Uma pesquisa divulgada recentemente pode ser o mais recente
exemplo de como a indústria alimentícia e de bebidas tenta manipular a
compreensão pública sobre a nutrição.
O estudo é parte de um projeto em andamento da ex-dentista
Cristin Kearns, que visa revelar os esforços da indústria para abafar durante
décadas os dados científicos associando o consumo de açúcar a problemas de
saúde como doenças cardíacas e diabetes.
O trabalho se baseia em correspondências entre um grupo
conhecido como Associação do Açúcar e pesquisadores da Universidade de Harvard.
Publicado pelo jornal "Jama Internal Medicine", o estudo analisou 31
páginas de correspondências entre o grupo que representa os interesses da
indústria açucareira e pesquisadores de Harvard.
Segundo documentos encontrados em arquivos públicos, em 1964
a Associação do Açúcar discutia internamente sobre uma campanha para lidar com
as "atitudes negativas em relação ao açúcar", após o aparecimento de
alguns estudos ligando o consumo do produto a doenças cardíacas.
No ano seguinte, foi aprovado o "Projeto 226", que
incluía o pagamento aos pesquisadores de Harvard em valores que equivalem hoje
a quase 50 mil dólares por um artigo baseado em literatura científica sobre o
consumo do açúcar, a partir de materiais escolhidos pelo grupo, o qual
receberia esboços do texto antes da publicação da versão final.
Sobrevalorização dos
efeitos do colesterol
O artigo resultante, publicado em 1967, conclui que
"não há dúvidas" de que a única intervenção nos hábitos alimentares
necessária para evitar problemas cardíacos seria reduzir o colesterol e o
consumo de gorduras saturadas. Os pesquisadores sobrevalorizaram a literatura
sobre o colesterol e a gordura, enquanto minimizavam os efeitos do açúcar.
"Asseguramos que isso é bem o que tínhamos em mente e
aguardamos pelo texto impresso", escreveu um dos membros da Associação do
Açúcar a um dos autores da pesquisa.
O papel da Associação do Açúcar e o financiamento aos
pesquisadores não foram mencionados quando o artigo foi publicado pelo
"New England Journal of Medicine". A publicação apenas passou a
exigir a divulgação dessas informações a partir de 1984.
Nos últimos anos, a preocupação dos cientistas que buscam
compreender a ligação entre o consumo de alimentos e doenças cardíacas se
voltou mais para o açúcar e menos para as gorduras.
Um comitê que forneceu diretrizes nutricionais ao governo
americano apontou que "não há relação perceptível" entre o colesterol
e as doenças cardíacas, ainda que recomende o consumo limitado de gorduras
saturadas.
Papel obscuro dos
financiadores
Em comunicado, a Associação do Açúcar admite que
"deveria ter exercido maior transparência em todas as suas atividades de
pesquisa", mas afirma que a divulgação dos financiadores não era norma
quando o estudo foi publicado. O grupo questiona as "contínuas tentativas
de Kearns de remodelar ocorrências históricas".
Empresas como a Coca Cola e a Kellogg, além de grupos que
representam os interesses de setores como os produtores de carne e de frutas,
regularmente financiam pesquisas que se tornam parte da literatura científica e
acabam sendo citados por outros pesquisadores.
As empresas dizem que obedecem a padrões científicos, e
muitos pesquisadores defendem que o financiamento da indústria é essencial para
os avanços da ciência, dada a crescente concorrência para obter fundos do
governo. Os críticos, porém, afirmam se tratar de estratégias disfarçadas de
marketing publicitário, que prejudicam os esforços para melhorar a saúde
pública.
Os autores da pesquisa divulgada nesta segunda-feira afirmam
que os documentos indicam que os dirigentes políticos devem dar menos
importância aos estudos financiados pelas indústrias. Apesar de a divulgação
dos financiadores ser algo comum nos dias de hoje, o papel que eles exercem
sobre as pesquisas nem sempre é esclarecido – G1.
Carlos Magno
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