O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou nesta
quarta-feira, 23, que estudo feito em 50 mil pessoas na China indica segurança
da Coronavac, o imunizante contra a covid-19 desenvolvido em parceria pelo
laboratório Sinovac com o Instituto Butantã. Segundo o governo de São Paulo,
94,7% dos voluntários não apresentaram qualquer efeito adverso – índice que se
a equipararia a outras vacinas já amplamente usadas no Brasil, como a da gripe.
O resultado divulgado é referente à aplicação emergencial de
67.260 doses da Coronavac em um total de 50.027 pessoas, que foi autorizada
pelo governo chinês para alguns grupos, como pacientes de risco e funcionários
da Sinovac. Por sua vez, o estudo clínico – que é realizado em diferentes
países ainda com alta transmissão, incluindo o Brasil – está em fase 3, ainda
em andamento. Só esta última pesquisa é que vai atestar ou não a eficácia da
vacina.
Mesmo sem resultados clínicos conclusivos, a gestão Doria
tem expectativa de conseguir iniciar a vacinação ainda na segunda quinzena de
dezembro. Segundo o governo, São Paulo deve receber 60 milhões de doses até
fevereiro.
De acordo com dados apresentados pela gestão, apenas 5,3%
das pessoas que receberam emergencialmente a vacina na China apresentaram
sintomas adversos – a maioria, no entanto, sem gravidade. Entre os efeitos
colaterais, o mais comuns foram dor no local de aplicação (3,08%), fadiga
(1,53%) e febre (0,21%).
Destes, só quatro voluntários teriam apresentado quadros
considerados mais graves. No grupo, teriam sido relatados sete efeitos
colaterais, ao todo, que incluem falta de apetite, dor de cabeça e febre acima
de 38,5ºC.
“Esses resultados comprovam que a Coronavac tem excelente
perfil de segurança e confirma a manifestação feita pela Organização Mundial de
Saúde (OMS), que a indicou como uma das oito vacinas mais promissoras do
mundo”, afirmou Doria. “A vacina da gripe, por exemplo, apresenta efeitos
adversos pouco nocivos em não mais do que 10% da totalidade das pessoas.”
Estudo clínico
Na apresentação, Doria chegou a afirmar que a Coronavac
também teria demonstrado eficácia em 98% dos casos. O índice, na verdade, diz
respeito à soroconversão calculada – ou seja, quantas pessoas teriam
apresentado resposta imunológica ao coronavírus, mas ainda sem a garantia de
que, de fato, a presença de anticorpos protege contra a infecção.
Presidente do Instituto Butantã, Dimas Covas disse que ainda
é cedo para falar da eficiência. “O estudo de fase 3 está em andamento e os
resultados são de conhecimento de quem controla o estudo, um organismo
internacional”, afirmou. “Ainda não temos dados disponíveis sobre a eficácia. A
partir do dia 15 de outubro, podemos ter os resultados de eficácia que
permitirão o registro da vacina na Anvisa.”
No Brasil, os testes em voluntários de saúde começaram no
dia 21 de julho. Segundo o governo, mais de 5,6 mil dos 9 mil médicos e
paramédicos já teriam recebido a Coronavac, sem nenhum registro de reação
adversa até o momento. A previsão é que todas as doses para a pesquisa sejam
aplicadas até o próximo mês.
Após a administração das vacinas, os pacientes ainda são
monitorados por um ano. Essa fase é importante para saber se há diferença de
resultado entre o grupo em que o imunizante foi aplicado e o que recebeu
placebo – para só então concluir sobre a eficácia.
Diretor da Sinovac na América do Sul, Xing Han demonstrou
otimismo em obter bons resultados. “Estamos confiantes com a Coronavac tanto
para segurança quanto para eficiência. Os testes estão sendo bem feitos e daqui
a um ou dois meses já saem os resultados da fase 3, com curto prazo para
registro na Anvisa”, disse.
Ainda segundo o representante da farmacêutica, a empresa vai
trabalhar “dia e noite” para entregar 60 milhões de doses a São Paulo até
fevereiro de 2020.
Segundo Doria, o primeiro lote com 5 milhões de doses da
Coronavac, produzidas na China, chegará a São Paulo ainda em outubro. Pelo
cronograma do Estado, o Instituto Butantã deve produzir mais 40 milhões de
doses até 21 de dezembro, com expectativa de outras 55 milhões até maio de
2021.
“Como governador, também torço para que outras vacinas se
mostrem eficientes”, disse. “Não estamos em uma corrida por vacina, mas pela
vida. Quanto mais vacinas aprovadas e chanceladas pela Anvisa, mais brasileiros
serão salvos mais rapidamente.”
