A Polícia Federal informou ao ministro Celso de Mello, do
Supremo Tribunal Federal, que necessita ouvir o presidente Jair Bolsonaro no
inquérito sobre a suposta tentativa de interferência do presidente na autonomia
da instituição. De acordo o que a PF informou ao ministro, as investigações
estão avançadas.
O ofício enviado a Celso de Mello, relator do caso no STF, é
assinado pela delegada Christiane Correa Machado e foi recepcionado pelo
gabinete do ministro na última sexta-feira.
"Informo a Vossa Excelência que as investigações se
encontram e estágio avançado, razão pela qual nos próximos dias torna-se
necessária a oitiva do Senhor Jair Bolsonaro, Presidente da República",
diz o texto do ofício.
Embora outros ministros já tenham autorizado depoimentos por
escrito, o entendimento que o ministro Celso de Mello já manifestou em outras
ocasiões é que, independente do cargo que ocupe, investigados devem depor
pessoalmente.
No último dia 29, a delegada Christiane Correa pediu ao
ministro Celso de Mello a prorrogação do inquérito por mais 30 dias. No dia 8,
o ministro autorizou. O procurador-geral da República, Augusto Aras, concordou
com o pedido da PF.
A investigação foi autorizada pelo STF em 27 de abril, três
dias após o então ministro da Justiça, Sergio Moro, ter anunciado a demissão do
cargo. Na ocasião, Moro disse que Bolsonaro interferiu na PF ao demitir o então
diretor-geral da instituição, Maurício Valeixo. Bolsonaro nega a acusação.
Horas antes da reunião ministerial do dia 22 de abril, Bolsonaro escreveu:
“Moro, o Valeixo sai nessa semana. Isto está decidido. Você pode dizer apenas a
forma. A pedido ou ex ofício".
Entre as medidas consideradas "pendentes" na
investigação na ocasião, a Polícia Federal já previa a necessidade de ouvir o
próprio presidente Jair Bolsonaro no inquérito.
Os investigadores pediram mais prazo porque queriam
aprofundar as investigações na superintendência da PF no Rio de Janeiro, diante
de suspeitas de ingerência de Bolsonaro nas direções regionais da corporação.
Os agentes queriam analisar inquéritos que envolvem a família do presidente.
No vídeo da reunião de 22 de abril, divulgado por decisão do
ministro Celso de Mello, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que tentou
"trocar gente da segurança" no Rio de Janeiro.
"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de
Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder
a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar
alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai
trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele?
Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira".
O senador Flávio Bolsonaro (PR-RJ), filho do presidente, foi
alvo de uma investigação eleitoral, já relatada pela PF, sobre suposto
enriquecimento ilícito. O senador não chegou a ser indiciado e o caso foi
remetido à Justiça Eleitoral. O Ministério Público Eleitoral decidiu manter a
investigação.
Os investigadores ainda esperavam informações sobre a troca
na segurança pessoal do presidente e de seus familiares. O Jornal Nacional
mostrou que um mês antes da reunião ministerial em que o presidente reclamou
que não consegue trocar ninguém, o chefe do departamento de segurança foi
substituído pelo segundo na hierarquia. E o responsável pelo escritório do Rio
também havia sido trocado.
O primeiro a ser ouvido no inquérito foi o ex-ministro
Sergio Moro, em 2 de maio. No depoimento, o ex-ministro citou como prova da
interferência do presidente a reunião ministerial de 22 de abril, no Palácio do
Planalto. O conteúdo da reunião se tornou público em 22 de maio. Na sequência,
a PF ainda tomou mais de dez depoimentos, entre ministros, delegados e
ex-aliados do presidente.
Segundo Moro, Bolsonaro se referia à Superintendência da
Polícia Federal no Rio de Janeiro. O presidente, por sua vez, disse que se
referia à segurança pessoal dele, cuja responsabilidade é do Gabinete de
Segurança Institucional.
Superintendência do
Rio
Dados oficiais da Polícia Federal vão de encontro aos
argumentos apresentados pelo presidente Jair Bolsonaro para realizar mudanças
na instituição.
As informações foram enviadas aos investigadores pelo
Diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF e incluídas no
inquérito no Supremo Tribunal Federal que investiga a possível interferência
política pelo presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal.
Em agosto do ano passado, ao afirmar que trocaria o comando
da superintendência do órgão no estado, o presidente disse que o faria por
"questão de produtividade".
Questionado quanto ao fato do Ministério da Justiça ter
anunciado um nome diferente do que ele havia informado, o presidente reagiu em
entrevista.
"Quem manda sou eu, deixar bem claro. Eu dou liberdade
para os ministros todos, mas quem manda sou eu. Pelo o que está pré-acertado,
seria o lá de Manaus. Quando vão nomear alguém, falam comigo. Ué, eu tenho
poder de veto. Ou vou ser um presidente banana, agora? Cada um faz o que bem
entende, e tudo bem?", afirmou.
As informações enviadas pela Polícia Federal mostram que, em
julho de 2019, um mês antes da declaração do presidente, a superintendência do
Rio de Janeiro tinha o seu melhor desempenho operacional em pelo menos 30
meses.
O indicador utilizado para isso é o Índice de Produtividade
Operacional (IPO), medido a partir das "atividades de polícia judiciária
desenvolvidas nas 27 superintendências regionais da Polícia Federal",
explica o documento.
O indicador incorpora dados de atividades operacionais e
investigativas no combate ao crime organizado, contra a ordem econômica e o
sistema financeiro, tráfico de drogas e armas e lavagem de dinheiro, entre
outros. A fórmula é calculada levando em conta a relação entre resultados e
recursos: quanto melhores os resultados com menos recursos, melhor.
"Os dados utilizados no cálculo são extraídos
mensalmente de sistemas informatizados institucionais utilizados na coordenação
e controle das atividades operacionais, representando, assim, uma 'fotografia'
momentânea do panorama operacional na data de extração dos respectivos
dados", explica a PF no documento incluído no inquérito.
Ao longo do ano de 2017, a Superintendência do Rio de
Janeiro sempre ficou entre as últimas do país no ranking do IPO - a melhor
posição foi o 21º lugar entre as 27 superintendências regionais, em janeiro
daquele ano - ao fim, o Rio amargava a 24ª posição.
Em 2018, a situação melhorou, mas não muito – 8ª posição em
maio. Em nenhum mês a superintendência ficou acima da 14ª posição, e chegou a
ser pior regional em fevereiro. Terminou o ano em 17º.
Em 2019, entretanto, a situação mudou já no começo do ano,
com a regional ocupando a 12ª posição em fevereiro. Caiu para a 17ª em março,
subiu para 11ª em abril, caiu para 15ª em junho mas chegou ao melhor resultado
desde 2017 em julho, na 4ª posição.
Em agosto, quando o presidente afirmou que seria necessário
trocar o comando da superintendência por uma questão de produtividade, o Rio de
Janeiro tinha a 6ª superintendência mais produtiva do país.
Após a crise causada pela possibilidade de troca, no
entanto, o desempenho começou a piorar – foi apenas a 7ª em setembro, a 18ª em
outubro, 19ª em novembro e terminou o ano como a 23ª superintendência regional
em produtividade – G1.
Carlos Magno
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