governo
Os pedidos tinham sido feitos pelo PDT, PSB e PV e também
eram direcionados ao ex-ministro Sérgio Moro; ao ex-diretor-geral da PF,
Maurício Valeixo; e à deputada Carla Zambelli. A intenção era realizar novas
diligências como desdobramentos da investigação sobre a suposta interferência
do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal (PF).
O ministro do STF tinha enviado os pedidos dos partidos à
Procuradoria-Geral da República no último dia 22. A medida, que é praxe e está
nas regras internas da Corte, provocou reação do ministro-chefe do Gabinete de
Segurança Institucional, general Augusto Heleno.
Em nota, Heleno afirmou que uma eventual decisão favorável à
apreensão dos celular do presidente poderia ter “consequências imprevisíveis”
para a estabilidade nacional. A nota provocou reação de entidades da sociedade
civil, parlamentares e juristas.
Nesta segunda, o ministro lembrou que a PGR se posicionou de
forma contrária às medidas propostas pelos partidos. Como cabe ao MP solicitar
investigações para, posteriormente, oferecer uma acusação formal na Justiça,
sem a intenção dos procuradores em prosseguir nas diligências, cabe à Justiça
arquivar o pedido.
“Fica evidente, assim, que o Poder Judiciário não dispõe de
competência para ordenar, para induzir ou, até mesmo, para estimular o
oferecimento de acusações penais pelo Ministério Público, pois tais
providências, como as que se buscam nestes autos, importariam não só em clara
ofensa a uma das mais expressivas funções institucionais do Ministério Público,
a quem se conferiu, em sede de “persecutio criminis”, o monopólio
constitucional do poder de acusar, sempre que se tratar de ilícitos
perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública, mas, também, em
vulneração explícita ao princípio acusatório”, concluiu o ministro.
A decisão
Na decisão, o ministro Celso de Mello mencionou que notícias
divulgadas no dia em que encaminhou o pedido à PGR tratavam da possibilidade de
o presidente não cumprir uma eventual decisão judicial que ordenasse a entrega
do aparelho.
“Notícias divulgadas pelos meios de comunicação social
revelaram que o Presidente da República ter-se-ia manifestado no sentido de não
cumprir e de não se submeter a eventual ordem desta Corte Suprema que
determinasse a apreensão cautelar do seu aparelho celular, muito embora sequer
houvesse, naquele momento, qualquer decisão nesse sentido, mas simples despacho
de encaminhamento dos autos da Pet 8.813/DF, de que sou Relator, ao eminente
Senhor Procurador-Geral da República, que ostenta a condição de “dominus
litis’”.
Mello afirmou que a “ameaça de desrespeito” a uma eventual
decisão judicial seria “inadmissível”. “Tal insólita ameaça de desrespeito a
eventual ordem judicial emanada de autoridade judiciária competente, de todo
inadmissível na perspectiva do princípio constitucional da separação de
poderes, se efetivamente cumprida, configuraria gravíssimo comportamento
transgressor, por parte do Presidente da República, da autoridade e da
supremacia da Constituição Federal”.
O ministro assegurou que cabe ao STF garantir, neste
momento, a intangibilidade da Constituição. “Esta Suprema Corte possui a exata
percepção do presente momento histórico que vivemos e tem consciência plena de
que lhe cabe preservar a intangibilidade da Constituição que nos governa a
todos, sendo o garante de sua integridade, de seus princípios e dos valores
nela consagrados, impedindo, desse modo, em defesa de sua supremacia, que
gestos, atitudes ou comportamentos, não importando de onde emanem ou provenham,
culminem por deformar a autoridade e degradar o alto significado de que se
reveste a Lei Fundamental da República”, ressaltou.
O ministro afirmou que o Poder Judiciário, quando atua na
execução de suas atribuições, não fere a separação de Poderes. Ele salientou
ainda que nenhum dos Poderes da República pode “submeter a Constituição a seus
próprios desígnios”. “Torna-se vital ao processo democrático reconhecer que
nenhum dos Poderes da República pode submeter a Constituição a seus próprios
desígnios, eis que a relação de qualquer dos Três Poderes com a Constituição há
de ser, necessariamente, uma relação de incondicional respeito ao texto da Lei
Fundamental, sob pena de inaceitável subversão da autoridade e do alto
significado do Estado Democrático de Direito ferido em sua essência pela
prática autoritária do poder”.
O decano disse ainda que, na democracia, não há espaço para
voluntário e arbitrário desrespeito a decisões judiciais. “No Estado
Democrático de direito, por isso mesmo, não há espaço para o voluntário e
arbitrário desrespeito ao cumprimento das decisões judiciais, pois a recusa de
aceitar o comando emergente dos atos sentenciais, sem justa razão, fere o
próprio núcleo conformador e legitimador da separação de poderes, que traduz
postulado essencial inerente à organização do Estado no plano de nosso sistema
constitucional, dogma fundamental esse que alguns insistem em ignorar”.
Celso de Mello lembrou ainda que é tão grave o
descumprimento de decisões judiciais que a atitude caracteriza crime de
responsabilidade. “É tão grave a inexecução de decisão judicial por qualquer
dos Poderes da República (ou por qualquer cidadão) que, tratando-se do Chefe de
Estado, essa conduta presidencial configura crime de responsabilidade, segundo
prescreve o art. 85, inciso VII, de nossa Carta Política, que define, como tal,
o ato do Chefe do Poder Executivo da União que atentar contra ‘o cumprimento
das leis e das decisões judiciais’”.
O ministro lembrou casos em que presidentes descumpriram
decisões judiciais, nos primeiros anos da República. “E tal rememoração se faz
necessária para que jamais se repitam comportamentos inconstitucionais de
anteriores Presidentes da República, que ousaram descumprir decisões emanadas desta
Corte Suprema”, argumentou – G1.
Carlos Magno
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