O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta segunda-feira (29)
que "um dia" contará ao presidente da Ordem do Advogados do Brasil
(OAB), Felipe Santa Cruz, como o pai do jurista desapareceu na ditadura
militar, caso a informação interesse ao filho.
Segundo Bolsonaro, Santa Cruz "não vai querer saber a
verdade" sobre o pai, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, que
desapareceu no período na ditadura militar (1964-1985).
O presidente deu a declaração ao comentar o desfecho do
processo judicial que considerou Adélio Bispo, autor da facada em Bolsonaro
durante a campanha eleitoral, inimputável (isento de pena devido a doença
mental). Por isso, ele ficará em um manicômio em vez de um presídio.
Antes de falar sobre o pai de Santa Cruz, Bolsonaro criticou
a atuação da OAB no caso de Adélio Bispo e perguntou qual era a intenção da
entidade. Segundo o presidente, a ordem teria impedido o acesso da Polícia
Federal ao telefone de um dos advogados do autor da facada.
“Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no
telefone de um dos caríssimos advogados [do Adélio]? Qual a intenção da OAB?
Quem é essa OAB?”, questionou o presidente.
Sem ser questionado, Bolsonaro falou na sequência sobre o
pai do presidente da OAB.
“Um dia se o presidente da OAB [Felipe Santa Cruz] quiser
saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele.
Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”, disse Bolsonaro.
“Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar às
conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais
sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco, e veio a desaparecer no
Rio de Janeiro”, complementou.
Em nota de repúdio às declarações de Bolsonaro, a OAB afirmou
que todas as autoridades do país devem "obediência à Constituição
Federal", que tem entre seus fundamentos "a dignidade da pessoa
humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos"
(leia a íntegra da nota ao final da reportagem).
Disse ainda que o cargo de presidente exige equilíbrio e
respeito aos valores constitucionais, "sendo-lhe vedado atentar contra os
direitos humanos". Por último, a diretoria da OAB manifestou solidariedade
não só à família do presidente da entidade mas também a "todas as famílias
daqueles que foram mortos, torturados ou desaparecidos" no país.
Conforme informou o colunista do G1 Matheus Leitão, o pai do
presidente da OAB militou no movimento estudantil e participou da Juventude
Universitária Católica (JUC), movimento da Igreja reconhecido pela hierarquia
eclesiástica, e depois integrou a Ação Popular (AP), organização de esquerda
contrária ao regime.
Fernando desapareceu em um encontro que teria no Rio de
Janeiro, em 1974, com um colega militante, Eduardo Collier Filho, da mesma
organização. Segundo o livro "Direito à memória e à verdade",
produzido pelo governo federal, Fernando e o colega foram presos juntos em
Copacabana por agentes do DOI-CODI-RJ em 23 de fevereiro daquele ano.
Sobre a declaração de Bolsonaro, a diretora da Anistia
Internacional, Jurema Werneck disse que "é terrível que o filho de um
desaparecido pelo regime militar tenha que ouvir do presidente do Brasil, que
deveria ser o defensor máximo do respeito e da justiça no país, declarações tão
duras".
A nota diz ainda que o Brasil deve adotar as medidas
necessárias para que casos como esses sejam levados à Justiça e que o direito à
memória, justiça, verdade e reparação das vitimas, sobreviventes e suas
famílias deve ser defendido e promovido pelo Estado brasileiro e seus
representantes.
'Ato abominável'
Em abril de 2016, dias depois de aberto o processo de
impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a seccional da OAB do
Rio de Janeiro, comandada à época por Felipe Santa Cruz, protocolou na Câmara
dos Deputados um requerimento pedindo a cassação do mandato do então deputado
Jair Bolsonaro por quebra de decoro parlamentar e apologia à tortura.
Na oportunidade, Bolsonaro, ao declarar seu voto favorável à
abertura do impeachment, homenageou Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado
por tortura durante a ditadura militar.
"Pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante
Ustra, o pavor de Dilma Rousseff", disse o então deputado ao votar pela
abertura do processo.
A seccional da OAB do Rio também enviou um ofício ao então
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, classificando a declaração como
um “ato abonminável” e pedindo providência do Ministério Público.
Ustra foi condenado na área cível a pagar indenização por
danos morais por tortura. O relatório final da Comissão Nacional da Verdade
afirma que Ustra cometeu crimes de tortura e execuções.
