Foto: Ilustração/Pixabay
O Sistema Único de Saúde (SUS) registrou, ao longo de 2023,
11.502 internações relacionadas a lesões em que houve intenção deliberada de
infligir dano a si mesmo, o que dá uma média diária de 31 casos. O total
representa um aumento de mais de 25% em relação aos 9.173 casos registrados
quase dez anos antes, em 2014. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira
(11) pela Associação Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede).
Em nota, a entidade lembrou que, nesse tipo de
circunstância, médicos de emergência são, geralmente, os primeiros a prestar
atendimento ao paciente. Para a associação, o aumento de internações por
tentativas de suicídio e autolesões reforça a importância de capacitar esses
profissionais para atender aos casos com rapidez e eficiência, além de promover
acolhimento adequado em situações de grande fragilidade emocional.
Segundo a Abramed, os números, já altos, podem ser ainda
maiores, em função de possíveis subnotificações, registros inconsistentes e
limitações no acesso ao atendimento em algumas regiões do país. Os dados
mostram que, em 2016, houve uma oscilação nas notificações de internação por
tentativas de suicídio, com leve queda em relação aos dois anos anteriores. O
índice voltou a subir em 2018, com um total de 9.438 casos, e alcançou o pico
em 2023.
Estados e regiões
A análise regional das internações por lesões autoprovocadas
revela variações entre os estados brasileiros. Para a associação, em alguns
deles, foi registrado “um crescimento alarmante”. Alagoas, por exemplo, teve o
maior aumento percentual de 2022 para 2023 – um salto de 89% nas internações.
Em números absolutos, os casos passaram de 18 para 34 no período.
A Paraíba e o Rio de Janeiro, de acordo com a entidade,
também chamam a atenção, com aumentos de 71% e 43%, respectivamente. Por outro
lado, estados como São Paulo e Minas Gerais, apesar de registrarem números
absolutos elevados – 3.872 e 1.702 internações, respectivamente, em 2023 –,
registraram aumentos percentuais menores, de 5% e 2%, respectivamente.
Num movimento contrário, alguns estados apresentaram
reduções expressivas no número de internações por tentativas de suicídio e
autolesões no ano passado. Amapá lidera a lista, com uma queda de 48%, seguido
pelo Tocantins (27%) e Acre (26%).
A Abramed destaca que a Região Sul como um todo enfrenta
“tendência preocupante” de aumento desse tipo der internação. Santa Catarina
apresentou crescimento de 22% de 2022 para 2023, enquanto o Paraná identificou
aumento de 16%. O Rio Grande do Sul ficou no topo da lista, com aumento de 33%.
Perfil
De acordo com a associação, o perfil de pacientes internados
por lesões autoprovocadas revela uma diferença significativa entre os sexos.
Entre 2014 e 2023, o número de internações de mulheres aumentou de 3.390 para
5.854. Já entre os homens, o total de internações caiu, ao passar de 5.783 em
2014 para 5.648 em 2023.
Em relação à faixa etária, o grupo de 20 a 29 anos foi o
mais afetado em 2023, com 2.954 internações, seguido pelo grupo de 15 a 19
anos, que registrou 1.310 casos. “Os números ressaltam a vulnerabilidade dos
jovens adultos e adolescentes, que, juntos, representam uma parcela
significativa das tentativas de suicídio”, avaliou a entidade.
Já as internações por lesões autoprovocadas entre pessoas
com 60 anos ou mais somaram 963 casos em 2023. Outro dado relevante é o aumento
das internações entre crianças e adolescentes de 10 a 14 anos – em 2023, foram
601 registros, quase o dobro do observado em 2011 (315 internações).
Para a Abramede, embora o atendimento inicial desses casos
necessite de “foco técnico”, é importante que a abordagem inclua também a
identificação de sinais de vulnerabilidade emocional, com o objetivo de
oferecer suporte integrado. A entidade avalia que uma resposta rápida e
humanizada pode fazer a diferença no prognóstico desses pacientes, além de
ajudar na prevenção de novos episódios.
Setembro Amarelo
No Brasil, uma das principais campanhas de combate ao
estigma na temática da saúde mental é o Setembro Amarelo que, este ano, tem
como lema Se Precisar, Peça Ajuda. Definido por diversas autoridades sanitárias
como um problema de saúde pública, o suicídio, no país, responde por cerca de
14 mil registros todos os anos. Isso significa que, a cada dia, em média, 38
pessoas tiram a própria vida.
Na avaliação do psicólogo e especialista em trauma e
urgências subjetivas Héder Bello, transtornos mentais representam fatores de
vulnerabilidade em meio à temática do suicídio – mas não são os únicos. Ele
cita ainda ser uma pessoa LGBT, estar em situação de precariedade financeira ou
social, ser refugiado político ou enfrentar ameaças, abuso ou violência. “Esses
e outros fatores contribuem para processos de ideação ou até de tentativa de
suicídio.”
“Políticas públicas que possam, de alguma maneira, falar
sobre esse assunto, sem tabu, são importantes. Instrumentos nas áreas de
educação e saúde também podem ser amplamente divulgados – justamente pra que a
gente possa mostrar que existem possibilidades e recursos amplos para lidar com
determinadas situações que são realmente muito estressantes e de muita
vulnerabilidade.”
Cenário global
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que,
todos os anos, mais de 700 mil pessoas em todo o mundo tiram a própria vida. A
entidade alerta para a necessidade de reduzir o estigma e encorajar o diálogo
aberto sobre o tema. A proposta é romper com a cultura do silêncio e do estigma,
dando lugar à abertura ao diálogo, à compreensão e ao apoio.
Números da entidade mostram que o suicídio figura,
atualmente, como a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29
anos. A OMS cita consequências sociais, emocionais e econômicas de longo
alcance provocadas pelo suicídio e que afetam profundamente indivíduos e
comunidades como um todo.
Reduzir a taxa global de suicídio em pelo menos um terço até
2030 é uma das metas dos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,
definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). “Os desafios que levam uma
pessoa a tirar a própria vida são complexos e associam-se a fatores sociais,
econômicos, culturais e psicológicos, incluindo a negação de direitos humanos
básicos e acesso a recursos”, destacou a OMS.
Paula Laboissière/Juliana Andrade – Agência Brasil