"Pode ter certeza que alguém do PT vai vazar a prova
(do Enem)." Foi assim que o presidente Jair Bolsonaro pontuou sua primeira
conversa na manhã desta quarta-feira, 23, em Davos, permeada ainda por críticas
à imprensa, comentários sobre o poder das redes, futebol, dólar, a situação da
Venezuela e até mesmo perguntas sobre a ortografia de palavras.
Enquanto os termômetros na cidade suíça marcavam 9 graus
negativos na manhã desta quarta, Bolsonaro iniciava o dia em um café em seu
hotel, cercado por assessores, pelo chanceler Ernesto Araújo e o filho Eduardo
Bolsonaro.
A reportagem do Estado, sentada à mesa ao lado, acompanhou
cerca de 20 minutos da conversa da comitiva com o presidente em sua viagem de
estreia no cenário internacional, para participar do Fórum Econômico Mundial.
Parte da troca de impressões foi gravada, enquanto o debate percorria diversos
temas. Assuntos estratégicos eram pontuados por questões corriqueiras e mesmo
brincadeiras.
Quando um dos assessores de Bolsonaro chegou para o café, o
presidente comentou: "Viu os pobretões que estavam na minha mesa
ontem?", provocando risada geral. Ele se referia ao fato de que, na noite
de terça-feira, 22, o jantar de abertura do Fórum incluiu em sua mesa o presidente
da Suíça, Ueli Maurer, a rainha Rania, da Jordânia, o fundador do Fórum, Klaus
Schwab, o presidente da Apple, Tim Cook, a rainha Mathilde, da Bélgica, e o
presidente da Microsoft, Satya Nadella.
Parte do debate se concentrou na reação dos mercados e da
imprensa sobre seu discurso em Davos, feito na terça-feira e que foi o mais
curto já pronunciado por um presidente brasileiro no evento.
Mas, entre os assessores e mesmo o presidente, não foram
poucas as críticas à imprensa e à interpretação publicada de que houve uma
relação entre a queda do real e o conteúdo de seu discurso. "Tem cinco
dias de alta e dá uma baixadinha e dizem que é o discurso", se queixou
Bolsonaro, em referência à moeda.
Araújo destacou, de forma elogiosa, como dois jornais
estrangeiros tinham dado destaque a certos trechos da fala do presidente,
enquanto o resto da comitiva reclamava de que, no Brasil, foram as críticas que
dominaram no que se refere aostrechos do discurso sobre meio ambiente. "E
no Brasil dizem que eu me equivoquei ao falar das florestas", protestou o
presidente.
Eduardo Bolsonaro dava uma atenção especial à cobertura do
discurso realizado pelo jornal espanhol El País, que tem uma versão em
português. Uma das pessoas na mesa chegou a qualificar o jornal de
"vagabundo". "Um jornal vagabundo", insistiu.
O deputado se surpreendia como, segundo ele, havia uma
manchete no jornal espanhol diferente do título que o mesmo jornal havia dado
para o discurso de Bolsonaro no Brasil. Eduardo, repetindo o que um grupo de
jornalistas brasileiros tinha explicado um dia antes, tentou contar para o
restante da mesa como ele ficou sabendo que, de fato, quem faz os títulos das
matérias nem sempre são os repórteres, mas sim os editores.
Conspiração no Enem
A conversa então migrou para a situação do Enem. "Pode
ter certeza que alguém do PT vai vazar a prova", disse Bolsonaro, num dos
trechos da conversa que está gravado. "Vai vazar", repetiu,
insistindo para a facilidade que seria "tirar uma foto".
Nesta semana, o governo Jair Bolsonaro tornou sem efeito a
nomeação de Murilo Resende, que assumiria a coordenação do Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem), e o nomeou para o cargo de assessor da Secretaria de
Educação Superior do Ministério da Educação (MEC).
Ele havia exonerado a presidente do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Maria Inês Fini, no
dia 14. Dez dias antes, Bolsonaro havia criticado a "doutrinação em salas
de aula".
Outro assunto discutido durante o café da manhã foi a
Venezuela, que hoje pode ter um dia decisivo com a convocação que foi feita ao
povo para sair às ruas. Eduardo Bolsonaro não disfarçava o temor de que isso
gerasse mortos diante da reação que o governo de Nicolás Maduro poderia ter.
Jair Bolsonaro, que nesta quarta-feira, 23, terá de debater
o tema com os demais chefes-de-estado da América do Sul, pediu que seu assessor
internacional, Filipe Garcia Martins, fosse chamado para uma conversa sobre o
assunto. Martins, de 30 anos, é considerado como um "discípulo" de
Olavo de Carvalho e tem causado certo ciúme dentro do Itamaraty por conta de
seu papel na política externa.
Durante o café, não faltaram comparações ao futebol e mesmo
comentários sobre os times do São Paulo e Vasco, que disputam a final da
Copinha nesta sexta-feira. "O sr. vai ter de entrar para dar
parabéns", sugeriu uma das pessoas à mesa.
Como se escreve?
Ao longo da conversa, um dos pontos centrais foi o poder das
redes sociais e comentários sobre como o governo deve se comportar nesses
meios. "É outro idioma", insistiu um dos assessores. A mesa também
confirmou como Olavo de Carvalho é mesmo uma referência para o grupo. Num dos
momentos da conversa, o brasileiro que vive no exterior foi citado como exemplo
do que se deve fazer ao gravar vídeos para as redes sociais. "Você viu
como ele faz?", perguntou uma das pessoas.
Eduardo, porém, alertava para o fato de que "muita
gente nem lê o que postamos". "Olham a foto e já comentam, sem nem
ler. Acho que apenas 5% das pessoas de fato leem o que se escreve", disse.
Instantes depois, ele perguntou ao grupo: "Trilionário e bilionário têm (a
letra) H?". "Não, né?".
Ao terminar o café da manhã, a reportagem se aproximou do
presidente, ainda que a segurança tentasse evitar. Ao ouvir que o repórter era
do Estado, Bolsonaro disse que já trabalhou no jornal. "Eu entregava
jornal."
Questionado se comentaria a situação de seu filho, Flávio
Bolsonaro, o presidente virou as costas e, entrando em um elevador, apenas
repetia: "Não, não".
O dia estava apenas começando em Davos – Estadão.
Carlos Magno
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