Um grupo de vítimas e familiares de vítimas da ditadura
militar entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a comemoração
do aniversário do golpe de 31 de março de 1964. Como revelou o Estado no último
dia 25, o presidente da República, Jair Bolsonaro, determinou ao Ministério da
Defesa que faça as "comemorações devidas" da data, quando um golpe
militar derrubou o então presidente João Goulart e iniciou um período
ditatorial que durou 21 anos. A orientação foi repassada a quartéis pelo País.
A ação, que está sob relatoria do ministro Gilmar Mendes,
pede que não haja qualquer ordem de realização de comemoração ou atos que
"violem o direito à memória e à verdade" em relação à ditadura, e que
esses atos sejam cassados, se já tiverem sido realizados. Os autores alegam que
são vítimas ou familiares de vítimas da ditadura reconhecidas pela Comissão
Nacional da Verdade, em seu relatório final publicado em 2014.
Na ação, eles afirmam que, ao determinar celebrações da
data, o presidente, "que reiteradamente faz apologia à ditadura em seu
cotidiano", estaria violando o direito à verdade, pois
"conclama" que um regime "que notoriamente torturou e matou
milhares de pessoas seja exaltado com honrarias". Para eles, a postura de
Bolsonaro "ironiza as vítimas da ditadura", desrespeitando as
memórias de violências sofridas.
"Ao celebrar o golpe que desembocou na ditadura militar
brasileira que durou 21 anos (1964-1985), o presidente coloca em cheque as
provas inquestionáveis de tortura, homicídios, suicídios forjados e
desaparecimentos relatadas por sobreviventes e seus familiares em documentos
como a Comissão Nacional da Verdade (CNV), questionando a memória e a verdade
dessas histórias trágicas que ainda são feridas abertas neste país",
dizem.
Para os autores da ação, "exaltar o golpe é desdenhar
do passado e, abertamente, causar insegurança quanto ao futuro da
democracia". "Exaltar o golpe é fazer com que cada uma das famílias,
impetrantes e muitas outras, bem como todas aquelas que vivenciaram os horrores
da repressão, sejam questionadas publicamente em suas versões e memórias,
desrespeitando-se de forma direta o direito à verdade, pois questionando a
veracidade do que se viveu na pele, na carne, nos ossos e na alma",
afirmaram ao Supremo.
Os autores da ação afirmam ainda que a determinação
"reveste-se de imoralidade administrativa", porque iria contra
mandamento constitucional que exige do Estado o dever de reconhecer "os
períodos de exceção, seus crimes e suas vítimas e de promover a devida
reparação".
A determinação de Bolsonaro gerou uma reação de órgãos e
entidades brasileiras, como o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública
da União (DPU). Ontem, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC),
do MPF, afirmou que utilizar a estrutura pública para "defender e celebrar
crimes constitucionais e internacionais" pode caracterizar ato de
improbidade administrativa, porque "atenta contra os mais básicos
princípios da administração pública".
Nesta quarta-feira, o MPF recomendou às Forças Armadas do
Rio de Janeiro a abstenção de manifestações públicas, em ambiente militar ou
fardado, em comemoração ou homenagem ao período do golpe militar de 31 de março
de 1964. A recomendação integra uma ação coordenada nacionalmente pelo MPF com
a participação de diversas unidades de todo o País, informou o MPF-RJ, em nota.
O Planalto foi procurado, e informou que não irá comentar – Estadão.
Carlos Magno
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