
Foto: Gustavo Moreno/STF
Apresentados na noite desta segunda-feira (27), os embargos
de declaração protocolados pela defesa de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal
Federal (STF) trazem novamente o argumento de que o ex-presidente teria
“desistido” de executar um plano golpista que, segundo o próprio texto, estaria
em andamento no fim de seu governo.
A mesma tese já havia sido usada pelos advogados durante as
sustentações orais no julgamento da Ação Penal 2668, e agora é retomada em
caráter formal, como tentativa de reverter a condenação imposta pelo Supremo.
O documento, com mais de 70 páginas e endereçado ao ministro
Alexandre de Moraes, relator do caso, tenta afastar a responsabilidade de
Bolsonaro pelos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado
Democrático de Direito. Em um dos trechos, os advogados afirmam:
“Admitida, ainda que de forma equivocada, a existência de
início de execução, a conduta do Embargante se enquadraria na hipótese de
desistência voluntária.” (p. 44)
A formulação, cuidadosamente redigida, tem peso político e
jurídico: ao sustentar que houve um “início de execução”, ainda que em tese, a
defesa admite a existência de um plano articulado. A tese tenta enquadrar
Bolsonaro como alguém que teria recuado antes de consumar o crime, pedindo que
seja aplicado o artigo 15 do Código Penal, que prevê a exclusão de pena em casos
de desistência voluntária.
“Após as reuniões mencionadas na denúncia, o então
Presidente da República não apenas se absteve de praticar qualquer ato formal,
como também adotou postura pública de desestímulo e recuo, encerrando, por
iniciativa própria, o suposto percurso executivo.” (p. 45)
Na sequência, o recurso cita o voto divergente do ministro
Luiz Fux, que teria reconhecido a plausibilidade da tese ao afirmar que, “caso
houvesse início de execução, o Embargante deliberadamente interrompeu o curso
dos fatos, caracterizando a desistência voluntária” (p. 47).
Juristas ouvidos pela reportagem ressaltam que a tese de
desistência voluntária só é aplicável quando há indícios de que o crime já
estava em andamento e o autor decide, por vontade própria, interromper a
execução. Nesse sentido, ao insistir nessa linha argumentativa, a defesa
reconhece o contexto fático de uma conspiração golpista, ainda que tente negar
a intenção de levá-la adiante.
Bolsonaro e os atos golpistas
Bolsonaro, porém, segue tentando se distanciar dos atos de 8
de janeiro e das articulações dentro do governo para contestar o resultado das
eleições de 2022. O recurso afirma que ele “jamais deflagrou qualquer medida de
exceção” e que teria “desautorizado manifestações impulsivas de seus
apoiadores”.
Ainda assim, o reconhecimento de um “percurso executivo” e
de um “recuo voluntário” torna-se um marco político: é a primeira vez que sua
defesa reconhece, mesmo que de forma indireta, a existência de uma conspiração
em curso.
Os embargos têm pouco potencial de alterar o resultado do
julgamento. Mas o texto da defesa, ao mesmo tempo em que tenta atenuar a culpa
do ex-presidente, crava na própria narrativa jurídica o reconhecimento de uma
conspiração golpista — ainda que, segundo os advogados, ela não tenha passado
de intenções não executadas.
ICL Notícias