O Brasil passou a figurar na lista do Observatório de
Direitos Humanos (HRW) de países governados por líderes autocráticos desde a
eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República, em outubro passado.
A nova qualificação do país está claramente mencionada no Relatório Mundial de
Direitos Humanos 2019, que o HRW divulga nesta quinta-feira, 17.
O presidente Bolsonaro é descrito no documento como “um
homem que, com grande risco à segurança pública, encoraja abertamente o uso da
força letal por policiais e membros das Forças Armadas em um país já devastado
por uma alta taxa de homicídios causadas por forças policiais e mais de 60.000
homicídios por ano”. Mais adiante, é lembrado por suas “declarações abertamente
racistas, homofóbicas e misóginas”.
Concluído em dezembro passado, o relatório de 2019 da HRW
não contempla a mais recente promessa ao eleitorado cumprida por Bolsonaro – a
facilitação do acesso de civis a armas de fogo. Por meio de decreto, editado no
Diário Oficial da União de terça-feira, o presidente reverteu as medidas do
Estatuto do Desarmamento, de 2004, que contribuíram para a redução da taxa de
homicídios no país nos anos seguintes.
Mas, em seu capítulo sobre o Brasil, o texto destaca o
recorde de 64.000 homicídios registrados em 2017, em um país onde a violência
doméstica é “generalizada”, onde o controle frágil das prisões facilita o
recrutamento por facções criminosas e onde execuções extrajudiciais cometidas
pela polícia alimentam a criminalidade elevada. A execução da vereadora carioca
Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, por assassinos
profissionais em março de 2018, é mencionada com destaque.
Ao abordar a liberdade de expressão no país, o documento
assinala o fato de mais de 140 jornalistas terem sofrido intimidações, ameaças
e até agressões físicas durante a cobertura das eleições de 2018. A declaração
de Bolsonaro, depois de eleito, de que cortaria a verba publicitária para
veículos de imprensa que se comportassem de forma “indigna” também foi
mencionado como iniciativa que fere o direito à livre imprensa.
Como ponto positivo, o HRW menciona a decisão unânime do
Supremo Tribunal Federal de derrubar as restrições à liberdade de expressão,
particularmente as manifestações contra o fascismo e em defesa da democracia ocorridas
em universidade durante o período eleitoral.
“A decisão ocorreu em um cenário em que Bolsonaro e seus
aliados buscavam aprovar um projeto de lei que proibiria os professores de
‘promover’ suas próprias opiniões nas salas de aula ou de usar os termos
‘gênero’ ou ‘orientação sexual’ e que determinaria que escolas dessem
preferência a ‘valores de ordem familiar’ na educação moral, sexual e
religiosa”, assinalou o documento.
Período Sombrio
O relatório de 2019 dá atenção especial ao “período sombrio
para os direitos humanos”, causado em principalmente pela ascensão ao poder,
pela via democrática, de “líderes populistas que espalham o ódio e a
intolerância” e que tendem a minar as instituições e o Estado de Direito.
O Brasil se associa, nesse quesito, à Turquia de Recep
Erdogan, ao Egito de Abdel Fattah Sisi, à Filipinas de Rodrigo Duterte, à
Hungria de Viktor Orban, à Polônia de Jaroslaw Kaczynski, à Rússia de Vladimir
Putin, à Índia de Narendra Modi, aos Estados Unidos de Donald Trump e também à
Venezuela de Nicolás Maduro.
“Diferentemente dos tradicionais ditadores, os supostos
autocratas nos dias de hoje tipicamente emergem de ambientes democráticos”,
afirma o diretor-executivo do HRW, Kenneth Roth, que mais adiante alerta para a
vulnerabilidade até mesmo de democracias consolidadas.
“A maioria persegue uma estratégia de duas etapas para minar
a democracia: primeiro, demoniza minorias vulneráveis, utilizando-as como bodes
expiatórias para conquistar o apoio popular; e, então, enfraquece os pesos e
contrapesos do poder público, necessários para preservar os direitos humanos e
o Estado de Direito, como o Judiciário independente, uma imprensa livre e
vigorosos grupos da sociedade civil”, completa.
Roth sublinha que esses líderes raramente resolvem os
problemas que apontam em suas campanhas eleitorais, mas criam um legado de
abusos e evitam a prestação de contas de seus ações, o que os torna propensos à
corrupção, repressão e má administração.
A devastação econômica da Venezuela, país rico em petróleo,
é um dos exemplos citados no documento. A onda de execuções extrajudiciais nas
Filipinas, sob o argumento da “guerra contra as drogas”, é outro. E há ainda a
prisão em massa de mais de 1 milhão de muçulmanos de origem turca na China,
principalmente de uigures, a perseguição aos muçulmanos rohingyas por Miammar e
o bombardeio ao Iêmen pela coalizão comandada pela Arábia Saudita.
Nos Estados Unidos, a política de “tolerância zero” com a
imigração adotada pelo governo de Donald Trump é citada como outro exemplo de
medida punitiva a minorias vulneráveis.
O documento assinala igualmente o crescimento da resistência
aos regimes autocráticos, com protestos de organizações civis gerando medidas
concretas. Na Malásia, os eleitores destituíram o primeiro-ministro, Najib
Razak, acusado de corrupção, assim como também fez a população das Maldivas com
seu presidente autocrático, Yameen Gayoom. Na Armênia, o primeiro-ministro
Serzh Sargsyan renunciou diante da pressão popular contra seu governo corrupto.
Nas eleições de meio de mandato, em novembro passado, os
eleitores americanos escolheram uma Câmara dos Deputados com maioria da
oposição democrata, o que tornará mais difícil a aprovação de projetos de Trump
em seu dois últimos anos de mandato.
O relatório menciona também a iniciativa da China de
financiar de obras de infraestrutura em países governados por líderes
autocráticos, dentro de seu projeto de One Belt One Road, como fomentadora de
má administração e corrupção.
“Essas infusões de dinheiro sem controle tornaram mais fácil
para autoridades corruptas encherem suas contas bancárias, sobrecarregando seu
povo com enormes dívidas a serviço de projetos de infraestrutura que, em vários
casos, beneficiam mais a China do que o povo da nação endividada”, afirma Roth
no documento. “Falar de uma ‘armadilha da dívida’ chinesa tornou-se comum.” –
Veja.
Carlos Magno
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