Aliados de primeira mão do presidente eleito Jair Bolsonaro
(PSL), os integrantes da bancada evangélica estão em crise. Apesar da
demonstração de força ao barrar a indicação de um ministro da Educação - o
diretor do Instituto Ayrton Senna, Mozart Ramos -, a frente evangélica não tem
recebido tantas demonstrações de prestígio quanto gostaria, o que levou a um
racha.
A insatisfação com a demora de Bolsonaro para decidir o
destino de ministérios da área social - principal interesse dos evangélicos - e
com o futuro incerto de integrantes bastante fiéis ao presidente eleito levaram
a bancada a fazer uma votação para deliberar se compareceriam ou não à reunião
prevista com o capitão reformado do Exército na última quarta-feira (28).
Por fim, resolveram fazer a visita de cortesia. O choque se
dá entre os que ainda querem pressionar o futuro chefe do Executivo por espaço
no governo e os que já desistiram ou dizem defender que a bancada seja independente.
Integrantes do seleto grupo que foi à reunião - cerca de 20
dos quase 90 deputados que compõem a bancada na Câmara - conversaram tanto com
Bolsonaro quanto com o ministro da transição e futuro chefe da Casa Civil, Onyx
Lorenzoni, sobre nomes que representariam o grupo.
A expectativa era de que o presidente eleito "pagasse a
dívida" de campanha e ainda indicasse líderes do grupo para o primeiro
escalão.
A decepção foi grande nas últimas semanas. Primeiro, Onyx
havia pedido sugestões da bancada para o Ministério da Educação. Ele deu uma
semana para que os nomes fossem apresentados e 2 dias depois a mídia já
estampava que o diretor do Instituto Ayrton Senna aceitara o convite.
Os deputados dizem que não têm nada contra Mozart, mas não o
consideram alinhado a bandeiras como a Escola sem Partido e o combate à
ideologia de gênero. Conseguiram barrá-lo, na única vitória até agora. O nome
escolhido por Bolsonaro, Ricardo Vélez-Rodrigues, contudo, não era o indicado
pela bancada.
A rebelião dos evangélicos, no entanto, só ficou clara com a
indicação do deputado do MDB Osmar Terra para a chefia do Ministério da
Cidadania. Neste caso, foi o presidente eleito pessoalmente quem pediu aos
colegas a indicação de 3 nomes. "Apresentamos, e ele nomeou outro", disse,
inconformado, um dos aliados ao HuffPost Brasil.
Hoje, nem a possível criação do ministério dos Direitos
Humanos e das Mulheres sob o comando da pastora evangélica e assessora do
senador Magno Malta (PR-ES) Damares Alves agrada ao grupo.
Afinal, assim como Vélez-Rodrigues e Terra, ela seria mais
um nome que agrada a bancada, mas não foi indicada pelo grupo. Entre os nomes
de preferência foram citados na reunião os deputados Gilberto Nascimento
(PSC-SP), Ronaldo Nogueira (PTB-RS) - ex-ministro do Trabalho que não foi
reeleito -, Marco Feliciano (PSC-SP), e o emedebista Leonardo Quintão (MG).
'Ingratidão'
Também pesa contra Bolsonaro o que está sendo encarado como
um gesto de ingratidão com o senador Magno Malta, que teria trabalhando arduamente
na campanha, segundo colegas dos 2. Derrotado na campanha para reeleição, Malta
esperava um papel de destaque. Ao longo de meses, ele foi considerado o vice
dos sonhos, mas recusou o convite para compor a chapa.
O senador tem reclamado do ostracismo a amigos da bancada.
Para um dos líderes do grupo, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), mesmo se
Bolsonaro nomear Malta agora para algum cargo, a decisão será tardia.
Na sexta-feira (30), o capitão reformado do Exército chegou
a dizer que ainda pode criar o Ministério da Família. A expectativa pós-eleição
era de que essa pasta ficasse sob comando de Malta. O senador, entretanto,
protagonizou cenas de troca de farpas com a cúpula que cerca o futuro chefe do
Executivo e responde a processos judiciais. Seu futuro é incerto, mas Bolsonaro
tem sido lembrado diariamente da "dívida".
A situação do deputado Delegado Éder Mauro (PSD-PA) que,
segundo aliados, até agora não teve seu trabalho reconhecido, ajuda a reforçar
a fama de "ingrato" do presidente eleito. Os deputados ressaltam, por
exemplo, que o colega espalhou cerca de 40 outdoors por Belém ainda em 2017
quando poucos endossavam com tanta garra a futura campanha de Bolsonaro.
A bancada evangélica é considerada o berço do apoio ao
deputado federal. Embora Bolsonaro também tenha sido atuante na bancada da
bala, que defende a flexibilização do desarmamento, a proximidade é maior com
os evangélicos por causa da defesa de pautas conservadoras.
As rixas entre ele e o deputado Jean Wyllys (PSol-RJ), único
parlamentar assumidamente gay, ajudaram a fomentar esse apoio. A bancada atual
conta com cerca de 90 parlamentares ativos e estima chegar a 120 na legislatura
que começa no próximo ano. Os deputados que apoiam as pautas do grupo e assinam
a Frente Parlamentar Evangélica, no entanto, somam 171.
Entre o grupo há praticamente um consenso de que todos os
integrantes trabalharão para aprovar a reforma da Previdência, proposta que
exige voto favorável de maioria qualificada dos 513 deputados. Mesmo sendo
formada por parlamentares de diversos partidos, a frente declarou apoio a
Bolsonaro na eleição. Em carta, afirmou que o presidente eleito era o nome mais
adequado.
"Mais que uma questão natural, é uma questão
espiritual. Está acima de qualquer doutrina partidária. É a defesa dos valores
da família cristã", dizia o documento entregue em 4 de outubro.
Apesar do mal estar, os deputados dizem garantir que
continuarão a defender que o ex-colega de bancada esteja ao lado das pautas do
grupo. "Temos e vamos fazer o possível para que dê certo", diz
Sóstenes – Huffpost Brasil.
Carlos Magno