Manaus vive uma crise sem precedentes com o avanço dos casos
de Covid-19. Com internações batendo recordes, unidades de saúde ficaram sem
oxigênio. O estado está sendo obrigado a enviar pacientes para outros estados.
Os cemitérios também estão lotados, tiveram o horário de funcionamento ampliado
e instalaram câmaras frigoríficas. Para frear o vírus, o governo decidiu
proibir a circulação de pessoas entre 19h e 6h em Manaus.
A média móvel de mortes cresceu 183% no Amazonas nos últimos
7 dias. Até esta quarta-feira (13), mais de 219 mil pessoas haviam sido
infectadas pela Covid em todo o estado, e mais de 5,8 mil morreram com a
doença.
O número de internações pela doença em Manaus chegou a
2.221, de 1º a 12 de janeiro. O índice máximo anterior havia sido registrado em
abril do ano passado, com 2.128 pacientes internados. O ministro da Saúde,
Eduardo Pazuello, visitou o Amazonas nesta semana e afirmou que Manaus é
"prioridade nacional neste momento".
Na terça-feira, a Fiocruz divulgou que uma nova variante do
coronavírus que causa a Covid-19 foi encontrada no Amazonas. Trata-se da mesma
variante que chegou ao Japão após viajantes passarem pelo estado.
Falta de oxigênio
O G1 presenciou médicos e acompanhantes transportando
cilindros nos próprios carros para levar aos hospitais. A técnica de enfermagem
aposentada Solange Batista disse que precisou comprar oxigênio para a irmã, que
está internada no Hospital Universitário Getúlio Vargas, em Manaus.
A médica residente Gabriela Oliveira, do Hospital
Universitário Getúlio Vargas (HUGV), disse que a situação está caótica. Os
profissionais da saúde falam em cenário de guerra.
"O que eu vivi hoje, nem nos meus piores pesadelos eu
pensei que poderia acontecer. Não ter como assistir paciente, não ter palavras
para acalentar um familiar. Isso é uma coisa que vai ficar uma cicatriz eterna
nos nossos corações", contou.
Uma das razões para o colapso do sistema de saúde é o
consumo de oxigênio por pacientes de leitos clínicos, segundo o Coronel Franco
Duarte, representante do Ministério da Saúde. "Aquele paciente que não
está no leito de UTI é o que consome mais, porque ele fica ao lado do regulador
de oxigênio. A sensação é de falta de ar, e você abrindo o acesso ao oxigênio,
você tem a sensação de bem-estar, mas, em contrapartida, aumenta muito essa
demanda", disse Duarte.
O Secretário da Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo,
afirmou nesta quinta-feira (14) que o estado passa por uma crise no
abastecimento de oxigênio. Campêlo disse que o Ministério da Saúde, o governo
do Amazonas e as Forças Armadas estão trabalhando no apoio logístico para a
entrega de oxigênio para a rede estadual de saúde, com o transporte do gás de
outros estados para o Amazonas.
"Tivemos um pico de fornecimento e aumento da demanda
acima do esperado. Fomos comunicados ontem [quarta-feira] à noite do colapso do
plano logístico em relação a algumas entregas, o que causará a interrupção da
programação por algumas horas", afirmou Campêlo, referindo-se ao
recebimento do oxigênio.
Segundo ele, a alta demanda surpreendeu um dos maiores
conglomerados de gás do mundo, a empresa White Martins.
O secretário diz que há leitos abertos prontos para serem
utilizados no Hospital Universitário Getúlio Vargas, no Nilton Lins e em outras
unidades, mas não foram ativados por conta da falta de oxigênio.
Segundo governador Wilson Lima, o estado entrou com uma ação
na Justiça para que a empresa fornecedora de oxigênio garanta o abastecimento
nas unidades de saúde em quantidade suficiente para atender a todos.
Transferência de
pacientes
Com o colapso do sistema de saúde, pacientes estão sendo
levados a outros estados para receber atendimento médico. São eles: Goiás,
Piauí, Maranhão, Brasília, Paraíba e Rio Grande do Norte. O governo diz ter
feito um estudo para que as transferências não sobrecarregassem a rede
assistencial desses outros locais.
Segundo o governo, 235 pacientes já haviam sido transferidos
até a tarde desta quinta.
O Coronel Franco Duarte, representante do Ministério da
Saúde, afirmou que são transportados pacientes com estado de saúde considerado
em fase moderada da doença. "São pacientes que ainda continuam dependentes
do oxigênio, mas eles têm toda a segurança plena para serem aerotransportados",
disse.
