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14/09/2019

Nova coluna do Padre Luciano Guedes: “A igreja do Rosário”


As irmandades negras desempenharam um importante papel religioso e social na Paraíba do século XIX. Eram jurisdições da Igreja protagonizadas por leigos, em geral, homens de “cor”, isto é, escravos, libertos ou nascidos livres. Foram confrarias com licenças da autoridade eclesiástica, organizadas com seus próprios estatutos, sob a assistência espiritual de um Capelão.

 

As irmandades estavam distribuídas no território da Província em três áreas principais. No litoral situavam-se na cidade da Parayba do Norte (Capital), Taquara (atual Pitimbu), Nossa Senhora da Guia (Lucena) e Desterro de També (atual Pedras de Fogo). Na região do Brejo e Agreste concentravam-se em Alagoa Nova, Alagoa Grande, Areia, Campina Grande e Serra do Pontes (Ingá). No Alto Sertão encontravam-se em Sousa e Pombal. Entre as principais atribuições desempenhadas por elas, observamos:



 

- Enterrar os mortos com dignidade – numa sociedade escravista muitos corpos foram abandonados nos campos, largados nos rios ou deixados nas portas das igrejas no intuito de que algum sacerdote piedoso viesse a encarregar-se do enterro. Assim, a irmandade constituiu-se num espaço de solidariedade e de cooperação para garantir que todos os irmãos tivessem um justo velório, com cortejo fúnebre, orações, recomendação dos corpos e presença de todos os associados. Essa era sua principal tarefa.

 

 - Organizar a festa anual do santo padroeiro – A invocação principal era o culto de Nossa Senhora do Rosário. A festa impunha-se ocasião privilegiada de socializar os irmãos e de consolidar os laços de pertencimento e fraternidade. Era também a oportunidade de demonstrar publicamente a visibilidade dos seus membros pela honra da procissão.

 

- Promover cartas de alforria, saúde e assistência médica – através da tesouraria, arrecadavam-se as esmolas empregadas para pleitear liberdades, socorrer os irmãos enfermos e operar a caridade conforme fossem as ocorrências do lugar.

 

As irmandades foram espaços muito importantes para recuperar o sentido da família e dos laços afetivos que muitos negros haviam perdido pelos processos de negociação e deslocamentos geográficos. Ali havia festa para o santo padroeiro e reforço da identidade  coletiva pelo direito à reunião, à celebração da vida e no fim da jornada, uma morte decente e respeitada.

 

 A ideia das “almas vagueiras” que encontramos no imaginário popular dos nossos sertões, advém destas experiências na medida em que o morto não recebesse o devido tratamento e cuidado. Além disto, ser sepultado com as invocações da irmandade garantia que aquele irmão faria sua partida com a alma protegida e ficaria recebendo continuamente as preces dos irmãos.

 

Outro destaque a ser feito é que as irmandades tinham em sua Mesa Diretora os papéis do Rei, Juiz, Tesoureiro, Escrivão, Procurador, Mesário e Esmoler.  Compreendemos que essas representações davam aos seus membros a importância social geralmente omitida no espaço político e administrativo vigente nas vilas e cidades do Império brasileiro. Pelo amparo da comunidade e da atividade religiosa, estes homens gozavam de um exercício importante na busca de amenizar as aflições materiais e espirituais de suas corporações.

 

Em Campina Grande a secular Igreja de Nossa Senhora do Rosário foi iniciada em 1831 e concluída em 1847. Com a reforma urbanística justificada e empreendida pelos apelos do progresso a partir de 1940 (quando não mais existia a irmandade), a igreja foi demolida, alargando-se a Avenida Floriano Peixoto, corredor e símbolo principal da cidade moderna.

 

A sua edificação estava situada na área da Praça Clementino Procópio e do Cine Capitólio. Com a sua desapropriação, seguidamente foi construída a atual Igreja de Nossa Senhora do Rosário no bairro da Prata para onde a cidade naturalmente expandia-se, recebendo esta o título de paróquia.

 

A compreensão desta trajetória faz-se importante ao celebrarmos 250 anos da Igreja Matriz de Campina Grande, igreja que abrigou em seu território esta obra tão relevante para a nossa história social.  As nossas atuais pastorais do Menor, da Promoção da Mulher, Sofredores de Rua e outras tantas que se encarregam do serviço aos despossuídos do nosso tempo tem uma grande inspiração para continuarem defendendo o valor inalienável da vida.

 

Assim como o escravo Onésimo, batizado pelo apóstolo Paulo e recomendado como irmão muitíssimo querido no Senhor voltou para a casa de Filemon com nova condição, as irmandades negras em nossa terra foram sementes de uma sociedade onde todos devem se reconhecer verdadeiramente irmãos e participantes da mesma família humana.

 

Pe. Luciano Guedes do Nascimento Silva

Vigário Geral e Pároco da Catedral

 

Carlos Magno

 

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