O deputado federal e ex-ministro da Cidadania Osmar Terra
(MDB-RS) negou a existência de um “gabinete paralelo” da Saúde, disse ser
defensor da vacina contra o coronavírus e afirmou que nunca sugeriu a
“imunidade de rebanho” como estratégia para enfrentamento da covid-19. Por
outro lado, criticou governadores e prefeitos pelas medidas de isolamento
social e censurou o Supremo Tribunal Federal (STF), que — segundo ele —
“limitou o poder” do presidente Jair Bolsonaro no combate à doença. O
parlamentar fez essas declarações nesta terça-feira (22), durante depoimento à
CPI da Pandemia.
Senadores contestaram as afirmações de Osmar Terra. O
relator da comissão de inquérito, senador Renan Calheiros (MDB-AL), classificou
o deputado como “um dos líderes do negacionismo”. Para o presidente da CPI,
senador Omar Aziz (PSD-AM), o posicionamento político de Osmar Terra ao longo
da pandemia “infectou a ciência”. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE)
disse que o ex-ministro da Cidadania tentou usar o colegiado como “palco para a
desinformação”.
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Osmar Terra classificou a existência de um “gabinete
paralelo” como “falácia”, “absurdo” e “ficção”. Ele confirmou a presença em um
encontro no Palácio do Planalto em que Jair Bolsonaro recebeu médicos
defensores do “tratamento precoce” contra a covid-19 — entre eles, o
virologista Paulo Zanotto e a oncologista Nise Yamaguchi. Terra disse, no
entanto, que aquela foi a única vez que o grupo se reuniu e negou que o
encontro tivesse como objetivo orientar o presidente da República.
— Gosto do presidente, tenho simpatia por ele. Quando, de
vez em quando, ele me pergunta alguma coisa ou eu acho que tenho que falar
alguma coisa, eu falo. Mas são opiniões pessoais. O presidente julga as coisas
do jeito que ele quer. Ele não é teleguiado por ninguém. Eu não tenho poder
sobre o presidente. Não tem cabimento uma coisa dessas. Isso não quer dizer que
tem gabinete paralelo, estruturas paralelas. Isso é uma falácia. É um absurdo,
uma ficção — afirmou.
O ex-ministro da Cidadania disse que sempre foi um defensor
das vacinas. Ele assegurou que só não recomendou a compra de imunizantes pelo
governo brasileiro no início da pandemia porque, na época, eles ainda não
existiam.
— Se existisse vacina desde o início, ninguém estava
discutindo nada. Nem existiria essa comissão. A vacina foi a grande revolução
da saúde na história humana. Agora, em todas as pandemias, nenhuma delas teve
vacina desenvolvida e testada de forma adequada a tempo. Em todas, a vacina
veio depois. Essa é a primeira, e levou um ano para ter vacina — disse.
O senador Renan Calheiros apresentou à CPI vídeos em que o
ex-ministro defende a tese da “imunidade de rebanho”. Em um dos trechos, Osmar
Terra afirma: “Todas as doenças que tiveram mortalidade maior que a covid-19
terminaram com a imunidade de rebanho. Vacina, só depois”. Para o relator da
CPI, a posição do deputado nos vídeos “é um pouco diferente de uma defesa
veemente da eficácia das vacinas”.
— O deputado Osmar Terra é um dos líderes do negacionismo.
Nenhum dos seus prognósticos otimistas se realizou. Ao contrário, atingimos
esta semana mais de meio milhão de brasileiros mortos. O que o levou a fazer
tamanha e irresponsável declaração? — criticou Renan Calheiros.
Questionado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), o
deputado admitiu que errou ao fazer “previsões otimistas” sobre o fim da
pandemia. Em entrevistas e publicações nas redes sociais, Osmar Terra chegou a
afirmar que o surto de coronavírus no Brasil duraria apenas 14 semanas. O
parlamentar disse à CPI que fez as estimativas “baseado nos fatos que havia” em
fevereiro e março de 2020 em países como China, Suécia, Coreia e Japão.
Renan Calheiros perguntou a Osmar Terra quantos brasileiros
ainda precisariam morrer até que o país atinja uma eventual “imunidade de
rebanho”. O depoente não respondeu. Osmar Terra, no entanto, negou que defenda
essa tese como “uma técnica ou uma estratégia de enfrentamento” à covid-19.
Segundo o deputado, trata-se apenas do “resultado final de qualquer epidemia”.
— Não existe nenhuma proposta de deixar a população se
contaminar livremente. Nunca se fez isso. Imunidade de rebanho é uma
consequência, é como terminam todas as pandemias. A vacina é um vírus morto
injetado na pessoa. É um raciocínio lógico: um vírus vivo provoca mais
anticorpos que um vírus morto — disse.
O senador Alessandro Vieira reagiu:
— Para que esta CPI não sirva de palco para a desinformação,
não é possível apontar benefício na infecção natural em relação à vacina. A
vacina é a contaminação em dose segura, o que não é o caso da contaminação
natural. O senhor esteve internado numa UTI. Não dá para comparar com vacina,
pelo amor de Deus — reclamou.
O senador Otto Alencar (PSD-BA) reforçou a crítica à
“imunidade de rebanho”.