Um dos primeiros estados a receber pacientes do Amazonas foi
o Piauí. Na manhã desta quinta, 30 pacientes de Manaus com Covid-19 foram
encaminhados para Teresina.
Toque de recolher
O governador Wilson Lima anunciou, nesta quinta-feira (14),
um decreto que proíbe a circulação de pessoas em Manaus entre 19h e 6h. Todas
as atividades, exceto serviços essenciais para a vida, também estarão proibidos
de abrir. A medida deve valer a partir da publicação do decreto, prevista ainda
para esta quinta. Entre as medidas, estão:
- suspensão do transporte coletivo de passageiros entre
rodovias e rios do estado
- fechamento de todas as atividades e circulação de pessoas
entre 19h e 6h; só pode sair de casa quem trabalha em áreas estratégicas:
saúde, segurança pública, imprensa
- funcionamento de farmácias entre 19h e 6h, por delivery ou
sob demanda
Restrições já adotadas
No final do ano passado, comerciantes e empresários fizeram
protesto após o governo decretar limitações na circulação: o aumento de casos
de Covid já era esperado após as festas de Natal e Ano Novo. No dia seguinte à
manifestação, o decreto foi suspenso. Por determinação da Justiça, as
restrições foram publicadas.
Desde o dia 2 de janeiro deste ano, atividades do comércio
não essencial estão proibidas, com previsão de interdições e multas diárias de
até R$ 50 mil. Além do comércio geral fechado, restaurantes só podem funcionar
para delivery e estão proibidas festas e reuniões. As medidas valem por 15
dias, mas podem ser prorrogadas.
Nesta terça (12), o governo do Amazonas proibiu o
funcionamento de academias e o transporte intermunicipal de passageiros.
Cemitérios lotados
Manaus registrou 198 enterros nesta quarta e bateu recorde
de sepultamentos diários pelo quarto dia consecutivo. Desse total, 87 enterros
tiveram a causa declarada como Covid-19. Com aumento da demanda, a Prefeitura
de Manaus ampliou horário do funcionamento dos cemitérios até as 18h.
Além disso, foram instaladas duas câmaras frigoríficas no
cemitério público Nossa Senhora Aparecida, conhecido como Cemitério do Tarumã.
O objetivo é manter conservados os corpos de vítimas que morrerem nos horários
em que os cemitérios estão fechados.
As câmaras têm capacidade para armazenar até 60 caixões e
começarão a ser utilizadas a partir desta quinta-feira.
A última vez que Manaus teve tantos enterros, de causas em
geral, foi em 26 de abril, com 140 registros (com dados apenas de espaços
públicos). Na época, o estado enfrentava a primeira onda da doença, e sofreu
colapsos no sistema público de saúde e funerário.
Prova do Enem
Nesta noite de quarta, a Justiça Federal do Amazonas
suspendeu a realização da prova no estado, por conta do surto de Covid. A
decisão liminar foi concedida pelo juiz federal José Ricardo de Sales. As
provas devem ficar suspensas enquanto durar o estado de calamidade pública
decretado pelo poder executivo estadual, sob pena de multa de R$ 100 mil por
dia de descumprimento, até o limite de 30 dias.
O presidente do Inep afirmou no começo da tarde desta quinta
ao G1 que não há como "assegurar que vamos fazer aplicações em cidades que
vão pedir reaplicação".
Nova variante e fechamento de divisa com PA
A variante encontrada no Amazonas tem uma série de mutações
que ainda não tinham sido encontradas. Ela pode ter evoluído de uma linhagem
viral que circula no estado desde abril do ano passado, e "ser
representante de um vírus potencialmente de uma linhagem emergente no
Brasil", explicou a Fiocruz Amazônia. A variante envolve mutações na
proteína Spike, que faz a interação inicial com a célula humana.
Essa nova variante carrega mutações que já foram associadas
à maior transmissão, mas ainda não é possível afirmar se ela é mais
transmissível ou não.
Nesta quarta-feira (13), o governador do Pará, Helder
Barbalho (MBD), anunciou que a proibição da circulação de embarcações vindas do
estado do Amazonas. Não há estradas ligando os dois estados. Segundo o
governador, a medida é preventiva, para evitar o avanço da Covid-19. Em caso de
descumprimento, as empresas estão sujeitas a multa de R$ 10 mil por barco, além
da apreensão da embarcação.
Nesta quinta-feira, o G1 visitou o porto e encontrou apenas
alguns passageiros que compraram passagens adiantadas e não puderam embarcar –
G1.
Carlos Magno
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