Após quase seis meses de trabalho, o senador Renan Calheiros
(MDB-AL) apresentou oficialmente, nesta quarta-feira (20), seu relatório à CPI
da Pandemia. Numa reunião que começou tumultuada, o senador leu apenas uma
pequena parte das 1.179 páginas do documento, que agora ficará disponível por uma
semana aos demais integrantes do colegiado.
Renan disse que está disposto a receber sugestões para
"alterar e melhorar" o texto até a votação — que será nominal e
ostensiva — prevista para a próxima terça-feira (26). Na mesma data também
serão apresentados votos em separados de outros parlamentares.
O relator identificou 29 tipos penais e sugeriu o
indiciamento de 66 pessoas, incluindo deputados, empresários, o ex-ministro da
Saúde Eduardo Pazuello e o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga. Foram apontados
ainda crimes cometidos por duas empresas: a Precisa Medicamentos e a VTCLog.
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Renan não poupou o presidente Jair Bolsonaro, que foi
acusado formalmente de ter cometido nove crimes: prevaricação; charlatanismo;
epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas;
emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de
documentos particulares; crime de responsabilidade e crimes contra a
humanidade.
Na véspera da apresentação do texto, foram retiradas as
acusações relativas aos crimes de homicídio qualificado e genocídio contra
indígenas. As propostas não receberam apoio de outros integrantes do comando da
comissão e havia dúvidas quanto à caracterização das condutas.
Três filhos do presidente também constam no relatório: o
senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), todos são alvos de
pedido de indiciamento por incitação ao crime.
— Essa comissão colheu elementos de prova que demonstraram
sobejamente que o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não
técnica e desidiosa no enfrentamento da pandemia, expondo deliberadamente a
população a risco concreto de infecção em massa. Comprovaram-se a existência de
um gabinete paralelo, a intenção de imunizar a população por meio da
contaminação natural, a priorização de um tratamento precoce sem amparo
científico, o desestímulo ao uso de medidas não farmacológicas. Paralelamente,
houve deliberado atraso na aquisição de imunizantes, em evidente descaso com a
vida das pessoas — acusou Renan.
Defesa
Na reunião desta quarta-feira, novamente senadores
governistas alegaram que a CPI focou apenas o governo federal, com o objetivo
de desgastar o presidente Bolsonaro. Eduardo Girão (Podemos-CE), que se declara
independente, disse que a comissão fechou os olhos à atuação de governos
estaduais e prefeituras e virou instrumento de perseguição política. Ele
pretende apresentar um voto à parte.
Antes da leitura do relatório, o líder do governo no Senado,
Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), teve a oportunidade de apresentar uma defesa
do governo federal por pouco mais de 20 minutos.
O senador fez críticas ao trabalho da comissão, que, segundo
ele, agiu de forma política na tentativa de incriminar o presidente da
República; enumerou as medidas adotadas para salvaguardar os serviços públicos
e a população durante a pandemia e lembrou que o Brasil já tem hoje 151 milhões
de pessoas vacinadas com a primeira dose, estando à frente, em termos
percentuais, de países como Estados Unidos, Alemanha, México, Índia, África do
Sul e Rússia.
— Um ato político não pode ensejar a criminalização de um
residente de um país com mais de 200 milhões de habitantes. O direito não pode
ser utilizado como instrumento de política. Ou se faz um relatório final
técnico ou se elabora uma opinião comprometida politicamente. Não há como
mesclar as duas coisas, ou seja, aparência de tecnicidade em um relatório
ideológico. Impõe-se foco técnico e ausência de viés político e atuação dentro
dos limites constitucionais — disse.
Apresentação de
destaques
A reunião foi aberta com a apresentação de questões de ordem
dos senadores sobre a organização dos trabalhos da comissão na leitura e
votação do relatório. Um dos pontos debatidos foi o direito ao pedido de
destaques, para votação em separado, conforme reivindicado pelo senador Marcos
Rogério (DEM-RO).
O presidente Omar Aziz (PSD-AM) alegou não haver norma
regimental e nem precedente em outras CPIs sobre o assunto e que não seria
cabível pedido de destaque. O posicionamento recebeu o apoio de oposicionistas.
