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Durante uma audiência na Câmara Municipal de Divinópolis,
Centro-Oeste de Minas Gerais, um dos convidados, o pastor Wilson Botelho, líder
de uma comunidade terapêutica no município, disse que, com o aval de um coronel
da Polícia Militar e o apoio de “dez homens”, expulsou um morador em situação
de rua, sob ameaça de dar “dois tiros na cabeça dele”.
“Eu tinha dez homens comigo lá na praça. O cara chegava,
então você é de Campo Grande (capital do Mato Grosso do Sul)? Você vai embora
agora. Você não fica aqui. Porque aqui, se você atravessar aquela ponte, amanhã
às 4h da tarde eu vou fazer o seu sepultamento, é só eu dar a ligada aqui e
você tomar dois tiros na cabeça”, disse o pastor.
O objetivo da reunião, realizada na última quinta-feira
(4/9), era discutir as condições das pessoas em situação de rua no município.
Ela foi convocada após o prefeito da cidade, Gleidson Azevedo (Novo), acusar as
cidades vizinhas de enviarem pessoas em vulnerabilidade para o município. O
gestor, que é irmão do senador Cleitinho Azevedo (Republicanos) e do deputado
estadual Eduardo Azevedo (PL), havia anunciado que recusará atendimento às
essas pessoas.
O pastor disse que fazia essas ameaças com o aval de um
coronel da PM, mas não citou o nome do oficial. Disse ainda ter poder como
cidadão para tomar essa atitude que, segundo ele, a PM não pode adotar. “Eu
posso fazer isso como cidadão. Eu posso fazer, mas polícia não tem autoridade
pra fazer, porque se a polícia fizer isso, o cara pede a farda no outro dia.
Infelizmente perde, mas eu recebi o apoio do coronel”, afirmou o pastor.
Líder de uma comunidade terapêutica, ele disse ainda durante
a audiência que durante três anos atuou tirando “viciados da rua” e que nenhum
deles era de Divinopólis.
O pastor também chamou as pessoas que estão morando nas ruas
de vagabundos e disse que, durante o tempo que atuou nessa praça “limpou tudo”.
“Eu recebi o apoio do coronel, o coronel (disse) eu estou
com você, eu preciso de você e tal. Eu botei moral e ninguém que ia passar
naquela ponte tinha que pagar pedágio, eu limpei tudo, eu gastei com o meu dinheiro,
eu dava café, dava pão para atrair o sujeito, a amizade dele para tirar fora de
Divinópolis”.
Repercussão
O vereador de Divinópolis, Vítor Costa (PT), classificou a
fala do pastor como inadmissível e cobrou um posicionamento da secretária de
Assistência Social, presente na audiência, Juliana Coelho.
“Estamos falando de seres humanos em extrema vulnerabilidade.
Ouvir um líder religioso e gestor de instituição de acolhimento incitar
violência contra essas pessoas é perverso e criminoso. O mínimo que se espera é
repúdio”.
Segundo ele, Juliana Coelho permaneceu em silêncio diante da
fala do pastor. “Esse tipo de postura é conivente com a exclusão e a violência
contra a população em situação de rua”, afirmou em posicionamento em suas redes
sociais.
A deputada estadual Lohanna França (PV) protocolou nesta
terça-feira (9/9) uma representação no Ministério Público de Minas Gerais
(MPMG) e nos Ministérios do Desenvolvimento Social e Direitos Humanos contra o
pastor pelas falas, classificadas pela parlamentar como “violentas,
discriminatórias e ameaçadoras”.
Além disso, a parlamentar solicitou ao presidente da Câmara
que determine à Comissão de Constituição e Justiça o envio da gravação integral
da reunião aos órgãos competentes, para que sejam tomadas as medidas legais
cabíveis.
No mesmo documento, a deputada questiona a Prefeitura de
Divinópolis sobre a recusa ao atendimento na rede de assistência municipal às
pessoas vindas de outra cidade. De acordo com a deputada, essa recusa fere
princípios constitucionais de universalidade e igualdade no acesso às políticas
públicas.
“Não podemos permitir que discursos de ódio e práticas
discriminatórias avancem em Divinópolis. O papel do poder público é garantir
direitos, não negá-los”, afirmou Lohanna.
Outro lado
O pastor foi questionado pela reportagem sobre quem seria o
coronel citado por ele, mas não respondeu ao pedido de informação. Ele também
não comentou a representação feita por Lohana França.
A reportagem pediu um posicionamento da secretária de
Assistência Social, mas ela não respondeu ao pedido de entrevista. Procurada, a
Câmara Municipal disse que vai soltar uma nota sobre o caso.
Por meio de nota, divulgada nesta terça-feira (9/9) depois
de ser questionada pelo Estado de Minas, a Câmara Municipal de Divinópolis
repudiou as declarações do pastor, classificadas como “inaceitáveis,
repugnantes e incompatíveis com os valores de uma sociedade democrática e com o
dever de proteção à dignidade humana”.
“Rejeitamos, com toda a firmeza, qualquer incentivo à
violência, à intimidação ou à expulsão sumária de pessoas em situação de
vulnerabilidade. A retórica de coerção que transforme ações de acolhimento é
grave e desumaniza cidadãos que merecem atendimento, políticas públicas e
respeito”, afirma ainda o Legislativo, que afirma ter solicitado às autoridades
competentes “apuração dos fatos e a tomada das providências legais cabíveis,
inclusive quanto a eventuais responsabilizações penais e administrativas”.
EM