Na ocasião, o governador voltou a afirmar que espera começar
a vacinação ainda neste ano. “Deveremos, por óbvio, aguardar a finalização
dessa terceira e última fase de testagem e a aprovação da Anvisa, mas já em
dezembro, na segunda quinzena, poderemos iniciar a imunização de acordo com
critérios da Secretaria de Saúde e dos protocolos do Ministério da Saúde.”
Especialistas têm apontado que, além da comprovação da
eficácia e da segurança da vacina, a imunização em massa também terá desafios
logísticos, como estratégias de produção, distribuição e aplicação do produto.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já disse não prever imunização em massa
antes de 2022.
“O único dado que conseguimos extrair do estudo clínico é
que aparentemente, a vacina é segura. O que não significa que ela protege. Isso
veremos com o tempo, observando se as pessoas que foram vacinadas têm covid-19
ou não e indiretamente se elas produzirão anticorpos”, explica Alexandre Naime,
chefe da Infectologia da Unesp e consultor da Sociedade Brasileira de
Infectologia
O próximo passo, de acordo com Rômulo Leão Silva Neris,
virologista da UFRJ, seria avaliar a combinação das duas grandezas. “As pessoas
precisarão ser monitoradas, pois a produção de anticorpos não indica
necessariamente uma proteção imediata. É um fato importante, mas não o único.
Há vacinas que precisamos tomar duas vezes na vida, e outras em períodos
regulares pois a resposta (da imunização) é longa mas não permanente.
Infelizmente, dada a necessidade de uma vacina contra covid-19, não
conseguiremos esperar para determinar se a resposta dura muito tempo ou não”,
completa.
Corrida das vacinas
O acordo firmado com a Sinovac permite a transferência de
tecnologia ao Butantã, que poderá também produzir a vacina. No fim de agosto, o
governo paulista também pediu pelo menos R$ 1,9 bilhão do Ministério da Saúde
para ampliar a previsão de entrega da vacina Coronavac no próximo ano, de 60
milhões para 120 milhões de doses. Doria disse nesta quarta-feira que o governo
federal prometeu liberar o primeiro lote de R$ 80 milhões para apoiar o
processo de produção.
Já o governo federal assinou acordo com a farmacêutica
AstraZeneca, que desenvolve com a Universidade de Oxford (Reino Unido), um
imunizante que também está na fase 3 dos ensaios clínicos, com humanos. Esse
contrato também prevê transferência de tecnologia, para a fabricação de doses
no Brasil.
Por sua vez, os governos de Paraná e Bahia fecharam parceria
com a Rússia para testar a vacina Sputnik 5, também em fase final de testes.
Ainda segundo infectologistas, ter mais de um imunizante contra a doença pode
ser necessário para garantir proteção mais ampla da população.
Nesta semana, a Sinovac anunciou e que vai iniciar o teste
da vacina também na Turquia. De acordo com nota da empresa, em um primeiro
momento, 1,3 mil profissionais de saúde entre 18 e 59 anos serão voluntários no
país, nesta etapa considerada em que é testada a eficácia do imunizante. Em um
segundo momento, 12 mil pessoas da população em geral receberão uma dose da vacina
ou um placebo, no intervalo de duas semanas.
Imunizante está no
centro da disputa política
Para cientistas políticos ouvidos pelo Estadão, Doria deve
colher benefícios eleitorais caso a vacinação se inicie na segunda quinzena de
dezembro, como é a expectativa do governo. "Ele provavelmente vai trazer à
tona cada uma das declarações do presidente de desprezo pela pandemia, muitas
vezes em posturas anti-científicas. Se isso se concretizar vai ter uma força
enorme para o Doria, que nunca escondeu desde que foi eleito como prefeito de
São Paulo o desejo à presidência", afirma o sociólogo, cientista político
e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando.
Ele afirma que, no caso de uma disputa presidencial entre
Doria e Bolsonaro, deve ocorrer uma "guerra de números", em que serão
levantados o número de mortos e sobreviventes, o quanto foi investido no
combate ao coronavírus e até quanto foi gasto de auxílio emergencial. "A
grande questão é como cada uma das narrativas vai ganhar corações e mentes do
brasileiro".
O cientista político Cláudio Couto, professor da FGV-SP,
afirma que Doria pode mostrar que começou a resolver o problema antes dos
outros. "Isso tem um efeito econômico, porque se conseguir vacinar permite
voltar as atividades econômicas. Qualquer ganho que ele tiver vai beneficiá-lo
para voos futuros", afirma – Estadão.
Carlos Magno
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