O ex-juiz federal Sergio Moro manteve contato com
procuradores da força-tarefa da Lava Jato mesmo quando já havia deixado o
magistério e ocupava o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública do
governo de Jair Bolsonaro.
É o que mostram mensagens atribuídas a um no grupo do
Telegram chamado “Filhos de Januário”, formados por integrantes da Lava Jato,
obtidas por hackers e apreendidas pela operação Spoofing, que apura a invasão
de celulares de autoridades e a prática de crimes cibernéticos. O conteúdo foi
divulgado pela CNN Brasil, que teve acesso aos documentos.
O STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou que a defesa do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha acesso aos diálogos. Os advogados
do petista argumentam que Moro deve ser declarado suspeito para julgá-lo e,
como consequência, defendem que a condenação do petista seja anulada.
Mensagem de 20 de janeiro de 2019 mostra que Moro comunicou
a Deltan Dallagnol, então coordenador da força-tarefa em Curitiba, que
participaria do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Pediu uma lista de países
com os quais o Brasil não tinha acordo de cooperação internacional para
investigações.
As mensagens estão transcritas exatamente como foram
redigidas no grupo do Telegram.
“Estarei em Davos na
semana, pode me dizer sucintamente com quais países ainda temos dificuldade com
cooperação, Hong Kong por exemplo forneceu aquelas provas?” Você descobre e me
passa por favor?”, escreveu Moro.
No dia seguinte, Dallagnol enviou a relação:
“1) Bahamas – extrema
dificuldade 2) Espanha – A citação do Tacla ainda não ocorreu (estamos há mais
de 2 anos tentando) 3) Hong Kong realmente finge que não entende nossas Coopins
e fica perguntando um milhão de vezes a mesma coisa pra não cumprir 4) Grécia:
sem resposta desde 2017 5) Reino Unido: dificulta muito por causa das questões
do common law, mas foram prestativos no pedido FTLJ 152 (caso dos gregos), p.
ex. 6) Ilhas Virgens Britânicas: dificuldade no cumprimento do pedido FTLJ
125/2017, sob justificativa de ausência de nexo causal entre as informações
solicitadas e o crime investigado. Ocorre que a prova do nexo causal só pode
ser produzida com a remessa da documentação bancária. Portanto eles exigem
prova impossível para cumprir os pedidos.”
Em nota, Moro afirmou que não reconhece a autenticidade das
mensagens. Mas, se forem verdadeiras, “teriam sido obtidas por meios
criminosos, por hackers, de celulares de Procuradores da República, sendo,
portanto, de se lamentar a sua utilização para qualquer propósito, ignorando a
origem ilícita”.
Os procuradores da Lava Jato disseram que “os procedimentos
e atos da força-tarefa da Lava Jato sempre seguiram a lei e estiveram embasados
em fatos e provas”.
Segundo eles, “as supostas mensagens são fruto de atividade
criminosa e não tiveram sua autenticidade aferida, sendo passível de edições e
adulterações. Reafirmam os procuradores que não reconhecem as supostas
mensagens, que foram editadas ou deturpadas para fazer falsas acusações que não
têm base na realidade”.
Eis a íntegra da nota de Sergio Moro:
“Sobre supostas
mensagens eletrônicas divulgadas por decisão do Ministro Ricardo Lewandoswki,
do STF:
I – As referidas
mensagens, se verdadeiras, teriam sido obtidas por meios criminosos, por
hackers, de celulares de Procuradores da República, sendo, portanto, de se
lamentar a sua utilização para qualquer propósito, ignorando a origem ilícita;
II – Não reconheço a
autenticidade das referidas mensagens, pois como já afirmei anteriormente não
guardo mensagens de anos atrás;
III – Todos os
processos julgados na Lava Jato foram decididos com correção e imparcialidade,
tendo havido inclusive indeferimentos de vários pedidos da PF e do MPF e
diversas absolvições (21% dos acusados foram absolvidos), com a grande maioria
das condenações, inclusive do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mantidas
pelas Cortes de Apelação e Tribunais Superiores;
IV – Nenhuma das
supostas mensagens retrata fraude processual, incriminação indevida de algum
inocente, antecipação de julgamento, qualquer ato ilegal ou reprovável ou mesmo
conluio para incriminar alguém ou para qualquer finalidade ilegal;
V – Interações entre juízes, procuradores e
advogados são comuns em nossa praxe jurídica, não havendo nada de ilícito, por
exemplo, em perguntar sobre conteúdo de denúncia, na solicitação para
manifestação com urgência em processos, inclusive para decidir sobre pedidos de
liberdade provisória, ou no encaminhamento de notícia de crime ao MPF;
VI – O Ministro Edson
Fachin, Relator da Lava Jato no STF, já submeteu ao Plenário a questão da
admissão ou não das mensagens obtidas por meios criminosos nos processos (HC
174.398).
Curitiba, 01 de
fevereiro de 2021.
Sergio Fernando Moro”
Eis a nota dos procuradores da operação Lava Jato no Paraná:
“1. Primeiro, é importante reafirmar que os
procedimentos e atos da força-tarefa da Lava Jato sempre seguiram a lei e
estiveram embasados em fatos e provas. As supostas mensagens são fruto de
atividade criminosa e não tiveram sua autenticidade aferida, sendo passível de
edições e adulterações. Reafirmam os procuradores que não reconhecem as
supostas mensagens, que foram editadas ou deturpadas para fazer falsas
acusações que não têm base na realidade.
2. Passados quase dois anos da divulgação das
supostas mensagens, jamais se constatou, em qualquer caso concreto, uma
ilegalidade, o que por si só já mostra a deturpação a que foram submetidas.
Toda a atuação oficial dos procuradores se dá nos autos e fica registrada. Cada
informação ou prova apresentada o é com a respectiva cadeia de custódia,
apontando a origem e o caminho que permitiu chegar à prova, desde as suspeitas
iniciais, passando pelas decisões judiciais quando cabíveis, até a obtenção e
apresentação à Justiça. Se as alegações de ilegalidades fossem verdadeiras,
seriam facilmente constatáveis nos autos.
3. No caso específico, ainda que os diálogos
tivessem ocorrido da forma como apresentados – embora não se reconheça o seu
conteúdo, seja pelo tempo, seja pela ordem em que apresentadas, seja pelo
conteúdo -, sua adequada compreensão não revelaria qualquer ilegalidade. Pelo
contrário, mostraria dedicação das autoridades para uma eficiente cooperação
internacional na investigação de crimes.
4. É sabido que o DRCI
(Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) é
um órgão que compõe a estrutura do Ministério da Justiça e tem dentre suas
atribuições buscar o atendimento eficiente de pedidos de cooperação
internacional por autoridades estrangeiras.”- Poder 360.
Carlos Magno
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