— O controle da doença se perdeu pelo que ouvimos aqui. O
senhor [Osmar Terra] falando em imunidade de rebanho por contaminação. Sabe o
que significa isso? Em um país da dimensão do Brasil, só se consegue por
vacinação. Se fosse para conseguir com “imunidade de rebanho”, morrendo de 2,5%
a 3% da população, faça a conta para saber quantos óbitos iríamos ter no Brasil
— disse.
STF e governadores
Osmar Terra defendeu Jair Bolsonaro da acusação de genocídio
e disse que o presidente da República teve a atuação limitada pelo Supremo
Tribunal Federal. Em abril de 2020, o STF garantiu a governadores e prefeitos
autonomia para determinar medidas como isolamento social e fechamento de
comércio, em complemento a ações definidas pelo governo federal.
— O STF impediu e limitou o poder do presidente de
interferir nessas decisões. Essas 500 mil mortes não estão ocorrendo em um
outro país, onde o presidente podia decidir isso. As pessoas ficaram limitadas
pelos governadores — declarou.
O senador Omar Aziz reagiu. Ele classificou a afirmação de
Osmar Terra como uma “mentira”.
— Não tem mentira maior do que dizer que o STF tirou poder
do presidente. É a maior mentira que existe. Tanto não tirou, que o presidente
vai para “motociatas” sem máscara e ninguém faz nada. Se ele não tivesse poder,
ele não faria isso. Se fosse um cidadão comum, ele não faria isso. O presidente
precisa se vacinar para dar exemplo — disse Aziz.
Osmar Terra foi além: em alguns momentos do depoimento, o
deputado pôs em dúvida a eficácia das medidas de isolamento e distanciamento
social. Para ele, o “contágio familiar” contribuiu para elevar o pico de
infecções pelo coronavírus.
— Não tem nenhum impacto fazer lockdown e quarentena. A
aglomeração em ambiente fechado, esse sim é o grande lugar de contágio. Isso
acontece em todas as casas. As pessoas chegam em casa e tiram a máscara. Se
isolamento funcionasse, não morria ninguém em asilo. Trancar todo mundo em casa
por 18 meses até encontrar vacina é uma proposta fora da realidade — disse.
Nesse momento, o presidente da CPI da Pandemia voltou a
intervir. Omar Aziz lembrou que o pico de mortes no Amazonas ocorreu justamente
quando o governador Wilson Lima reviu medidas como o fechamento do comércio.
— Responsabilizo por essas mortes no Amazonas aqueles que
foram contra o lockdown. Podem estar até festejando porque se abriu o comércio.
Mas cada pessoa que foi para a rua, cada pessoa que comemorou no Twitter ou no
Facebook não tem o direito de deitar num travesseiro e dormir tranquilamente.
São cúmplices de assassinato do povo amazonense — afirmou.
Repercussão
O depoimento de Osmar Terra foi marcado por embates entre
parlamentares governistas e da oposição. O senador Humberto Costa (PT-CE) disse
que Osmar Terra “é autor intelectual” dos problemas que o Brasil enfrenta no
combate à pandemia.
— Vossa Excelência influenciou o presidente da República.
Basta a gente olhar as previsões que fez de quando acabaria essa pandemia. A
gente vai vendo que a posição do presidente da República vai acompanhando isso.
Eu não sou relator [da CPI]. Mas, no mínimo, Vossa Excelência é autor
intelectual de boa parte dos problemas que estamos vivendo, porque influenciou
aquele cidadão que está lá no Palácio do Planalto — afirmou.
O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) responsabilizou os
governos estaduais e municipais por falhas no enfrentamento à pandemia. Ele
citou casos de corrupção com recursos federais na compra de respiradores e na
instalação de hospitais de campanha.
— Qual é o custo da corrupção? Não faltou dinheiro do
governo federal para estados e municípios para se enfrentar a pandemia. Mas
sobraram escândalos. É a Polícia Federal quem diz. Estamos tentando rastrear os
bilhões de reais, mas não temos conseguido êxito — disse.
O senador Marcos Rogério (DEM-RO) apresentou à CPI um vídeo
em que o médico Drauzio Varella classifica a covid-19 como “uma gripezinha”. O
material foi produzido em janeiro de 2020, antes do primeiro caso da doença no
Brasil. Segundo o parlamentar, a posição de Varella demonstra que “todos podem
errar”.
— Um homem altamente qualificado e influente não acertou em
todas as suas previsões logo no começo da pandemia. Não é privilegio de uma só
pessoa errar. Aliás, muitos erraram. Para não dizer, todos erramos de certa
forma em relação a essa pandemia. O mundo inteiro errou e continua errando
porque não existem respostas seguras sobre diversas questões. Todos erraram
buscando acertar. Mas erraram — disse.
Em contraposição, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
apresentou um segundo vídeo de Drauzio Varella, gravado em maio de 2020. Na
ocasião, o médico admite ter “remorso por não ter avaliado bem qual seria a
agressividade do vírus”.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) sugeriu que Drauzio Varella
seja convidado "para, por 15 minutos, falar ou mandar um vídeo, para que
nós possamos corrigir esse erro".
— Que nós não mais utilizemos, em nome de uma defesa de
tese, seja ela qual for, inverdades ou informações restritas, pela metade, que
não condizem com a verdade, para defender uma tese e acabar difamando ou
injuriando qualquer cidadão de bem — afirmou ela – Agência Senado.
Carlos Magno
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