Enviar emails para familiares e amigos, pesquisar receitas
para cozinhar no almoço ou jantar, fazer cursos de línguas e
profissionalizantes, procurar emprego ou moradia: todas essas possibilidades
rotineiras de uso da internet estão disponíveis agora a um grupo de presos em
Berlim.
Numa iniciativa inédita na Alemanha, a capital testa desde
junho um projeto piloto para a digitalização de penitenciárias. Nesta primeira
fase, 70 detentos de um presídio no sudoeste de Berlim foram selecionados para
receber os tablets disponibilizados pelo governo.
O projeto faz parte do processo de ressocialização dos
criminosos. Além de disponibilizar cursos profissionalizantes e contribuir para
a manutenção dos laços entre detentos e suas famílias e amigos, o uso da
internet permite que eles possam sair da prisão com perspectivas de emprego e
moradia.
"A internet é necessária para fazer contatos quando se
deseja que um preso, depois de cumprir a pena, viva sem cometer crimes. Não
adianta nada se um detento após duas semanas solto volta para a prisão porque
não encontrou um emprego ou uma casa e, por isso, precisou cometer algum
delito", afirma Sebastian Brux, porta-voz da Secretária Estadual para
Justiça, Proteção ao Consumidor e Antidiscriminação, que coordena o projeto.
Mas não é somente a importância para a ressocialização que
motivou a digitalização nas penitenciárias berlinenses. A legislação alemã
prevê o princípio de igualdade, pelo qual presídios devem proporcionar aos
detentos um ambiente o mais próximo possível da realidade fora das grades. Uma
vida sem internet é difícil de imaginar nos dias atuais.
Para Heinz Cornel, professor de diretor e criminologia da
Faculdade Alice Salomon, em Berlim, a iniciativa é extremamente necessária
diante a expansão digital das últimas décadas.
"Para ressocialização é importante que os presos
mantenham referências de fora da prisão e que sua comunicação não seja reduzida
ao mundo interno dos presídios. Além disso, toda a preparação para a saída da
prisão, como a busca por moradia ou emprego, só é possível por meio da
internet. É ruim quando eles saem da prisão e não sabem para onde ir e o que
fazer", avalia o especialista.
Cornel destaca ainda que a internet contribui para a
formação profissional de detentos e lembra que vários estudos mostram que,
quanto mais preparados os presos estiverem para a vida fora da prisão, menor é
o índice de reincidência entre aqueles que já cumpriram pena.
Apesar de ser inédita na Alemanha, iniciativas semelhantes
já existem na Dinamarca e na Noruega, segundo Cornel. Nestes dois países
nórdicos, os detentos que cumprem pena em penitenciárias de regime semiaberto
já tem acesso à internet. Além do exemplo europeu, presídios em diversos
Estados americanos também estão começando a disponibilizar tablets aos presos.
Sites, anexos e
câmera bloqueados
Em Berlim, os tablets são de uso pessoal e guardados pelos
presos dentro das suas celas. Cada um dos participantes do projeto possui uma
senha individual para ter acesso ao aparelho. Para evitar o uso dos computadores
em golpes ou atividades criminosas, um filtro de segurança foi desenvolvido
pelo Instituto Fraunhofer para Sistemas de Comunicação Abertos.
Este sistema possibilita apenas o acesso a cerca de 30
sites, entre eles cursos online, de receitas, de notícias, e parte do serviço
de streaming de uma emissora de televisão alemã. Além disso, não possível
enviar ou receber anexos por email e a câmera do aparelho é bloqueada.
Segundo Brux, nestes primeiros meses de teste, a busca por
receitas culinárias foi um dos usos mais populares da internet por detentos.
Nas penitenciárias de Berlim, os presos estão divididos em estações onde há uma
cozinha comunitária e, apesar de receberam as refeições prontas, eles podem
optar por cozinhar por conta própria. Nesse caso, eles fazem uma lista dos
ingredientes de que precisam e, a cada duas semanas, é feita a entrega.
O teste revelou ainda que o outro uso bastante popular dos
tablets foi o do email como uma plataforma de chat, substituindo assim o
WhatsApp. Cerca de 24 mil mensagens foram enviadas neste período. "Há
presos que trocam cerca de 50 emails por dia com a esposa ou amigos",
destaca Brux.
Esse uso, porém, é baseado na confiança. Como o sigilo é
garantido por leis de proteção de dados e pelo segredo de correspondência, que
está determinado na Constituição alemã, as autoridades não têm acesso ao
conteúdo das mensagens trocadas. Apenas quando há suspeita de que a plataforma
está sendo utilizada para atividades criminais, a Justiça possibilita o
monitoramento.
"Um preso que realiza atividades ilegais vai usar meios
ilegais para isso, como um celular, e não os tablets que estamos
disponibilizando", afirma Brux.
De acordo com o porta-voz, mais de mil celulares ilegais são
encontrados por ano durante controles em prisões berlinenses, apesar de há anos
as celas serem equipadas com telefones fixos, que também não podem ser
monitorados por autoridades devido à legislação.
Os aparelhos são geralmente utilizados por detentos que
tentam continuar tocando seus negócios criminosos de dentro da prisão. Quando
um celular é encontrado, o aparelho é confiscado e o preso pode sofrer medidas
disciplinares.
Resultados positivos
O resultado preliminar desta primeira fase de teste foi
considerado positivo pelas autoridades. Nenhum aparelho foi danificado e não
foram cometidos crimes com eles. Apenas um caso de abuso foi registrado: um dos
participantes emprestou seu tablet e senha para outro preso que não foi
selecionado para a iniciativa. Neste caso, os dois foram excluídos do projeto e
transferidos para outra estação da penitenciária.
Brux ressalta que o sistema de segurança desenvolvido para
os aparelhos se mostrou altamente confiável.
De acordo com o porta-voz, 450 mil euros (mais de R$ 1,9
milhão) foram investidos no projeto neste ano e mais 450 mil euros já foram
destinados para 2019. Diante dos resultados positivos da primeira fase de
teste, no futuro, o governo pretende, conforme for recebendo verbas, ir
ampliando o acesso à internet até alcançar todos os cerca de 4.000 presos de
Berlim – BBC News.
Carlos Magno