O ministro Vital do Rêgo, do TCU (Tribunal de Contas da
União), determinou nesta sexta-feira (10) que o governo Jair Bolsonaro cesse imediatamente
a destinação de recursos de publicidade para sites e canais que promovem
atividades ilegais ou cujo conteúdo não tenha relação com o público-alvo de
suas campanhas.
A decisão, de caráter cautelar (preventivo), foi tomada após
a Folha revelar em maio que a verba oficial da propaganda da reforma da
Previdência irrigou sites e canais na internet de jogo do bicho, em russo e
infantis.
As informações constam de planilhas da antiga Secom
(Secretaria de Comunicação da Presidência da República), agora abrigada no
recriado Ministério das Comunicações.
O órgão, então comandado pelo secretário Fabio Wajngarten,
contratou agências de publicidade que compram espaços por meio do GoogleAdsense
para veicular anúncios em páginas de internet, canais do YouTube e aplicativos
para celular.
Por esse sistema, o anunciante escolhe que público quer
atingir, em que tipos veículos não quer que sua campanha apareça e quais
palavras-chave devem ser vetadas.
Então, o Google distribui a propaganda para quem cumpre os
critérios estabelecidos pelo cliente.
O montante pago pelo governo é dividido entre o Google e o
site ou canal que recebeu a propaganda.
Segundo as planilhas da Secom, dos 20 canais de YouTube que
mais veicularam impressões (anúncios) da campanha da Nova Previdência no
período reportado (6 de junho a 13 de julho de 2019 e 11 a 21 de agosto de
2019), 14 são primordialmente destinados ao público infantojuvenil, como o
Turma da Mônica e o Planeta Gêmeas.
Um dos mais contemplados com publicidade foi o Get Movies,
voltado para crianças e 100% em russo — ao todo, foram 101.532 anúncios.
Outra publicação que recebeu volume considerável de
propaganda (319.082 inserções) foi o resultadosdobichotemporeal.com.br. O jogo
é ilegal no Brasil.
Após a revelação da Folha, o subprocurador-geral Lucas Rocha
Furtado, que atua perante o TCU, apresentou uma representação cobrando
providências na corte, entre elas a apuração de possíveis prejuízos ao erário.
Além de proibir novos gastos, Vital determinou que a pasta
se explique em 15 dias sobre as despesas.
Também ordenou que a pasta — sob o comando do deputado Fábio
Faria (PSD-RN) desde sua recriação, no mês passado — investigue os fatos e, no
mesmo prazo, apresente ao tribunal “evidências robustas que afastem a
ocorrência dos indícios de irregularidade”.
Na hipótese contrária, terá de instaurar uma tomada de
contas especial, tipo de processo que busca quantificar danos ao erário e
identificar seus responsáveis.
O TCU diz que a apuração do ministério não poderá se ater à campanha
da Previdência, mas contemplar as demais lançadas pela Secom.
O tribunal requereu todas as planilhas de compra de espaços
publicitários no GoogleAdsense ou qualquer outro sistema similar e também vai
analisar os dados.
Vital do Rego argumentou que caracteriza “flagrante
desperdício de recursos públicos” a veiculação de propaganda em canais “de
público-alvo completamente alheio ao que se pretende comunicar”.
“O caso em relevo — divulgar matérias afetas a regime
jurídico-administrativo a crianças, sejam elas brasileiras ou de qualquer outra
Nacionalidade — equivale a vender areia no deserto, gelo nos polos ou água nos
oceanos”, comparou Vital.
“No mesmo sentido, é inconcebível que, em um país carente
como o Brasil, os escassos recursos públicos, parte dos quais destinados a
campanhas informativas do governo federal, estejam a irrigar mídias que
patrocinam atividades ilegais – ou delas se aproveitam –, como é o caso do site
que divulga resultados do chamado jogo do bicho”, acrescentou.
A Folha também mostrou em maio que a Secom bancou anúncios
em sites de fake news, que propagam desinformação ou que promovem a imagem
pessoal do presidente Jair Bolsonaro.
Vital determinou que o ministério seja ouvido, também em 15
dias, sobre essas inserções publicitárias e que apresente “informações sobre
medidas concretas, planejadas ou já implementadas, no sentido de combater as
ocorrências narradas, informando também eventuais resultados já alcançados”.
Em nota, a Secom afirmou que tão logo as solicitações do ministro
Vital do Rêgo chegarem serão adotadas as medidas determinadas e fornecidas as
informações cabíveis.
O órgão falou que jamais fez qualquer direcionamento de
recursos de campanhas publicitárias oficiais do governo para sites, blogs,
plataformas, canais, para públicos-alvo estranhos ou que pratiquem atividades
ilegais.
