“Não é arrependimento. Hoje posso reconhecer minha alteração
de voz e meu tom foi mal interpretado. Se a gente se arrepende de alguma coisa
é de ter saído de casa.”
A afirmação é de Nívea Valle Del Maestro que, em entrevista
ao G1 nesta quinta-feira (9), comentou sobre discussão com um fiscal da
Prefeitura do Rio durante uma fiscalização no fim de semana após a reabertura
de bares na cidade.
Imagens dela e do marido, Leonardo Santos Neves de Barros,
viralizaram após a exibição da reportagem do Fantástico do último domingo (5).
No momento da inspeção, Nívea questiona o fato de Leonardo
ter sido chamado de "cidadão" pelo superintendente de Inovação,
Pesquisa e Educação em Vigilância Sanitária, Fiscalização e Controle de
Zoonoses da prefeitura, Flávio Graça.
"Cidadão não, engenheiro civil, formado, melhor do que você",
disse, em frase que provocou repercussão nas redes sociais e na vida do casal.
“Ele [o fiscal] respondia: ‘Cidadão, vai lá na prefeitura
para ver o procedimento’. Aquilo dava a entender que ele não tinha obrigação de
responder. Então, esse ‘cidadão’ se tornou algo pejorativo, não era um
substantivo. Senti aquilo de uma forma agressiva. Naquele momento, eu interferi
e disse que ela um engenheiro civil formado. Quando disse “melhor do que você”,
quis dizer que ele sabe o que fazer aqui e fiscal, não. Ele não dava provas
técnicas do que estava fazendo. O que eu quis naquele momento foi, de forma
alguma, humilhar aquela pessoa. Eu nem conheço aquela pessoa. Ali, eu estava
nervosa, queria defender meu marido”, contou Nívea.
Segundo ela, a frase ficou fora do contexto e não houve
intenção de desacato.
“Minha frase ficou descontextualizada. Sei que tenho tom de
voz alta, tenho sangue italiano, e às vezes se torna agressivo no calor da
emoção. Mas em momento algum eu desacatei ou quis diminuir o rapaz”, disse
Nívea, que acabou demitida após o episódio.
“Continuamos achando que temos o direito de questionar os
servidores públicos, qualquer atendente ou pessoa. Não é afrontar - é
questionar tudo aquilo que possa ser considerado arbitrário. Isso nós não
podemos perder. Do contrário, as pessoas vão ficar com medo de agir. Nunca vou
me arrepender de questionar. Talvez eu possa reconhecer que houve um excesso
que, descontextualizado, ficou ainda pior. Dentro do contexto, nem acredito que
tenha acontecido tanto excesso assim. Mas realmente, eu quando olho aquela cena
fico com raiva daquela mulher. Não é possível que uma pessoa, do nada, aja
daquela maneira. Mas não foi do nada. Existe um contexto, existe uma história.
Existem atos antes e depois”.
Leonardo diz que não houve desrespeito às normas da
prefeitura, que estabelecem, entre os protocolos de segurança, um
distanciamento mínimo de 2 metros entre as pessoas.
“É um bar que sempre frequentamos. Ficamos algumas horas lá,
bebendo e conversando. Notei que começou a se formar uma fila. Foi quando
também vi que a Vigilância Sanitária a e Guarda Municipal chegaram e disseram
que tínhamos que sair. Queria entender por que não podíamos mais ficar no bar,
uma vez que eu estava respeitando todo o espaçamento - usei o celular porque
não sabia o que poderia acontecer. É o momento em que fui de encontro ao Flávio
Graça”, contou.
E completou:
“Questionei por que deveríamos sair dali. Queria saber como
ele sabia que ali havia duzentas pessoas. Eu só queria permanecer no bar. Quero
ter o direito de chegar ao ente público e questioná-lo”.
Nívea diz ainda que o episódio trouxe sequelas. Ela perdeu o
emprego e disse que os dois vêm sofrendo ameaças, no que classifica de
"linchamento virtual".