OAB no caso Adélio
Em março, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região (TRF-1) Néviton Guedes atendeu a pedido Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil (CFOAB) e da OAB de Minas Gerais e suspendeu apurações
sobre a suposta participação do advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que
defendeu Adélio, no atentado contra o presidente.
Em dezembro, sob justificativa de tentar identificar quem
estaria financiando a defesa do autor do atentado, a PF em Minas Gerais cumpriu
dois mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao advogado.
Foram apreendidos na ocasião livros caixa, recibos e
comprovantes de pagamento de honorários e de seu aparelho telefônico. Na
ocasião, a OAB disse que ação da PF em locais ligados a Zanone "viola
prerrogativas da advocacia".
'Maluco até morrer'
Bolsonaro também comentou a decisão da Justiça Federal de
considerar Adélio inimputável e impor medida de segurança de internação por
prazo indeterminado. O presidente e o Ministério Público Federal não recorreram
da decisão e o processo foi encerrado.
Com a decisão, após análises de laudos psiquiátricos, Adélio
não poderá ser punido criminalmente após facada contra Bolsonaro.
Bolsonaro explicou que, como não recorreu, Adélio será
considerado “maluco até morrer”, detido em um manicômio judicial. O presidente
disse desejar que Adélio revele mais informações sobre o atentado.
“Como não recorri, agora ele é maluco até morrer. Vai ficar
em um manicômio judicial, uma prisão perpétua. Estou sabendo que ele está
aloprando lá. Abre a boca, pô. Ah, não tem valor porque é maluco, abre a boca,
pô! Quem sabe dê o fio da meada”, disse o presidente.
Nota
Leia a íntegra da nota divulgada pela diretoria da Ordem dos
Advogados do Brasil:
NOTA DE REPÚDIO ÀS DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
A Ordem dos Advogados
do Brasil, através da sua Diretoria, do seu Conselho Pleno e do Colégio de
Presidentes de Seccionais, tendo em vista manifestação do Senhor Presidente da
República, na data de hoje, 29 de julho de 2019, vem a público, no uso das
atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 44, da Lei nº 8.906/1994,
dirigir-se à advocacia e à sociedade brasileira para afirmar que segue:
1. Todas as
autoridades do País, inclusive o Senhor Presidente da República, devem
obediência à Constituição Federal, que instituiu nosso país como Estado Democrático
de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual
se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos.
2. O cargo de
mandatário da Chefia do Poder Executivo exige que seja exercido com equilíbrio
e respeito aos valores constitucionais, sendo-lhe vedado atentar contra os
direitos humanos, entre os quais os direitos políticos, individuais e sociais,
bem assim contra o cumprimento das leis.
3. Apresentamos nossa
solidariedade a todas as famílias daqueles que foram mortos, torturados ou
desaparecidos, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe
Militar de 1964, inclusive a família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe
Santa Cruz, atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema do
Senhor Presidente da República.
4. A Ordem dos
Advogados do Brasil, órgão supremo da advocacia brasileira, vai se manter firme
no compromisso supremo de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado
Democrático, e os direitos humanos, bem como a defesa da advocacia,
especialmente, de seus direitos e prerrogativas, violados por autoridades que
não conhecem as regras que garantem a existência de advogados e advogadas
livres e independentes.
5. A diretoria, o
Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes das 27
Seccionais da OAB repudiam as declarações do Senhor Presidente da República e
permanecerão se posicionando contra qualquer tipo de retrocesso, na luta pela
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e contra a violação das
prerrogativas profissionais.
Brasília, 29 de julho
de 2019
Diretoria do Conselho
Federal da OAB
Colégio de Presidentes
da OAB
Conselho Pleno da OAB
Nacional
JAIR BOLSONARO
OAB
Carlos Magno
VEJA TAMBÉM:
- Cheirar
pum pode prevenir câncer, AVC, ataque cardíaco, artrite e demência, diz estudo
de universidade do Reino Unido
-
Assassinato de moradores de rua em Campina Grande-PB gera comoção: radialista
faz artigo em homenagem a "Maria Suvacão"
- UEPB vai ganhar curso de
Medicina no campus de Campina Grande. Veja detalhes
-Cliente que passar mais de
20 minutos em fila de banco na Paraíba receberá indenização
-
Jovem forja a própria morte para saber "quais pessoas se importariam com
sua ausência" e vem a público pedir desculpas