A campanha do presidente Jair Bolsonaro a favor da
cloroquina ajudou a empurrar os negócios de cinco empresas autorizadas pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a produzir o medicamento no
País. Eles não informam quanto o faturamento aumentou, mas dados do Sindicato
da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) mostram que o consumo de
cloroquina pelos brasileiros cresceu 358% durante a pandemia. A alta acompanha
o crescimento nas vendas de máscaras e álcool em gel, cujo uso é recomendado no
mundo todo. A cloroquina, ao contrário, coleciona mais críticas do que apoio na
comunidade científica.
Recomendada para tratar malária, artrite e lúpus, ela passou
a ser utilizada por pacientes com coronavírus após relatos de resultados
positivos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma, contudo, que a
substância é ineficaz no tratamento da covid-19.
O laboratório Aspen, do empresário Renato Spallicci,
triplicou em abril a produção de Reuquinol, à base da substância, aproveitando
a onda criada por Bolsonaro. Em 26 de março, a caixinha do produto apareceu no
mundo todo ao ser exibida pelo presidente num encontro virtual com líderes do
G-20. Militante bolsonarista, daqueles que gostam de compartilhar na internet o
que o presidente faz, Spallicci aproveitou as redes para divulgar as imagens do
presidente exibindo seu remédio.
Na quinta-feira, 9, já com diagnóstico positivo da covid-19,
Bolsonaro voltou a exibir uma caixinha de hidroxicloroquina durante sua live
semanal, assistida por 1,6 milhão de pessoas. “Por volta das 17h (de
terça-feira) tomei um comprimido de cloroquina. Recomendo que você faça a mesma
coisa. Sempre orientado pelo médico. É um testemunho meu: tomei e deu certo,
estou muito bem”, afirmou o presidente. “No meu caso deu certo. Não estou
ganhando nada com isso. Não tenho nenhum negócio com essa empresa”, justificou.
Desta vez, o remédio exibido era a versão genérica do
medicamento, produzida pela EMS. A empresa faz parte do grupo controlado por
Carlos Sanchez, também dono do laboratório Germed, outro autorizado a vender a
cloroquina no País. O empresário está na lista da revista Forbes como o 16.º
homem mais rico do Brasil e uma fortuna avaliada em U$ 2,5 bilhões.
Sanchez participou de duas reuniões com Bolsonaro desde o
início da pandemia. O último encontro, virtual, ocorreu em 14 de maio. Antes,
em 20 de março, Bolsonaro já havia se reunido com o dono da EMS e outros
empresários, também por videoconferência, para discutir a pandemia do
coronavírus. O encontro ocorreu no mesmo período em que o presidente passou a
amplificar a divulgação da hidroxicloroquina em declarações e nos canais oficiais.
Outro fabricante de cloroquina, o empresário Ogari de Castro
Pacheco viu o laboratório Cristália, do qual é cofundador, ser prestigiado
pessoalmente pelo presidente no ano passado. Filiado ao DEM, Pacheco é
segundo-suplente do líder do governo no Senado, Eduardo Gomes (MDB-TO), e
eleitor de Bolsonaro.
Na ocasião, a convite de Pacheco, o presidente participou da
inauguração de uma das plantas do laboratório, em 6 de agosto. Durante a
cerimônia, Bolsonaro parabenizou o empresário pela “coragem de erguer” o
empreendimento.
Pacheco cita, em declaração no site da empresa, o fato de a
pandemia ter levado a um “crescimento sem precedente de venda de medicamentos”.
Segundo o senador Eduardo Gomes, o empresário está internado com covid-19 e fez
uso do medicamento que vende.
Trump é acionista de
laboratório que produz cloroquina
O único laboratório estrangeiro autorizado a vender
cloroquina no País é o francês Sanofi-Aventis, que tem o presidente dos EUA,
Donald Trump, como acionista. A exemplo de Bolsonaro, Trump é entusiasta do
medicamento. Em abril, o jornal The New York Times publicou reportagem na qual
questiona se a defesa do presidente americano da cloroquina estaria relacionada
à saúde ou aos seus negócios.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente,
compartilhou uma foto de uma caixa de cloroquina da marca Plaquinol, da empresa
da qual Trump é acionista, no Twitter, em 10 de abril. A imagem vinha
acompanhada de uma notícia de que o grupo iria doar medicamento para infectados
com a covid-19.
Além do contato com os empresários, o governo acelerou a
produção da hidroxicloroquina no laboratório do Exército. Segundo o Ministério
da Defesa, até o fim de junho, 1 milhão de comprimidos da substância tinham
sido distribuídos e havia um estoque de mais 1,85 milhão de unidades. A
produção foi suspensa até que todos sejam enviados a hospitais e postos de
saúde públicos.
Empresários dizem que
relação é 'institucional'
Procurados pela reportagem, os empresários autorizados a
produzir cloroquina no País afirmaram manter contato institucional com o
governo.
Carlos Sanchez, da EMS, disse por meio de sua assessoria que
a empresa tem mais de 55 anos de história, “já passou por muitos governos e
busca sempre estabelecer diálogo com todos eles”. “A empresa é a favor do
Brasil, independentemente de partidos políticos. Como a maioria dos
brasileiros, quer um país mais próspero e mais justo, com oportunidades para
todos. A empresa tem feito a sua parte, gerando empregos, investindo em
pesquisa e em aumento de capacidade fabril, ampliando o acesso a medicamentos e
promovendo saúde à população”, disse a EMS.
Segundo a empresa, os encontros com o presidente Jair
Bolsonaro foram promovidos pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp),
para discutir “questões econômicas e o novo cenário brasileiro diante da
pandemia de coronavírus”.
A Apsen disse não apoiar ou financiar partido político e que
o presidente da empresa, Renato Spallicci, não mantém relações pessoais com
Bolsonaro. “A atuação da Apsen se dá no âmbito do governo federal, com o
Ministério da Saúde, Ministério das Relações Exteriores e Anvisa. Esse contato
atende todas as regras do setor e o cumprimento das leis do País”, diz nota
enviada pela empresa.
Já a francesa Sanofi disse que tem como prioridade a
segurança e o atendimento aos pacientes atualmente tratados sob as indicações
aprovadas de “nosso medicamento Plaquinol (hidroxicloroquina): doenças
reumatológicas e dermatológicas crônicas, além de malária e lúpus”.
“Continuamos totalmente comprometidos em garantir o fornecimento de
hidroxicloroquina para essas indicações, com base em nossa demanda histórica”,
disse a empresa, que não cita o uso da substância para combater o coronavírus.
A empresa confirmou ao Estadão que Trump é acionista, mas não informa qual o
porcentual que ele tem da empresa.
A assessoria do laboratório Cristália informou que o dono da
empresa, Ogari Pacheco, está hospitalizado e que não poderia responder aos
questionamentos da reportagem – Estadão.
Carlos Magno
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