Com medo e desempregados, os dois também devem se mudar, já
que não têm mais como pagar o aluguel.
'Querem que a gente
morra?'
“Nós já estamos sendo condenados sem direito de defesa.
Nossa vida acabou. Perdemos nossos empregos e estamos sendo achincalhados.
Estou recebendo ameaças por telefone e todos os nossos dados pessoais foram
parar na internet. Os efeitos que isso causou na gente são desproporcionais. Há
um linchamento virtual, todas as mensagens que recebo no celular de pessoas me
agredindo. A coisa chegou a um nível no qual, além de perdermos nossos
empregos, querem que não trabalhemos nunca mais. O que querem mais? Querem que
a gente morra?”, questiona.
Leonardo teme ainda que as ameaças cheguem ao seu filho.
“Tenho filho que fez aniversário e fiquei com medo de sair
na rua para poder abraçá-lo. Já descobriram até o endereço da mãe dela. Todos
os nossos dados foram vazados. Precisei sair de todas as redes sociais”.
Desde o episódio, o casal diz que não consegue mais dormir e
que o caso tomou uma desproporção.
"Estamos pedindo a amigos médicos que nos prescrevam
calmantes para podermos dormir. Por mais que a gente tenha cometido um erro, o
que está acontecendo com a gente é desproporcional. Uma coisa é receber uma
crítica - outra é essa condenação que estamos recebendo. A gente perdeu tudo, a
gente perdeu tudo", lamenta Nívea.
Leonardo afirma que o posicionamento político que defendia
nas redes sociais contribuiu para aumentar o número de agressões que recebeu no
ambiente virtual.
“Nós vivemos em uma democracia, que se faz com base na
política. Qualquer pessoa escolhe seu posicionamento político - e eu escolhi e
defendo o meu. Usaram isso contra mim, mas é preciso deixar claro que aquela
discussão que aconteceu no bar era técnica, não política”.
Sobre o auxílio-emergencial de R$ 600, Leonardo diz que se
inscreveu para receber o benefício, mas cancelou o pedido depois de conseguir
um emprego.
"Eu fiquei desempregado durante alguns meses. Resolvi
me inscrever no auxílio da pandemia para ter alguma renda para pagar a pensão
do meu filho, que é de um relacionamento anterior. Assim que voltei a
trabalhar, cancelei a inscrição", afirmou.
Demissão após o
episódio
Nívea é engenheira química formada pela Uerj, mas nunca
exerceu o ofício. “Minha carreira seguiu outro caminho, passei a trabalhar com
gestão”.
Na Taesa, de onde foi demitida, ela trabalhava como
especialista em planejamento e controle em um projeto de construção de linhas
de transmissão e subestações, cuidando de planejamento e prazos.
“Não tem nada a ver com minha formação em engenharia química
e está totalmente alinhado com meu MBA em Gestão de Projetos. Pelo meu trabalho
ter tomado outro rumo, nunca precisei me registrar no Conselho Regional de
Química. Sou engenheira química de formação, mas nunca exerci”, contou.
Já Leonardo é engenheiro civil e trabalhava com
gerenciamento de risco, mas também acabou demitido. Além disso, ele é
proprietário de uma empresa.
“Abri a firma em 2017. Como nunca desempenhamos serviços de
engenharia, mas apenas de consultoria e análise de contratos, nunca houve a
necessidade de registrarmos a empresa no Crea”.
Fiscais aplicaram 132
multas no fim de semana
No primeiro fim de semana da reabertura, 5 bares foram
fechados e 132 multas foram aplicadas. As penalidades foram por por falta de
higiene, funcionamento irregular e aglomeração.
Entre as regras determinadas pela Prefeitura do Rio estão as
seguintes medidas:
- Funcionamento com metade da capacidade;
- Mesas separadas a 2 m de distância umas das outras
- Dar preferência à área aberta
- Horário de funcionamento somente até as 23h
- O self-service e a música ao vivo continuam proibidos.
Com informações do portal G1.
Carlos Magno
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