O governo federal veiculou mais de dois milhões de anúncios
em canais com “conteúdos inadequados”. Entre os meios estão sites, aplicativos
de celular e canais no Youtube que veiculam, por exemplo, informações falsas,
material pornográfico, e difundem jogos de azar e investimentos ilegais.
O levantamento foi feito por consultores legistavos da
Câmara dos Deputados a pedido da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI)
das Fake News.
O G1 questionou a Secom sobre as informações citadas no
relatório e aguarda uma resposta.
De acordo com o relatório, foi solicitado à Secretaria
Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), por meio do
Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), dados dos
canais que exibiram anúncios do governo federal no período de 1º de janeiro a
10 de novembro do ano passado.
Apesar do pedido, a Secom só apresentou parte dos dados. Os
consultores só receberam informações referentes a 38 dias, de 6 de junho a 13
de julho de 2019. Os anúncios mapeados foram contratados pelo governo por meio
do programa Google Adsense.
Mesmo assim, os consultores afirmam que, “ainda que
abrangendo período relativamente curto, os dados fornecidos pela Secom permitem
construir um rico panorama acerca das impressões de peças publicitárias do
governo federal em canais de internet”.
De acordo com o documento encaminhado pela secretaria, no
período, 65.533 canais de internet receberam mais de 47 milhões de anúncios do
Governo Federal. Esses canais foram divididos em três tipo:
- 4.018 sites;
- 13.704 aplicativos para celular;
- 47.811 canais do YouTube.
Fake News
“Nesta análise, foi possível comprovar a existência de
inserção de publicidade em sites de notícias falsas, incluindo diversos que já
vêm sendo monitorados pela CPMI”, diz o relatório.
Entre os canais que recebeu anúncios da Secom está o canal
no Youtube “Terça Livre”, do blogueiro Allan dos Santos, alvo da operação da
Polícia Federal deflagrada na semana passada no âmbito do “inquérito das fake
news”.
“Em oitiva realizada pela CPMI das Fake News em 05 de
novembro de 2019, o Sr. Allan dos Santos afirmou que seus veículos de
comunicação, incluindo o canal de YouTube Terça Livre TV, ‘não recebem dinheiro
da Secom’. Contudo, os dados disponibilizados pela Secretaria demonstram que o
canal Terça Livre TV recebeu verbas de publicidade do Governo Federal, por meio
do programa Google Adsense”, diz o relatório.
Conteúdo inapropriado
Os consultores afirmam que, na amostra disponibilizada pela
Secom, foi possível observar que “um grande número de canais que veicularam
publicidade do Governo Federal é composto por meios de baixa qualidade, que se
dedicam a difundir notícias sobre jogos de azar ilegais, a desrespeitar os
direitos de autor ou de transmissão, a veicular notícias falsas, a anunciar investimentos
ilegais ou a difundir conteúdo pornográfico, entre outros.”
O levantamento identificou que 4,37% dos anúncios
(2.065.479) foram veiculados em canais com conteúdo classificado como
inadequado.
Entre os sites de informações falsas nos quais o governo
veiculou anúncios, por exemplo, está um com conteúdos sobre “múmias alienígenas
escondidas em pirâmides do Egito, colisores de átomos que abrem portais para o
inferno e baleias encontradas em fazendas a centenas de quilômetros do
litoral”. Esse site recebeu mais de 66 mil anúncios.
Os consultores destacam haver também anúncios pagos do
governo em “canais dedicados a promover a imagem do Presidente da República”.
“A veiculação de anúncios, pela Secom, em canais desse tipo
pode gerar questionamento com base no § 1º do art. 37 da Constituição, pois
abre a possibilidade de se interpretar tal fato como utilização da publicidade
oficial para promoção pessoal, conduta vedada pela Carta Magna”, diz o
relatório.
Segundo o levantamento, receberam anúncios canais com as
seguintes categorias de conteúdo inadequado:
- conteúdo sexual (27 anúncios);
- ofertas de investimentos ilegais (4.092 anúncios);
- promoção pessoal de autoridades (5.222 anúncios);
- titular de cargo eletivo (26.953 anúncios);
- canais removidos do YouTube por descumprimento de
diretrizes (240.407 anúncios);
- desrespeito a direitos de autor ou de transmissão (477.495
anúncios);
- notícias falsas (653.378 anúncios);
- jogos de azar ilegais (657.905 anúncios).
Falha no público-alvo
Segundo informou a Secom, do total de anúncios veiculados,
mais de 41 mil foram de campanhas pela aprovação da reforma da previdência. No
relatório encaminhado à CPI, os consultores afirmam que houve uma falha intensa
quanto ao público-alvo atingido pelos anúncios sobre as mudanças nas
aposentadorias.
“Essa falha fica mais evidente na divulgação por meio do
YouTube, pois parte considerável das impressões terminou sendo veiculada em
canais de conteúdo majoritariamente destinado ao público infanto-juvenil,
redundando em desperdício de recursos públicos”, diz o relatório.
Dos 20 canais de YouTube que mais veicularam anúncios da
campanha da “Nova Previdência”, 14 são primordialmente destinados ao público
infanto-juvenil e concentraram quase um quinto dos anúncios sobre as
aposentadorias.
Um dos canais, citam os consultores, “não apenas é destinado
ao público infantil como também tem 100% do seu conteúdo em russo – mas, ainda
assim, veiculou 101.532 impressões da campanha publicitária da Nova
Previdência”.
Desperdício de
dinheiro público
Na conclusão do relatório, os consultores afirmam que o uso
do programa Google Adsense pela Secom gerou váriás “incorreções na condução da
política de publicidade oficial da Presidência da República”. Entre elas:
- descontrole do alvo das ações publicitárias levando ao
desperdício de recursos públicos;
- emprego do dinheiro da publicidade oficial em canais com
conteúdo inadequado;
- graves problemas de falta de transparência na condução da
política de comunicação do Governo Federal.
Os consultores citam também que, ao contrário de outras
formas de publicidade, no modelo utilizado pela Secom, “há pouco controle sobre
os reais fornecedores do espaço publicitário”.
Segundo o relartório, no sistema usado pela secretaria,
todos os anúncios são identificados apenas com a rubrica “Google Adsense’, sem
identificação dos veículos anunciantes”.
“Além disso, é muito difícil ou mesmo impossível identificar
os proprietários da maior parte dos canais que recebem anúncios do Governo
Federal por meio do Google Adsense, algo que põe em risco a avaliação do
cumprimento dos requisitos legais necessários para que uma entidade se habilite
como fornecedor de um produto ou um serviço ao Poder Público”, destaca o
relatório – G1.
Carlos Magno
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