Foto: Portal Carlos Magno
Os jogos de aposta on-line, como o famoso
"tigrinho", viraram tormento na vida dos brasileiros que acreditaram
nas propagandas das redes sociais prometendo ganhos em dinheiro. Uma pesquisa
da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) revelou que o game se tornou
uma das maiores causas de endividamento no país, com 63% dos apostadores
afirmando que chegaram a comprometer até o orçamento doméstico.
O levantamento mostrou que os entrevistados mudaram os
hábitos de consumo para apostar on-line: 23% dos entrevistados abriram mão de
comprar roupas, 19% deixaram de fazer compras em supermercados, 14% produtos de
higiene e beleza, 11% cuidados com saúde e medicações.
Um relatório do Banco Santander, publicado em junho, revela
também que a participação do varejo nos gastos das famílias caiu de 63%, em
2021, para 57% em 2023. Ao mesmo tempo, as bets (aposta em um jogo de azar)
passaram de 0,8% da renda familiar em 2018 para um índice de 1,9% a 2,7% no ano
passado.
Segundo a pesquisa da Comscore — uma empresa dos Estados
Unidos de análise da internet —, desde 2019, houve um crescimento de 281% no
tempo de consumo dos jogos no Brasil. As apostas têm experimentado um
crescimento igualmente rápido: em 2022, o país ficou em 10º lugar globalmente
com US$ 1,5 bilhão em receitas brutas de games, de acordo com dados da Entain,
uma das maiores empresas de apostas esportivas on-line do Reino Unido.
O levantamento apontou que mais da metade dos apostadores
fazem apostas ao menos uma vez por semana. O psicoterapeuta Alberto Dell'Isola
apontou que a frequência nos jogos pode representar dependência. "Todos
esses jogos podem levar ao vício. No entanto, existem elementos nos bets que
podem tornar os cassinos e apostas on-line ainda mais viciantes que as
loterias", disse.
O especialista destacou a acessibilidade como fator
preocupante. "Quanto mais acessível, mais viciante. Consideremos agora as
máquinas de caça-níqueis e as apostas de caça-níqueis on-line. Ainda que as
duas modalidades de aposta possam ter o mesmo tempo decorrido entre a aposta e
o resultado, as apostas na internet são muito mais viciantes do que as máquinas
de caça-níqueis: a pessoa pode apostar 24h, 7 dias por semana", ressaltou.
Endividamento
O economista Otto Nogami, professor do Instituto de Ensino e
Pesquisa (Insper), apontou os fatores que podem estar levando os consumidores
brasileiros a recorrerem aos jogos de azar e, consequentemente, ficarem cada
vez mais endividados. "Embora a regulamentação possa trazer benefícios
econômicos, como aumento da arrecadação de impostos, também pode resultar em
maior exposição e, consequentemente, mais casos de vício em jogos de
azar", explicou.
Nogami Citou como possíveis causas a crise econômica e
desemprego; a falta de educação financeira; a acessibilidade e a popularidade
dos jogos de azar; a influência psicológica e o vício; as pressões sociais e
culturais; além das promoções e publicidade enganosa; e da regulação e
legalização dos games.
Segundo o economista, o endividamento resultante dos jogos
de azar pode ter graves consequências financeiras e sociais. "As dívidas
podem levar à inadimplência, perda de bens, problemas de relacionamento e saúde
mental, como ansiedade e depressão. É crucial que medidas de educação
financeira e suporte psicológico sejam disponibilizadas para ajudar aqueles
afetados pelo vício em jogos de azar", disse.
O estudante de TI (tecnologia da informação) Fabricio de
Souza*, 20 anos, começou a jogar na adolescência. "Comecei na aposta
esportiva, porque sempre gostei muito de futebol e de acompanhar basquete.
Então, apostar nesses jogos dava emoção", contou.
No entanto, ao completar 18 anos, ele se interessou por
apostas em cassinos, os chamados slots. "Conheci o cassino on-line por
meio de um primo. Ele disse que estava ganhando dinheiro e perguntou se eu
queria tentar. Coloquei R$ 20 e não ganhei nada. Foi assim que começou",
relatou o jovem.
Fabrício afirmou que quando perdia, pedia dinheiro
emprestado aos amigos, mas, que depois de um tempo, começou a pedir dinheiro
para o banco também. "Cheguei a pegar 2 mil reais para recuperar o que
tinha perdido e não consegui", lamentou. Ele contou que parou de apostar
no começo do ano e que, atualmente, não sente mais vontade de jogar.
* Nome fictício a pedido do entrevistado
EM