
Foto: Ton Molina/STF
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começa
nesta terça-feira (2) a julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete
ex-assessores, todos acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de
tentarem consumar um golpe de Estado no Brasil.
Os cinco ministros da Primeira Turma - Alexandre de Moraes,
Cristiano Zanin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Flávio Dino - irão julgar baseados
nas provas apresentadas por acusação e defesas durante a instrução do processo.
No caso da acusação, o procurador-geral da República, Paulo
Gonet, apresentou suas alegações finais, a versão definitiva para os fatos
investigados, em 15 de julho, quando pediu a condenação dos oito réus por cinco
crimes, cujas penas máximas, somadas, podem ultrapassar os 40 anos de prisão.
Todos foram acusados dos seguintes crimes:
- liderar ou integrar organização criminosa armada;
- atentar violentamente contra o Estado Democrático de
Direito;
- golpe de Estado;
- dano qualificado por violência e grave ameaça e
- deterioração de patrimônio tombado da União.
Gonet descreveu o que, para a PGR, seriam diversos atos
típicos, ou seja, atos ou omissões dos réus que caracterizam crime. No entender
do procurador, contudo, tratam-se de crimes complexos, executados com o intuito
de não serem descobertos ou provados.
Por esse motivo, Gonet avalia que a tipificação dos crimes
imputados é igualmente complexa, sendo formada a partir de uma série de
comportamentos em um espaço alongado de tempo, e não a partir de atos isolados.
“Uma tentativa de golpe de Estado, de quebra dos elementos
essenciais do Estado de Direito Democrático e de ruína da independência dos
poderes, não se dá à compreensão sem que se articulem fatos e eventos
múltiplos, de ocorrência estendida no tempo, que conformam o comportamento
punido pela lei”, explica o PGR em sua peça acusatória.
8 de janeiro
Para caracterizar os crimes, Gonet deu importância crucial
aos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do
ex-presidente Jair Bolsonaro, insatisfeitos com a derrota dele na tentativa de
reeleição em 2022, invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes.
“O evento dramático auxiliou a ressignificar toda uma série
de acontecimentos pretéritos, que antes pareciam desconectados entre si”,
escreveu o PGR nas alegações finais.
“Atos que, até então, poderiam parecer reprováveis apenas do
ponto de vista moral ou eleitoral, foram encaixados dentro de um plano maior de
ruptura institucional”, acrescenta.
Gonet afirma que os atos violentos foram resultado do complô
golpista e só ocorreram pelo incentivo de Jair Bolsonaro, que manifestou apoio
aos acampamentos que, desde o fim da eleição, pediam a intervenção militar,
incitação que em si já é crime previsto no Código Penal.
O procurador-geral da República apresenta, por exemplo,
mensagens trocadas entre o coronel Mauro Fernandes, ex-secretário executivo da
Secretaria-Geral da Presidência, nas quais o militar parece fazer a ponte entre
o Palácio do Planalto e lideranças dos manifestantes acampados em frente ao
Quartel-General do Exército, em Brasília.
Nas conversas, a palavra “churrasco”, segundo Gonet, é usada
como código para o golpe de Estado. Uma das mensagens recebidas por Fernandes,
de um dos líderes do acampamento, diz, por exemplo: “a gente tá indo lá pra
esplanada, pra manifestação da esplanada, ok? É… e eu preciso falar urgente com
o senhor, sobre aquela… aquele churrasco. É… se conseguiu alguma orientação
ai”.
Tais comunicações, para Gonet, deixam “evidente que os
movimentos dos apoiadores de Jair Messias Bolsonaro não eram espontâneos, mas
fruto de prévia orientação da organização criminosa”.
O procurador cita ainda a ida do general Walter Braga Netto,
ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, e que foi vice na chapa de Bolsonaro em
2022, até o acampamento no QG do Exército, em 4 de janeiro de 2023, onde
transmitiu mensagem de esperança a respeito do golpe.
Em relação especificamente a Bolsonaro, o procurador afirma
que os acontecimentos do 8 de janeiro somente aconteceram devido à “comoção
social” alimentada pelo ex-presidente, que desde meados de 2021 passou a
colocar em dúvida o processo eleitoral, com ataques, sem provas, contra o
funcionamento das urnas eletrônicas.
Gonet descreve o que seriam falas coordenadas de Bolsonaro,
e diz que uma “sequência de atos - declarações públicas ameaçadoras,
disseminação de falsidades sobre o sistema eleitoral, ataques reiterados a
ministros da Suprema Corte, articulação com aliados militares e manipulação de
inquéritos - compõe engrenagem de deslegitimação institucional, cujo objetivo
central era a rejeição antecipada do resultado eleitoral”.
A partir daí, o procurador afirma que Bolsonaro passou a
agir de modo coordenado com a organização criminosa golpista no intuito de
manter seus apoiadores insatisfeitos antecipadamente com o resultado das urnas.
“Esse escalonamento da agressividade discursiva não era
episódico nem improvisado. Integrava a execução de plano orientado à corrosão
progressiva da confiança pública nas instituições democráticas”, afirma o
procurador.
Ainda segundo Gonet, mensagens trocadas pelos réus indicam
inclusive orientação sobre como os manifestantes poderiam utilizar grades como
escadas e mangueiras de incêndio de forma coordenada no suposto “churrasco”.
O procurador-geral da República afirma não ser necessário
que os réus estivessem em pessoa na praça dos Três Poderes para que possam ser
considerados responsáveis pelos atos violentos e os danos causados aos prédios
públicos, que foram estimados em mais de R$ 30 milhões.
Defesa
Os advogados de defesa, de uma forma geral, afirmam que
Gonet não apresentou uma prova documental sequer que coloque seus clientes no
cenário dos crimes praticados em 8 de janeiro de 2023. Para eles, o fato do
procurador não ter indicado o ato específico de dano praticado diretamente
contra os prédios públicos impede que os réus sejam culpados pelos
acontecimentos daquele dia.
A equipe de advogados de Bolsonaro, por exemplo, afirma que
a narrativa do PGR trata de um “golpe imaginado”, e que mesmo que o
ex-presidente tenha cogitado, numa espécie de “brainstorm”, algum tipo de
ruptura institucional, a PGR não trouxe aos autos nenhuma prova cabal que ligue
Bolsonaro aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Os réus do núcleo 1 da trama golpista, que serão julgados a
partir desta terça-feira:
- Jair Bolsonaro - ex-presidente da República;
- Alexandre Ramagem - ex-diretor da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin);
- Almir Garnier- ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres - ex-ministro da Justiça e ex-secretário
de Segurança do Distrito Federal;
- Augusto Heleno - ex-ministro do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI);
- Paulo Sérgio Nogueira - ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto - ex-ministro de Bolsonaro e candidato
à vice na chapa de 2022;
- Mauro Cid – ex-ajudante de Ordens de Bolsonaro.
Felipe Pontes/Fernando Fraga – Agência Brasil