A obra do Padre Ibiapina fez surgir em Campina Grande a Casa
de Caridade em 25 de agosto de 1868. Como observa-nos Câmara Cascudo, em todo
século XIX estes mensageiros da fé católica pregaram a Palavra de Deus e
socorreram os desertados da seca e da fome nos interiores mais isolados da
Província, gente que estava privada da assistência direta do poder público.
Desta maneira, os missionários itinerantes conquistaram o
respeito e a admiração das populações nordestinas, “enchendo com os sinais da
sandália humilde os caminhos do sertão bravio”. Na Paraíba existiram dez Casas
de Caridade, situadas em nossos distritos e cidades. Em Campina, esta tomou
lugar na atual Avenida Assis Chateaubriand, onde se instalou mais tarde o
Parque Industrial da SANBRA (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro).
Ali havia um conjunto construído no modelo de casa grande em
forma retangular, contendo capela, salas, refeitório e dormitórios. Tudo
providenciado para o acolhimento das moças órfãs que recebiam o devido cuidado
humano, social e religioso. Faziam trabalhos manuais, aprendiam a tecer, ler e
contar.
Com o desparecimento do Padre Mestre Ibiapina a partir de
1883, coube ao Monsenhor Sales, recém-designado para a Paróquia de Campina
Grande, a tarefa de grande defensor e incentivador da obra caritativa e
espiritual. O vigário trouxe para a Casa instrutores encarregados da
profissionalização das beatas, capacitando-as para o artesanato, costura e
confecção dos materiais destinados ao culto sagrado.
O número de beatas
atingiu trinta residentes, além das órfãs e jovens abandonadas. O externato
matriculou mais de trezentas alunas entre 1918-1920 com o curso primário, aulas
de corte e costura, canto, religião e arte culinária. Uma espécie de escola
doméstica feminina.
No período do seu paroquiato, as beatas exerceram um
relevante papel e apostolado na Igreja Matriz de Nossa Senhora da
Conceição. Foram elas que aos sábados
ornamentavam com zelo e delicadeza o altar da padroeira e dos santos, com as
flores recolhidas do próprio jardim da igreja.
Confeccionavam as toalhas, vestes, hábitos, paramentos
sacerdotais e as demais alfaias relacionadas à celebração da Eucaristia e dos
sacramentos. Recebiam encomenda de outras paróquias e das redondezas que, por
sua vez, contavam com os seus serviços, ao tempo em que se obrigavam com o
sustento, apoio e manutenção da Casa de Caridade.
Outra participação das beatas a ser lembrada diz respeito ao
canto coral na Santa Missa por elas executado. Conta-se que até homens
indiferentes às coisas sacras, adentravam a Matriz para atentamente ouvi-las
cantar aos domingos. Na realidade, parece-nos que o oficio delas espalhava na
cidade um frescor de leveza e de bondade, capaz de tocar as almas mais arredias
e resistentes.
Neste ano em curso – momento em que celebramos 250 da Igreja
Matriz – é importante recordar o seu significado histórico na defesa da vida e
da dignidade humana. Oportuno também é
conceber que se faz história não para alimentar saudosismos ou para tecer a
simplista glorificação de um passado distante. Não é esta a sua necessidade e
tarefa.
A história se conta
para compreender os dinamismos humanos dos quais somos resultado e partindo
disto olhar novas possibilidades. Narra-se o passado para colocar o homem
sempre responsável pelo seu presente. História é compreensão da temporalidade,
do tempo vivido que não é estático, porque se renova continuamente.
Neste sentido, a Igreja de Campina Grande tem um bonito
caminho feito e por fazer.
Hoje existe em nossa Diocese, doze Casas que são obras de
caridade e dezoito pastorais ditas de fronteira e de promoção da vida,
acompanhadas pelo Vicariato Episcopal da Caridade, Justiça e Paz.
Essencialmente, a obra de tornar o evangelho próximo dos
pobres, sofredores e desvalidos continua sendo a mesma que estava na intuição
dos curas de almas Ibiapina e Sales, naturalmente, respondendo às demandas
impostas pelo nosso tempo, como por exemplo, as situações de rua, os
dependentes químicos, o acesso à justiça, a sobriedade, as pessoas idosas, os
cadeirantes, os hospitais, etc.
As beatas da Casa de Caridade em Campina Grande anunciaram
no seu contexto a força transformadora do evangelho pelo testemunho da
misericórdia e da doação. Inspiração e
exemplo para nossa pastoral de saída no encontro com o rosto sofredor de Cristo
na carne dos irmãos fragilizados.
No aniversário jubilar da Igreja Matriz, porta que
testemunhou tamanha entrega, mova-nos o Espírito Santo de Deus para socorrer os
corações atribulados da nossa época. E novas vozes entoem o divino canto que se
concluirá um dia no Céu!
Padre Luciano Guedes é Pároco da
Catedral de Nossa Senhora da Conceição e Vigário Geral da Diocese de Campina
Grande
Coluna publicada originalmente no site
Paraibaonline.
Carlos Magno
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