Um chinês abalou a comunidade científica no último domingo
(25). Em um vídeo de apenas quatro minutos divulgado no YouTube, ele provocou
discussões sobre a ética na manipulação do DNA humano.
O pesquisador He Jiankui, da cidade de Shenzen, afirma que
ele e sua equipe da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul ajudaram a
criar os primeiros bebês editados geneticamente do mundo – as gêmeas Lula e
Nana. Ao longo de outros vídeos, He conta a história das duas meninas, nascidas
no início do mês. Elas tiveram seu código genético alterado pelos cientistas,
que queriam torná-las mais resistentes ao HIV, o vírus da aids.
Um feito histórico e polêmico – se for verdade. A notícia
foi divulgada pela revista MIT Technology Review no mesmo dia em que He
anunciou o que ele chama de “cirurgia genética”, mas a pesquisa possui alguns
furos, sem contar o debate ético que ela gerou.
Monte o seu DNA
He – que estudou em universidades dos EUA, como a Stanford –
contou que os bebês vieram da fertilização in vitro de um casal cujo pai é
portador do HIV. “Crianças que nascem com doenças do tipo não têm as mesmas
condições de viver uma vida normal”, disse ele, no vídeo em que explica o
processo (assista abaixo).
O estudo, no entanto, não detalha a metodologia nem dá
muitas informações sobre o casal que participou do teste. A pesquisa, aliás,
não foi publicada em periódicos especializados – o que permitiria que ela fosse
revista por outros profissionais da área. Além disso, ninguém além de He
confirmou o caso: a própria faculdade anunciou que abrirá um inquérito interno,
acusando o cientista de violação ética.
Alterar o código humano é mesmo um assunto polêmico. Muitos
países, inclusive, proíbem a prática e defendem que isso pode trazer
complicações e alterações genéticas indesejadas. No Brasil, por exemplo, há uma
lei de 2005 que barra qualquer tipo de experimento envolvendo edição genética.
Some isso à questão da manipulação de características do corpo (imagine ser
capaz de alterar no seu filho a cor do cabelo, dos olhos etc.) e o resultado é
uma questão tão delicada quanto clonagem.
Avanço ou perigo?
He compara a “cirurgia genética” com o fenômeno da
fertilização in vitro. De acordo com ele, o método em questão era visto com
maus olhos 40 anos atrás, mas hoje já ajudou no nascimento de 8 milhões de
pessoas.
A tecnologia utilizada por ele é chamada de CRISPR (em
português, a sigla significa algo como Repetições Palindrômicas Curtas
Agrupadas e Regularmente Interespaçadas.) A gente traduz: o método consiste em
usar uma enzima específica para isolar um determinado gene, fazendo com as
células não o leiam.
No caso de He, o procedimento das gêmeas isolou o gene
responsável pela proteína CCR5, que faz parte das células do nosso sistema
imunológico e que, de acordo com o cientista, é a porta de entrada para que o
HIV se fixe no corpo. Sem ela, espera-se que o indivíduo fique mais resistente
a contrair o vírus. Segundo o pesquisador, as meninas e a mãe não apresentaram
nenhum problema durante e após a gravidez.
A pesquisa chinesa provocou revolta em cientistas do mundo
todo. Muitos alegam que estudos do tipo são arriscados demais e questionam a
ética do autor. Na China, o caso provocou a elaboração de um abaixo-assinado contra
He. Mais de 100 cientistas pediram a censura da pesquisa.
“Não podemos descartar a possibilidade de que os bebês
gerados usando essa tecnologia possam ser saudáveis por um período de tempo”,
diz o texto inicial do manifesto. “Mas os potenciais riscos e perigos trazidos
pelo procedimento (…) são difíceis de mensurar”, conclui – Super Interessante.
Carlos Magno