— Não se trata de uma proposição legislativa. É uma
investigação e, por isso, não cabe destaque. Não se tem como mitigar o que foi
encontrado pelo relator após a investigação ou melhorar um dado da realidade.
Portanto não cabe destaque — avaliou Rogério Carvalho (PT-SE).
Marcos Rogério reclamou ainda do pouco tempo dado pela
presidência para leitura dos votos em separado, na próxima reunião, e disse que
20 minutos não seriam o bastante para a apresentação dos textos.
Indiciamento do
presidente
O representante de Rondônia também apresentou outra questão
de ordem, alegando que o relatório final não poderia propor o indiciamento do
presidente da República por cometimento de ilícito penal. Segundo ele, o chefe
do Executivo tem um conjunto de prerrogativas de índole processual a fim de lhe
assegurar o livre exercício do mandato conferido pela maioria dos eleitores.
Conforme Marcos Rogério, "por conta do exercício do cargo, a situação do
residente da República é sui generis, sendo diversa da situação de qualquer
outra autoridade constituída".
A questão de ordem foi indeferida pelo presidente Omar Aziz,
que alegou que o Senado tem competência para julgar crime de responsabilidade
do presidente e seria um contrassenso se não pudesse investigá-lo no âmbito de
uma CPI. Ainda segundo ele, cabe ao Parlamento a fiscalização dos atos do Poder
Executivo, em especial do chefe do Poder Executivo.
— Embora o presidente não tenha prestado depoimento ao
colegiado, as imputações que lhe são feitas resultam do vasto arcabouço de
documentos recebidos pela comissão, dos depoimentos colhidos, bem como do
acervo de declarações públicas, gravações e postagens em redes sociais colhidas
ao longo desses meses. Nenhum cidadão está acima da lei, isso vale inclusive
para o presidente Jair Messias Bolsonaro! — sentenciou, irritado, Omar Aziz.
Amazonas
Já o senador Eduardo Braga (MDB-AM) considerou inaceitável
que o relatório final não peça a punição de nenhum dos responsáveis pelo caos
vivido no Amazonas durante a pandemia.
Para ele, não há dúvida de que houve uma série de crimes e
há criminosos que agora precisam ser punidos. O parlamentar apresentou um
adendo ao voto de Renan Calheiros, exigindo a punição dos responsáveis,
inclusive do governador Wilson Lima.
— Nosso estado foi transformado em um verdadeiro campo de
testes, com experimentos, com remédios ineficazes; falta de oxigênio, de leitos
de internação e até de covas para enterrar os nossos conterrâneos. Nenhum
estado sofreu tanto quanto o Amazonas. Não há nenhuma dúvida de que houve uma
série de crimes e de criminosos que precisam ser punidos. Por isso, o Amazonas
continua se sentindo injustiçado — afirmou Braga, que apresentou um adendo ao
voto do relator sobre o tema.
Os senadores Izalci Lucas (PSDB-DF) e Soraya Thronicke
(PSL-MS) também apresentaram a Renan Calheiros uma complementação de voto
tratando especificamente da situação de seus estados: Distrito Federal e Mato
Grosso do Sul.
Propostas
legislativas
O vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP) comunicou
que, ao longo do funcionamento da comissão de inquérito, o Portal e-Cidadania,
do Senado, recebeu de cidadãos, desde março de 2020, centenas de ideias
legislativas relacionadas à CPI e ao drama da pandemia de covid-19.
Segundo ele, as propostas vão ser encaminhadas ao relator
Renan Calheiros (MDB-AL), que ainda terá tempo para acrescentar em seu voto
final as propostas consideradas mais relevantes e pertinentes. O senador disse
que até o dia 26 de outubro estará à disposição para aperfeiçoar seu texto.
Antes de encerrar a reunião, o presidente Omar Aziz comentou
a notícia de que Jair Bolsonaro teria "dado gargalhada" quando foi
informado do conteúdo do relatório de Renan Calheiros e mandou um recado ao
presidente:
— O país precisa de afeto, e as imputações ao senhor e ao
seu governo são sérias. Não creio que seja uma risada de alívio; pelo contrário
é de temor — afirmou.
