
Foto: Divulgação/MDAS
De cada dez pessoas que recebiam o Bolsa Família em 2014,
seis conseguiram deixar o programa assistencial nos dez anos seguintes. A
constatação faz parte do estudo Filhos do Bolsa Família, divulgado nesta
sexta-feira (5) pela Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro.
O levantamento feito em parceria com o Ministério do
Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) mostra
também que a maior taxa de saída do programa é dos que eram adolescentes em
2014.
Enquanto a taxa média de saída dos beneficiários foi de
60,68%, entre os jovens de 15 a 17 anos de idade, a proporção chega a 71,25%.
Ou seja, de cada dez, sete deixaram de precisar da transferência de renda nos
dez anos seguintes.
Em seguida, figura a faixa de 11 a 14 anos, com 68,80%. Já
entre as pessoas que tinham até 4 anos de idade, a proporção das que deixam o
programa no intervalo de uma década foi de 41,26%.
O público avaliado na pesquisa é classificado como a
“segunda geração” do programa criado em 2003.
Mobilidade social
Autor do estudo, o professor de economia da FGV Valdemar
Rodrigues de Pinho Neto classifica o Bolsa Família não só como um alívio dos
efeitos da pobreza imediata, mas também como forma de mobilidade social.
Ele destaca a importância das condicionalidades de saúde e
educação, como a obrigatoriedade de o responsável manter crianças na escola,
cobertura vacinal em dia e realização de exame pré-natal.
“Transferência de renda e, ao mesmo tempo, viabilizar o
fomento de capital humano desses jovens, para que no futuro, tendo
oportunidades de trabalho, de empreendedorismo, eles consigam acessar o setor
produtivo, ter melhores condições socioeconômicas e, de certa forma, viabilizar
essa mobilidade”, diz.
O pesquisador aponta que a saída de pessoas do Bolsa Família
é fator determinante para a continuidade da política social.
“No contexto de recursos escassos para o governo, saber que
os filhos do Bolsa Família não necessariamente estarão presentes no programa no
futuro, de certa forma, diz um pouco também a respeito da própria
sustentabilidade do programa.”
Valdemar Neto assinala que as pessoas que deixaram o Bolsa
Família não ficaram desprotegidas. No grupo dos que tinham 15 a 17 anos em
2014, 28,4% tinham vínculo formal de emprego dez anos depois; e mais da metade
(52,67%) tinha deixado o Cadastro Único (CadÚnico), porta de entrada para
programas sociais do governo, voltado à população mais vulnerável.
A pesquisa buscou informações do mercado de formal de
trabalho por meio da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério
do Trabalho e Emprego, declaração anual obrigatória que as empresas enviam ao
governo para registrar dados sobre trabalhadores.
Situação ao redor
A pesquisa concluiu que o ambiente socioeconômico no qual
estão inseridos os beneficiários do Bolsa Família influenciou a taxa de saída
do programa no período de 2014 a 2025.
Entre outras constatações, o levantamento aponta que:
- Em áreas urbanas, a taxa de saída de jovens de 6 a 17 anos
(67%) supera a de regiões rurais (55%);
- Jovens de 6 a 17 anos em famílias na qual a pessoa de
referência tem emprego com carteira têm taxa de saída (79,40%) superior à de
quem trabalha sem carteira (57,51%) e por conta própria (65,54%);
- Jovens de 6 a 17 anos em famílias na qual a pessoa de
referência tem ensino médio têm taxa de saída (70%) acima de quando a
escolaridade é apenas fundamental completo (65,31%).
“Pais que têm mais acesso à educação conseguem romper a
pobreza que a gente chama de pobreza intergeracional. Então, filhos de pais
mais educados, obviamente, também conseguem sair mais do programa”, avalia
Neto.
Difícil estudar com fome
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família
e Combate à Fome, Wellington Dias, comemorou os números de saída do programa e
afirmou que “o Bolsa Família não é um fim, mas um começo”.
“É muito difícil dar passos largos sem tirar da fome. É
difícil estudar se não tirar da fome. É difícil trabalhar se não tirar da fome.
Esse passo justifica os mais pobres no Orçamento”, afirma.
Tendência recente
O estudo da FGV traz dados do Novo Bolsa Família, a versão
atual do programa, iniciada em 2023.
Entre os beneficiários observados no início de 2023, cerca
de um terço (31,25%) já não estava mais no programa em outubro de 2025. Entre
jovens de 15 a 17 anos, a saída é ainda mais elevada nos três anos: 42,59%
Nesse período, a entrada mensal de famílias no programa (359
mil em média) fica abaixo da média de saída, 447 mil.
“Já oferece uma ideia do que a gente pode esperar na década
seguinte”, aponta Valdemar Pinho Neto.
“Assim como a [taxa de saída da] segunda geração foi melhor
que a da primeira, a terceira espera-se que seja melhor que a da segunda”.
A pesquisa da FGV foi divulgada na mesma semana em que o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que mais de 8,6
milhões de brasileiros deixaram a linha da pobreza em 2024, reduzindo a
proporção da população na pobreza para 23,1%, a menor já registrada desde 2012,
quando começou a série histórica do instituto.
O mercado de trabalho aquecido e programas sociais foram
apontados como motivos da redução no número de pobres.
Mecanismo de autonomia
O pesquisador Valdemar Pinho Neto enfatizou a importância de
duas características da nova versão do programa.
Um é a regra de proteção, que não tira automaticamente da
lista de beneficiário a pessoa que conseguiu emprego. Há um período de
adaptação e a garantia de que ela poderá voltar a ser atendida, sem fila de espera,
caso perca o emprego.
O outro é o Programa Acredita, que oferece microcrédito para
apoiar empreendedores de baixa renda.
“A ideia é que a transição do Bolsa Família para o mercado
de trabalho seja algo mais suave e não uma decisão muito drástica na vida dos
beneficiários”, salienta o professor.
Bolsa Família
O critério inicial para uma pessoa ser beneficiária do Bolsa
Família é ter renda mensal familiar de até R$ 218 por pessoa (quanto a família
ganha por mês, dividido pelo número de pessoas).
O benefício base é de R$ 600, que pode ser aumentado em
casos de haver criança e grávida na família, por exemplo. O valor médio do
benefício está em R$ 683,28. Em novembro, o programa tinha 18,65 milhões de
famílias e custava R$ 12,69 bilhões.
Bruno de Freitas Moura/Juliana Andrade – Agência Brasil