As transações milionárias com dinheiro vivo da VTCLog,
empresa que presta serviços de logística para o Ministério da Saúde, foram o
tema central do depoimento desta quarta-feira (1º) na CPI da Pandemia. O
depoente foi Ivanildo Gonçalves da Sivla, motoboy da empresa, que confirmou
saques e pagamentos de boletos em nome da VTCLog. Acompanhado do advogado Alan
Diniz de Ornelas, pago pela empresa, Ivanildo se negou a entregar seu celular à
CPI e não deu nomes nem detalhou suas ações. O motoboy também confirmou idas ao
Ministério da Saúde, onde teria entregue um pen drive, além de
"faturas".
O depoimento de Ivanildo substituiu o de Marcos Tolentino,
acusado de ser sócio oculto da FIB Bank, fiadora da Precisa Medicamentos na
fracassada compra da vacina indiana Covaxin. Tolentino alegou para não depor
internação no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, devido a um
"mal-estar".
Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
A justificativa de Tolentino para não comparecer foi
considerada suspeita pelos membros da CPI. O relator da comissão, senador Renan
Calheiros (MDB-AL), assegurou que o relatório final, previsto para este mês,
não será divulgado enquanto Tolentino não comparecer.
— Quero pedir que a CPI entre em contato com a direção do
hospital e tenha as informações corretas. Coincidentemente, no dia que é
marcado, a pessoa teve um mal-estar. Possível, sim, que seja verdade, mas
possível também que a gente desconfie desse comportamento — anunciou o
presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).
Saques
Em seu depoimento, Ivanildo admitiu ter feito inúmeros
saques e pagamentos de boletos em espécie na boca do caixa, geralmente na
agência da Caixa Econômica Federal do aeroporto de Brasília, chegando numa
ocasião a sacar "um valor de 400 e poucos mil". Ele negou ter
conhecimento da origem e dos destinatários desses valores, que, suspeita-se,
estariam relacionados a desvio de recursos em contratos do Ministério da Saúde.
A CPI levantou saques que totalizam mais de R$ 4,7 milhões nos últimos dois
anos.
Ivanildo disse ainda que ia "constantemente" ao
Ministério da Saúde e que levou, numa ocasião, um pen drive (dispositivo de
armazenamento de dados) ao quarto andar do ministério — onde funcionaria o
Departamento de Logística. Até junho, esse departamento era dirigido por
Roberto Ferreira Dias, acusado de negociar propina na compra de vacinas.
Ivanildo negou conhecer Dias.
Mudança da pauta
O depoimento do motoboy estava inicialmente marcado para a
véspera, mas um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal levara ao
cancelamento da inquirição. Diante da ausência de Marcos Tolentino, porém,
anunciou-se no início da manhã a mudança da pauta, com a remarcação do
comparecimento de Ivanildo.
O início do depoimento foi marcado por um atrito entre o
advogado de Ivanildo, Alan Diniz de Ornelas, e os membros da CPI. Ornelas
interveio quando o relator pediu a seu cliente que emprestasse o celular, para
que a comissão copiasse mensagens relevantes para a investigação. Depois de uma
discussão sobre os limites da assistência do advogado, Ivanildo, que de início
parecia disposto a ceder o celular, acabou recusando o pedido. Diante da recusa,
o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, determinou que
a comissão tomasse providências para a quebra do sigilo do telefone.
Houve novo bate-boca na segunda parte da reunião, quando
Ornelas interveio para impedir perguntas referentes ao período pré-pandemia, o
que, segundo ele, estava vedado pela decisão do STF.
Nas perguntas iniciais do relator, Ivanildo explicou que faz
saques, depósitos e pagamentos de boletos a pedido de Zenaide de Sá Reis,
funcionária da VTCLog. Causou espanto aos membros da CPI o transporte de
valores elevados sem medidas de segurança especiais. Essas idas a bancos,
segundo ele, diminuíram nos últimos meses, o que Omar Aziz atribuiu ao trabalho
da CPI.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) acusou Ivanildo de
omitir informações relevantes, depois que o depoente disse não conhecer Roberto
Dias:
— O senhor está escondendo coisa aqui na CPI, orientado pelo
seu advogado.
O motoboy defendeu, porém, a veracidade de suas declarações.
— A minha vida já não é mais a mesma. Jornalistas, muitas
pessoas na minha cola. Pensei que [comparecer] podia ser o final disso, porque
não está fácil. Mas eu estou aqui com a consciência limpa. Muitos estão dizendo
que eu estou mentindo — disse, explicando a Randolfe Rodrigues por que decidira
depor, mesmo depois do habeas corpus do STF.
Novos investigados
O relator, Renan Calheiros, informou que adicionou novas
pessoas à lista de investigados pela CPI:
- Cristiano Carvalho, que se apresenta como representante de
vendas no Brasil da empresa americana Davati;
- Emanuella Medrades, diretora da Precisa Medicamentos;
- Tenente-coronel Hélcio Bruno de Almeida, que teria
intermediado encontro entre o secretário-executivo do Ministério da Saúde,
coronel Elcio Franco, e negociantes de vacinas;
- Luciano Hang, empresário e acusado de pertencer ao chamado
"gabinete paralelo" que aconselha o presidente Jair Bolsonaro sobre a
pandemia;
- Luiz Paulo Dominghetti Pereira, cabo da Polícia Militar
que negociou a venda de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca dizendo
representar a empresa americana Davati;
- Coronel Marcelo Bento Pires, ex-assessor do Ministério da
Saúde acusado de processar pela compra da vacina indiana Covaxin;
- Regina Célia Silva Oliveira, servidora do Ministério da
Saúde citada como responsável por fiscalizar a importação da Covaxin;
- Onyx Lorenzoni, atual ministro da Cidadania;
- Osmar Terra, deputado federal (MDB-RS), também acusado de
integrar o "gabinete paralelo".
7 de Setembro
As manifestações pró-governo previstas para o feriado de 7
de setembro foram tema de debate no início da reunião. Humberto Costa (PT-PE)
informou à CPI que o prefeito de Cerro Grande do Sul (RS), Gilmar João Alba
(PSL), foi flagrado com R$ 505 mil em espécie no aeroporto de Congonhas, em São
Paulo. Suspeita-se que o dinheiro seria usado para financiar atos
antidemocráticos. Omar Aziz anunciou que a CPI daria conhecimento do fato ao
ministro do STF Alexandre de Moraes – Agência Senado.
Carlos Magno
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