INDICIADOS NO
RELATÓRIO DA CPI DA PANDEMIA
Presidente da
República, Jair Bolsonaro
prevaricação
charlatanismo
epidemia com
resultado morte
infração a medidas
sanitárias preventivas
emprego irregular
de verba pública
incitação ao crime
falsificação de
documentos particulares
crimes de
responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade,
honra e decoro do cargo)
crimes contra a
humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos)
Ex-Ministro da Saúde
Eduardo Pazuello
epidemia com
resultado morte
emprego irregular
de verbas públicas
prevaricação
comunicação falsa
de crime
crimes contra a
humanidade nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos
Ministro da Saúde,
Marcelo Queiroga
epidemia com
resultado morte
prevaricação
Ex-ministro da
Cidadania e ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República,
Onyx Lorenzoni
incitação ao crime
crimes contra a
humanidade nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos
Ex-ministro das
Relações Exteriores Ernesto Araújo
epidemia com
resultado morte
incitação ao crime
Ministro-chefe da
Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário
prevaricação
Ex-secretário-executivo
do Ministério da Saúde Elcio Franco
epidemia com
resultado morte
improbidade
administrativa
Secretária de Gestão
do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro
epidemia com
resultado morte
prevaricação
crime contra a
humanidade
Ex-diretor de
Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias
corrupção passiva
formação de
organização criminosa
improbidade
administrativa
Representante da
Davati no Brasil Cristiano Carvalho
corrupção ativa
Representante da
Davati no Brasil Luiz Paulo Dominguetti
corrupção ativa
Intermediador nas
tratativas da Davati Rafael Alves
corrupção ativa
Intermediador nas
tratativas da Davati José Odilon Torres da Silveira Júnior
corrupção ativa
Ex-assessor do
Departamento de Logística do Ministério da Saúde e intermediador nas tratativas
da Davati Marcelo Blanco
corrupção ativa
Diretora-Executiva e
responsável técnica farmacêutica da empresa Precisa, Emanuela Medrades
falsidade
ideológica
uso de documento
falso
fraude processual
formação de
organização criminosa
improbidade
administrativa
Consultor jurídico da
empresa Precisa, Túlio Silveira
falsidade
ideológica
uso de documento
falso
improbidade
administrativa
Ex-assessor especial
do Ministério da Saúde Airton Soligo
usurpação de
função pública
Sócio da empresa
Precisa Francisco Emerson Maximiano
falsidade
ideológica
uso de documento
falso
fraude processual
fraude em contrato
formação de
organização criminosa
improbidade
administrativa
Sócio da empresa
Primarcial Holding e Participações Ltda e diretor de relações institucionais da
Precisa, Danilo Trento
fraude em contrato
formação de
organização criminosa
improbidade
administrativa
Advogado e sócio
oculto da empresa FIB Bank Marcos Tolentino da Silva
fraude em contrato
formação de
organização criminosa
improbidade
administrativa
Deputado Ricardo
Barros (PP‑PR)
incitação ao crime
advocacia
administrativa
formação de
organização criminosa
improbidade
administrativa
Senador Flávio
Bolsonaro (Patriota‑RJ)
incitação ao crime
Deputado Eduardo
Bolsonaro (PSL‑SP)
incitação ao crime
Deputada Bia Kicis
(PSL ‑DF)
incitação ao crime
Deputada Carla
Zambelli (PSL‑SP)
incitação ao crime
Vereador Carlos
Bolsonaro (Republicanos‑RJ)
incitação ao crime
Deputado Osmar Terra
(MDB‑RS)
epidemia com
resultado morte
incitação ao crime
Ex-chefe da
Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal Fábio
Wajngarten
prevaricação
advocacia
administrativa
Médica participante
do ‘gabinete paralelo’ Nise Yamaguchi
epidemia com
resultado morte
Ex-assessor da
