O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou em setembro do ano
passado que não é permitido no Brasil o “homeschooling” – ou seja, a prática de
educar alunos em casa, sem a frequência na escola. A maioria dos ministros
concordou que a Constituição Federal não proíbe a prática. No entanto, como não
há lei regulamentando o ensino domiciliar, não haveria como instituir essa
alternativa no país. O caso tem repercussão geral. Portanto, a decisão da Corte
passou a ser seguida por juízes de todo o país.
Na época, sete, dos onze ministros, formaram a maioria:
Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Edson Fachin, Marco Aurélio Mello, Dias
Toffoli, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Fachin chegou a propor o prazo de um ano
para o Congresso Nacional regulamentar a prática, mas ninguém concordou com a
medida.
Apenas Luiz Fux e Ricardo Lewandowski declararam que o
“homeschooling” é inconstitucional – ou seja, mesmo que fosse aprovada uma lei
no Congresso, a prática seria ilegal. Apenas o relator, Luís Roberto Barroso,
votou a favor do ensino domiciliar. Para ele, os pais têm o direito de escolher
o tipo de educação que consideram melhor para os filhos – especialmente diante
de indícios de que a qualidade da educação ofertada nas escolas é deficiente.
Foi de Alexandre de Moraes o voto seguido pela maioria. Para
ele, como não há regulamentação do Congresso, não haveria como fiscalizar o
rendimento e a frequência dos alunos instruídos em casa. Moraes disse que não é
tarefa do Judiciário estipular regras para fiscalizar o “homeschooling”, como
queria Barroso. Logo, o ensino domiciliar não poderia ser considerado legítimo
no Brasil.
— O Brasil é um país muito grande, muito diverso. Sem uma
legislação especifica que estabeleça a fiscalização da frequência, receio que
vamos ter grandes problemas de evasão escolar. Brasil já tem uma das maiores
taxas de evasão escolar. Sem uma regulamentação congressual detalhada, com
avaliações pedagógicas e de socialização, teremos evasão escolar travestida de
ensino domiciliar — alertou Moraes.
Rosa Weber votou no mesmo sentido, acrescentando que a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) determina o ensino presencial e
estipula que, se a criança apresentar faltas em taxa superior a 50%, o
estabelecimento educacional precisa comunicar a Justiça.
Fux e Lewandowski disseram que o ensino domiciliar é
inconstitucional. Fux lembrou que a Constituição Federal determina o acesso e a
permanência na escola, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e
a LDB. O ministro explicou que a instituição regular de ensino dá ao aluno a
“experimentação” necessária para a vida social, construção da tolerância e pode
ainda ser um fator de proteção da criança que sofre negligência ou violência em
casa.
Fux criticou ainda a posição de famílias que, por crenças
religiosas, prega a educação domiciliar. Para ele, tal modalidade de ensino em
certas circunstâncias é, na verdade, “uma superproteção nociva à criança”. Ele
disse que o ambiente escolar, com seu programa pedagógico formulado, não
afronta em nada a liberdade de crença das crianças.
Segundo Lewandowski, se o STF autorizasse a educação
domiciliar, problemas sociais poderiam se agravar:
— Legitimar essa prática poderia estimular o trabalho
infantil e escamotear outras graves mazelas que acometem menores.
Em seu voto, dado na semana passada, quando começou o
julgamento Barroso sugeriu que crianças e adolescentes submetidos à educação
domiciliar sejam cadastradas nas secretarias de educação municipais e fariam
provas periódicas. Se o aprendizado estiver prejudicado, os pais seriam
notificados. Em caso de não haver melhora, o aluno seria obrigado a frequentar
uma escola regular.
Barroso enfatizou que, em todo o mundo, especialmente nos
países desenvolvidos, a população praticante da educação doméstica tem
aumentado de maneira significativa. No Reino Unido, são 100 mil alunos nessa
condição. Nos Estados Unidos, são 1,8 milhão. Embora não haja previsão legal, a
experiência é compartilhada por ao menos 3.201 famílias no Brasil, segundo mapeamento
feito em 2016 pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned).
Crime de “Abandono Intelectual”
De 2014 a 2016, o número de adeptos do “homeschooling”,
prática regulamentada em vários países, cresceu 136%. Apesar do salto, o modelo
de substituir a escola pelo ensino em casa, ministrado pelos próprios pais ou
professores contratados, ainda é controverso do ponto de vista jurídico.
Segundo a Aned, existem ao menos 18 famílias com problemas
na Justiça por manterem os filhos longe da escola. A legislação prevê o crime
de abandono intelectual, com detenção de 15 dias a um mês, para pais que não
matriculam os filhos para a escola. Portanto, é comum que a prática seja
escondida pelas famílias.
Na pesquisa feita pela Aned, as principais motivações
declaradas pelos pais foram dar uma educação mais qualificada fora da escola
(32%) e problemas relacionados aos princípios de fé da família (25%).
Violência, bullying e doutrinação são outras razões apontadas. São Paulo tem o
maior número de adeptos do homeschooling (583 famílias), seguido de Minas
Gerais (380), Rio Grande do Sul (363), Santa Catarina (336) e Bahia (325).
Em nota, na época, o Ministério da Educação (MEC) condenou a
prática. A pasta recomendou que as famílias sigam o parecer do Conselho
Nacional de Educação (CNE), segundo o qual “a Constituição Federal aponta nitidamente
para a obrigatoriedade da presença do aluno na escola”. Ainda segundo o MEC,
cabe ao “Poder Público a obrigação de recensear, fazer a chamada escolar e
zelar para que os pais se responsabilizem pela frequência à escola” – O Globo.
Carlos Magno
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