O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner
Rosário, passou de testemunha a investigado pela CPI da Pandemia, ao final de
seu conflituoso depoimento nesta terça-feira (21). A oitiva foi interrompida
depois que o depoente chamou a senadora Simone Tebet (MDB-MS) de
"descontrolada", o que levou vários senadores a saírem em defesa da
colega.
Simone acabara de expor uma cronologia das supostas ações e
omissões da CGU na malograda negociação do Ministério da Saúde com a Precisa
Medicamentos, para a compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin.
Segundo ela, ao contrário de outros contratos relativos à pandemia da covid-19,
a controladoria não agiu preventivamente para barrar irregularidades.
Foto: Roque de Sá/Agência Brasil
A senadora por Mato Grosso do Sul demonstrou que a CGU foi
acionada "tarde demais", contrariando acordo firmado com o Ministério
da Saúde em 2020 para analisar previamente os contratos da pandemia. Ela
ressalvou que os auditores da CGU cumpriram seu dever, emitindo notas técnicas
destrinchando as irregularidades. No dia 28 de junho, por exemplo, uma dessas
notas apontava a tentativa indevida de pagamento antecipado pela Covaxin.
Simone acusou Rosário de ter usado uma dessas notas técnicas apenas para
defender o governo em uma entrevista coletiva.
Ao responder, Wagner Rosário recomendou que a senadora
"lesse tudo de novo", pois só dissera "inverdades". Simone
advertiu que o ministro não poderia dar ordens a uma senadora da República, e
comparou-o a um "menino mimado". Foi então que Rosário usou o termo
"descontrolada", gerando uma celeuma que precipitou o encerramento
dos trabalhos. Ele disse ainda a Otto Alencar (PSD-BA), que o chamara de
"moleque de recados" do presidente Jair Bolsonaro, que não
responderia "em respeito à sua idade".
À saída da reunião, Simone Tebet disse que o ministro
desculpou-se em particular:
— Ele entendeu que se exaltou e vamos dar por encerrado esse
capítulo — disse a senadora.
Senador da base do governo, Marcos Rogério (DEM-RO)
reconheceu que a fala do depoente foi "fora do tom", mas lembrou que
Rosário foi acusado de prevaricação e atacado incessantemente:
— Era essa a situação que os membros da CPI queriam criar:
de constrangimento para o ministro — afirmou.
Wagner Rosário vem sendo criticado pela cúpula da CPI por
suposta omissão no caso Covaxin. No depoimento, ele defendeu sua atuação
pessoal e a da CGU. Na semana passada, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM),
havia afirmado que Rosário prevaricou ao não mandar investigar suspeitas sobre
o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, embora a CGU
dispusesse de evidências colhidas em uma operação contra corrupção no Instituto
Evandro Chagas, de pesquisa biomédica, em Belém.
Rosário refutou a acusação de prevaricação e alegou que a
CGU abriu auditoria específica sobre o contrato da Covaxin, no último dia 22 de
junho. Para os senadores, porém, a providência só foi tomada depois que a CPI
expôs o caso:
— Quando a CGU abre procedimento, já era do conhecimento do
Brasil todo. Eu só quero colocar as datas aqui para deixar claro, sem juízo de
valor. Por enquanto! — explicou Omar Aziz.
Diversos senadores criticaram o tom do depoente, qualificado
de "petulante" por Rogério Carvalho (PT-SE). Wagner Rosário chegou a
ser advertido por Tasso Jereissati (PSDB-CE), no exercício da presidência, para
"baixar a bola".
Por sua vez, senadores que têm defendido as posições do
governo, como Marcos Rogério e Eduardo Girão (Podemos-CE), protestaram contra a
forma como os trabalhos vinham sendo conduzidos, acusando a cúpula da CPI de
comentar notícias fora do escopo da investigação ou interromper as falas do
depoente.
Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no
Senado, criticou o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), quando este traçou
uma analogia entre o depoente e o personagem Fabiano, do romance "Vidas
Secas", de Graciliano Ramos — violento com a família e subserviente com os
poderosos.
Eduardo Girão insinuou que a mesa da CPI estaria retardando
os trabalhos para impedir perguntas dos governistas sobre malversação de
recursos federais repassados a estados e municípios. O senador pelo Ceará
requereu, por conta disso, nova convocação do depoente. Omar Aziz concedeu a
palavra a Girão, que perguntou sobre as investigações da CGU sobre estados e
municípios.
— Sim, houve prejuízo ao erário. O valor total investigado
em todas essas 71 operações foi de R$ 4,2 bilhões, com prejuízo potencial de R$
250 milhões e prejuízo efetivo e já mensurado R$ 56,4 milhões — respondeu o
ministro.
Porém, ao ser perguntado sobre denúncias contra o Consórcio
Nordeste, Wagner Rosário alegou o segredo de Justiça para não entrar em
detalhes da investigação.
Covaxin
Em uma inquirição tensa, que durou mais de quatro horas, o
relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), insistiu na demora da CGU para
investigar o contrato entre o ministério e a Precisa Medicamentos,
representante da empresa indiana Bharat Biotech. Renan perguntou por que o
valor de 15 dólares por dose, bem mais alto que o de outras vacinas, não
levantou suspeita da CGU. Rosário alegou que foi consultado o site da própria
fabricante da Covaxin, a Bharat Biotech, procedimento qualificado como
"ridículo" por Renan.
Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, exibiu
vídeo mostrando que suspeitas sobre a atuação de Roberto Ferreira Dias,
ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, já circulavam na imprensa em
outubro do ano passado. E perguntou a Rosário se na época a CGU tomou
providências.
— A gente não tenha nenhuma informação de necessidade de
afastamento de Roberto Dias. Providências em relação a quê? Uma reportagem do
Diário do Nordeste? — rebateu o ministro da CGU.
Bolsonaro na ONU
Ao longo de todo o dia, o discurso do presidente Jair
Bolsonaro à Assembleia-Geral das Nações Unidas serviu de pano de fundo às
intervenções dos senadores. A reunião começou com uma hora e meia de atraso,
segundo Omar Aziz, para aguardar a fala presidencial em Nova York (EUA). A
pedido do relator Renan Calheiros, foi exibido um trecho do discurso de
Bolsonaro, defendendo o "tratamento precoce" com medicamentos sem
eficácia comprovada e atacando a obrigatoriedade de vacinação.
— Bolsonaro repetiu seu papel de figura rudimentar,
anacrônica, transitória e propagadora de mentiras. O seu discurso foi uma
mentira só do começo ao fim — avaliou Renan.
Também foram criticados o ministro da Saúde, Marcelo
Queiroga, por um gesto obsceno dirigido a manifestantes anti-Bolsonaro em Nova
York, e Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente, que postou vídeo nas redes
sociais interpretado como ameaça à CPI.
Rogério Carvalho pediu que a CPI tomasse medidas contra o
filho do presidente. Omar Aziz minimizou a atitude de Jair Renan como
"tolice de um menino que acha que pode tudo" e qualificou o gesto do
ministro da Saúde como "deprimente" – Agência Senado.
Carlos Magno
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