Presidência da República e participante do ‘gabinete paralelo’ Arthur Weintraub
epidemia com
resultado morte
Empresário e e
participante do ‘gabinete paralelo’ Carlos Wizard
epidemia com
resultado morte
incitação ao crime
Biólogo e
participante do ‘gabinete paralelo’ Paolo Zanotto
epidemia com
resultado morte
Médico e e
participante do ‘gabinete paralelo’ Luciano Dias Azevedo
epidemia com
resultado morte
Presidente do
Conselho Federal de Medicina, Mauro Ribeiro
epidemia com
resultado morte
Ministro da Defesa e
ex-ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto
epidemia com
resultado morte
Blogueiro suspeito de
disseminar fake news Allan Lopes dos Santos
incitação ao crime
Editor do site
bolsonarista Crítica Nacional suspeito de disseminar fake news Paulo de Oliveira
Eneas
incitação ao crime
Empresário suspeito
de disseminar fake news Luciano Hang
incitação ao crime
Empresário suspeito
de disseminar fake news Otávio Fakhoury
incitação ao crime
Diretor do jornal
Brasil Sem Medo, suspeito de disseminar fake news, Bernardo kuster
incitação ao crime
Blogueiro suspeito de
disseminar fake news Oswaldo Eustáquio
incitação ao crime
Artista gráfico
supeito de disseminar fake news Richards Pozzer
incitação ao crime
Jornalista suspeito
de disseminar fake news Leandro Ruschel
incitação ao crime
Deputado Carlos Jordy
(PSL‑RJ)
incitação ao crime
Assessor Especial
para Assuntos Internacionais do Presidente da República Filipe G. Martins
incitação ao crime
Assessor Especial da
Presidência da República Técio Arnaud
incitação ao crime
Ex-presidente da
Fundação Alexandre Gusmão (Funag) Roberto Goidanich
incitação ao crime
Político suspeito de
disseminar fake news Roberto Jefferson
incitação ao crime
Sócio da empresa
VTCLog Raimundo Nonato Brasil
corrupção ativa
improbidade
administrativa
Diretora-executiva da
empresa VTCLog Andreia da Silva Lima
corrupção ativa
improbidade
administrativa
Sócio da empresa
VTCLog Carlos Alberto de Sá
corrupção ativa
improbidade
administrativa
Sócia da empresa
VTCLog Teresa Cristina Reis de Sá
corrupção ativa
improbidade
administrativa
Ex-secretário da
Anvisa José Ricardo Santana
formação de
organização criminosa
Lobista Marconny
Albernaz de Faria
formação de
organização criminosa
Médica da Prevent
Senior Daniella Moreira da Silva
homicídio simples
Diretor-executivo da Prevent
Senior, Pedro Benedito Batista Júnior
perigo para a vida
ou saúde de outrem
omissão de
notificação de doença
falsidade
ideológica
crime contra a
humanidade
Médica da Prevent
Senior Paola Werneck
perigo para a vida
ou saúde de outrem
Médica da Prevent
Senior Carla Guerra
perigo para a vida
ou saúde de outrem
crime contra a
humanidade
Médico da Prevent
Senior Rodrigo Esper
perigo para a vida
ou saúde de outrem
crime contra a
humanidade
Médico da Prevent
Senior Fernando Oikawa
perigo para a vida
ou saúde de outrem
crime contra a
humanidade
Médico da Prevent
Senior Daniel Garrido Baena
falsidade
ideológica
Médico da Prevent
Senior João Paulo F. Barros
falsidade ideológica
Médica da Prevent
Senior Fernanda de Oliveira Igarashi
falsidade
ideológica
Sócio da Prevent
Senior Fernando Parrillo
perigo para a vida
ou saúde de outrem
omissão de
notificação de doença
falsidade
ideológica
crime contra a
humanidade
Sócio da Prevent
Senior Eduardo Parrillo
perigo para a vida
ou saúde de outrem
omissão de
notificação de doença
falsidade
ideológica
crime contra a
humanidade
Médico que fez estudo
com proxalutamida, Flávio Cadegiani
crime contra a
humanidade
Precisa
Comercialização de Medicamentos Ltda
ato lesivo à
administração pública
VTC Operadora
Logística Ltda – VTCLog
ato lesivo à
administração pública
Com informações da Agência Senado.
Carlos Magno
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