"A veiculação de uma campanha, com a utilização das
plataformas digitais de distribuição de conteúdos publicitários, é realizada
por uma ferramenta, a exemplo do Google Ads, e ocorre a partir de uma definição
da agência de publicidade", diz. "Portanto, não há por parte da Secom
a possibilidade de 'direcionamento' para este ou aquele site."
"A Secom não interfere na seleção do Google Ads,
realizada por algoritmos, e nunca investiu recursos públicos com base em
preferências pessoais ou políticas", afirma.
O TCU conduz uma série de investigações sobre as despesas de
publicidade do governo.
Uma auditoria, também relatada por Vital, apura possível
direcionamento político na destinação de verbas publicitária para TVs abertas,
especialmente Record e SBT, cujos respectivos donos — Edir Macedo e Silvio
Santos — dão manifestações públicas de apoio a Bolsonaro.
Escolhido para chefiar o Ministério das Comunicações, Faria
é genro de Silvio.
Outro processo, sobre possível conflito de interesses, foi
aberto após a Folha noticiar, em reportagens publicadas entre janeiro e
fevereiro, que Fabio Wajngarten é sócio majoritário, com 95% das cotas, de uma
empresa que recebe dinheiro de agências de publicidade e emissoras contratadas
pela própria Secom e outros órgãos do governo.
Na gestão dele à frente da Secom, as clientes, entre elas a
Record, passaram a receber maiores percentuais dos recursos de publicidade. A
Globo, líder em audiência e tida por Bolsonaro como adversária, passou a ter
fatia menor que a das concorrentes.
Nos dois casos, as apurações do TCU estão em curso.
A Polícia Federal também toca inquérito para averiguar se
houve crime na atuação de Wajngarten, que nega conflito de interesse ou qualquer
ilegalidade em sua atuação.
Leia abaixo íntegra da nota da Secretaria Especial de
Comunicação do Ministério das Comunicações:
A Secretaria Especial de Comunicação do Ministério das
Comunicações não recebeu o ofício do ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de
Contas da União, solicitando informações e determinando providências para esta
Secom. Tão logo as solicitações do ministro Vital do Rêgo cheguem à Secom serão
adotadas as medidas determinadas e fornecidas as informações cabíveis.
Mas, em resposta ao questionamento jornalístico apresentado
pela Folha de S. Paulo, nos pontos relacionados pela reportagem, a Secom
esclarece:
1. A Secretaria Especial de Comunicação jamais fez qualquer
direcionamento de recursos de campanhas publicitárias oficiais do governo para
sites, blogs, plataformas, canais, para públicos-alvo estranhos ou que
pratiquem atividades ilegais.
2. As reportagens da Folha de S. Paulo, que teriam
demonstrado que a Secom investiu recursos publicitários da campanha da Nova
Previdência em “sites infantis” e “jogo de bicho”, é uma narrativa que não
corresponde à realidade dos fatos.
3. Como é do conhecimento do meio publicitário, a veiculação
de uma campanha, com a utilização das plataformas digitais de distribuição de
conteúdos publicitários, é realizada por uma ferramenta, a exemplo do Google
Ads, e ocorre a partir de uma definição da agência de publicidade, com objetivo
de alcançar determinado público-alvo.
4. Portanto, não há por parte da Secom a possibilidade de
“direcionamento” para este ou aquele site/blog que tenha este ou aquele perfil
político/ideológico. A Secom não interfere na seleção do Google Ads, realizada
por algoritmos, e nunca investiu recursos públicos com base em preferências
pessoais ou políticas.
5. Esse sistema automático do algoritmo do Google Ads já fez
com que a própria Folha de S. Paulo tivesse um anúncio de uma de suas coleções
veiculado num site acusado de ser um dos maiores produtores de fake news nas
eleições de 2018. Sem que isso fosse uma opção comercial do jornal, mas uma
opção do algoritmo do Google Ads.
6. Não ocorreram irregularidades e nem prejuízos ao erário
público porque, no formato de compras na plataforma digital, exige-se a
interação com o usuário. Ou seja, só é pago aquilo que efetivamente corresponda
a uma ação do usuário, se por exemplo ele clica o anúncio ou ver a íntegra de
um vídeo.
7. Há de se observar que o trabalho nessas ferramentas
digitais é contínuo e monitorado rigidamente pela agência de publicidade, que
faz os ajustes necessários atendendo às boas práticas do mercado.
8. Por fim, a Secretaria Especial de Comunicação do
Ministério das Comunicações reitera que o investimento publicitário deste
governo segue rigorosamente o critério da impessoalidade. Jamais foram
aplicados recursos públicos em qualquer meio em função de alinhamentos
políticos ou para promover qualquer autoridade pública do Governo – Folha de S.
Paulo.
Carlos Magno
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