As irmandades negras desempenharam um importante papel
religioso e social na Paraíba do século XIX. Eram jurisdições da Igreja
protagonizadas por leigos, em geral, homens de “cor”, isto é, escravos,
libertos ou nascidos livres. Foram confrarias com licenças da autoridade
eclesiástica, organizadas com seus próprios estatutos, sob a assistência
espiritual de um Capelão.
As irmandades estavam distribuídas no território da
Província em três áreas principais. No litoral situavam-se na cidade da Parayba
do Norte (Capital), Taquara (atual Pitimbu), Nossa Senhora da Guia (Lucena) e
Desterro de També (atual Pedras de Fogo). Na região do Brejo e Agreste
concentravam-se em Alagoa Nova, Alagoa Grande, Areia, Campina Grande e Serra do
Pontes (Ingá). No Alto Sertão encontravam-se em Sousa e Pombal. Entre as
principais atribuições desempenhadas por elas, observamos:
- Enterrar os mortos
com dignidade – numa sociedade escravista muitos corpos foram abandonados
nos campos, largados nos rios ou deixados nas portas das igrejas no intuito de
que algum sacerdote piedoso viesse a encarregar-se do enterro. Assim, a
irmandade constituiu-se num espaço de solidariedade e de cooperação para
garantir que todos os irmãos tivessem um justo velório, com cortejo fúnebre,
orações, recomendação dos corpos e presença de todos os associados. Essa era
sua principal tarefa.
- Organizar a festa anual do santo padroeiro –
A invocação principal era o culto de Nossa Senhora do Rosário. A festa
impunha-se ocasião privilegiada de socializar os irmãos e de consolidar os
laços de pertencimento e fraternidade. Era também a oportunidade de demonstrar
publicamente a visibilidade dos seus membros pela honra da procissão.
- Promover cartas de
alforria, saúde e assistência médica – através da tesouraria, arrecadavam-se
as esmolas empregadas para pleitear liberdades, socorrer os irmãos enfermos e
operar a caridade conforme fossem as ocorrências do lugar.
As irmandades foram espaços muito importantes para recuperar
o sentido da família e dos laços afetivos que muitos negros haviam perdido
pelos processos de negociação e deslocamentos geográficos. Ali havia festa para
o santo padroeiro e reforço da identidade
coletiva pelo direito à reunião, à celebração da vida e no fim da
jornada, uma morte decente e respeitada.
A ideia das “almas
vagueiras” que encontramos no imaginário popular dos nossos sertões, advém
destas experiências na medida em que o morto não recebesse o devido tratamento
e cuidado. Além disto, ser sepultado com as invocações da irmandade garantia
que aquele irmão faria sua partida com a alma protegida e ficaria recebendo
continuamente as preces dos irmãos.
Outro destaque a ser feito é que as irmandades tinham em sua
Mesa Diretora os papéis do Rei, Juiz, Tesoureiro, Escrivão, Procurador, Mesário
e Esmoler. Compreendemos que essas
representações davam aos seus membros a importância social geralmente omitida
no espaço político e administrativo vigente nas vilas e cidades do Império
brasileiro. Pelo amparo da comunidade e da atividade religiosa, estes homens
gozavam de um exercício importante na busca de amenizar as aflições materiais e
espirituais de suas corporações.
Em Campina Grande a secular Igreja de Nossa Senhora do
Rosário foi iniciada em 1831 e concluída em 1847. Com a reforma urbanística justificada
e empreendida pelos apelos do progresso a partir de 1940 (quando não mais
existia a irmandade), a igreja foi demolida, alargando-se a Avenida Floriano
Peixoto, corredor e símbolo principal da cidade moderna.
A sua edificação estava situada na área da Praça Clementino
Procópio e do Cine Capitólio. Com a sua desapropriação, seguidamente foi
construída a atual Igreja de Nossa Senhora do Rosário no bairro da Prata para
onde a cidade naturalmente expandia-se, recebendo esta o título de paróquia.
A compreensão desta trajetória faz-se importante ao
celebrarmos 250 anos da Igreja Matriz de Campina Grande, igreja que abrigou em
seu território esta obra tão relevante para a nossa história social. As nossas atuais pastorais do Menor, da
Promoção da Mulher, Sofredores de Rua e outras tantas que se encarregam do
serviço aos despossuídos do nosso tempo tem uma grande inspiração para
continuarem defendendo o valor inalienável da vida.
Assim como o escravo Onésimo, batizado pelo apóstolo Paulo e
recomendado como irmão muitíssimo querido no Senhor voltou para a casa de
Filemon com nova condição, as irmandades negras em nossa terra foram sementes
de uma sociedade onde todos devem se reconhecer verdadeiramente irmãos e
participantes da mesma família humana.
Pe. Luciano Guedes do Nascimento Silva
Vigário Geral e Pároco da Catedral
Carlos Magno
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