A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a
possibilidade de prisão em segunda instância ficou só para novembro, mas pode
sofrer uma reviravolta. O voto da ministra Rosa Weber nesta quinta-feira (24),
que era a grande dúvida do julgamento, indicava que o julgamento poderia
terminar com a proibição da prisão antes do trânsito em julgado do processo.
Mas, ao sair do plenário, o presidente do STF, Dias Toffoli,
deu a entender que pode mudar seu posicionamento, até então contrário à prisão
em segunda instância. Ele será o último a votar – o julgamento nesta quinta foi
interrompido com um placar parcial de 4 x 3 a favor da execução antecipada da
pena após condenação em segundo grau da Justiça.
Toffoli só votou uma vez a favor da prisão em segunda
instância, em 2016, mas no mesmo ano mudou de ideia e tem votado contra essa
possibilidade nos últimos três julgamentos sobre o tema. Após o fim da sessão
desta quinta, porém, disse que ainda está elaborando seu voto e ainda pode ser
convencido a mudar de ideia.
"Estou ainda pensando meu voto. Estou, como o ministro
Marco Aurélio sempre costuma dizer, aberto a ouvir todos os debates", disse
Toffoli. "Muitas vezes o voto nosso na presidência não é o mesmo voto,
pelo menos eu penso assim, em razão da responsabilidade da cadeira, não é um
voto de bancada. É um voto que tem o cargo da representação do tribunal como um
todo", completou o ministro.
Pelo perfil dos ministros que ainda faltam votar, caberá a
Toffoli, o último a se pronunciar, o desempate da questão.
Rosa, a fiel da
balança no julgamento – até agora
Ao votar contra a prisão em segunda instância, Rosa fez uma
distinção entre dois tipos de prisão previstas na Constituição: a prisão pena e
a prisão cautelar (preventiva e temporária). A ministra afirmou que a prisão
pena só pode ter como fundamento a formação de culpa que, por sua vez, só pode
ser determinada após o trânsito em julgado. “Gostemos ou não”, afirmou Rosa.
A ministra disse entender a exigência da sociedade por um
sistema de Justiça mais rápido, em que os processos não demorem anos para gerar
punições, mas ressaltou que essa “exigência não pode ser atendida ao custo de
supressão de garantias fundamentais”. Para a ministra, a questão da celeridade
tem que ser resolvida pelo aperfeiçoamento da legislação penal.
Rosa também comentou a pressão da opinião pública sobre o
julgamento. Ela disse que em tempos de polarização política “não é difícil
ficar tentado a uma interpretação constitucional que subtraia direitos
fundamentais” em nome de conceitos como moralidade pública. A ministra afirmou
que as decisões do STF podem ser “muitas vezes rotuladas como impopulares”, mas
destacou que o conceito de democracia não é apenas o respeito à opinião da
maioria, mas engloba também a proteção de direitos fundamentais feita por
funções não eleitas, como o STF.
Segundo a ministra, a Constituinte de 1988 optou por
“consagrar expressamente a presunção de inocência” e de fazer isso “com um
marco temporal expresso ao definir com todas as letras, queiramos ou não, como
trâmite final da presunção de inocência, o trânsito em julgado”, disse a
ministra. Ela também citou as emendas apresentadas que flexibilizavam o marco
temporal para fim da presunção de inocência. Todas foram rejeitadas pela
Assembleia Nacional Constituinte.
Placar parcial: 4 x 3
contra prisão em 2ª instância
Depois de Rosa, foi a vez do ministro Luiz Fux votar. Ele se
posicionou a favor da prisão em segunda instância, ao lado dos ministros
Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, que votaram na
quarta-feira (23).
Para Fux, o que a Constituição garante ao falar em presunção
de inocência é que até o trânsito em julgado o réu tem direito a provar sua
inocência. Para o ministro, o conceito de presunção de inocência vai sendo
mitigado ao longo do trâmite do processo judicial contra os réus. Ele também
citou como exemplo a Lei da Ficha Limpa, que considera inelegíveis candidatos
condenados em segunda instância.
O ministro ressaltou, ainda, que depois da segunda instância
as chances de um réu provar sua inocência são “praticamente nulas”. “A Justiça
é cega, mas os juízes não são. Será que estamos falando aqui de réus pobres”,
questiona Fux. “Os crimes que temos assistidos que são cobertos pela presunção
de inocência não são crimes de pessoas humildes”, afirmou o ministro.
Por último votou o ministro Ricardo Lewandowski, que começou
seu voto rebatendo os dados trazidos pelo ministro Luís Roberto Barroso no dia
anterior sobre a diminuição da população carcerária no país a partir da decisão
do STF, em 2016, que autorizou a prisão em segunda instância.
Segundo o Conselho Nacional da Justiça (CNJ), de 2015 a
2019, foram realizadas 550 mil audiências de custódia, com quase 40% dos presos
em flagrantes sendo libertados. Para o ministro, a “alegada redução na
população carcerária”, demonstrada por Barroso “se deve aos trabalhos do CNJ,
que reduziram significativamente a população carcerária”, disse.
Lewandowski também disse que assumiu o cargo de ministro do
STF com o compromisso de cumprir a Constituição “sem concessões a opinião
pública ou publicada e a grupos de pressão”. Para o ministro, a Constituição
não admite interpretações ao tratar da presunção de inocência até o trânsito em
julgado. “Nossa Constituição não é uma mera folha de papel que pode ser rasgada
sempre que contraria as forças políticas do momento”, disse Lewandowski.
Quem falta votar
Por enquanto, apenas Rosa e Ricardo Lewandowski acompanharam
o relator, ministro Marco Aurélio, contra as prisões em segunda instância. Mas
a tendência é que pelo menos os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello também
votem contra a prisão em segunda instância. Carmen Lúcia será a primeira a
votar na próxima sessão e deve acompanhar a divergência, votando a favor da
prisão em segunda instância. Já o voto de minerva de Dias Toffoli passou a ser
uma incógnita.
Como na semana que vem não tem sessão agendada, a decisão
final vai ficar para novembro. Marco Aurélio diz não ver possibilidade de o
tema ser retirado de pauta. “[Toffoli] vai remarcar [o julgamento na próxima
sessão] porque tarda a definição dessa matéria. Liberei os processos em
dezembro de 2017”, disse o ministro.
Julgamento beneficia
Lula
Se o STF concluir o julgamento com a proibição da prisão em
segunda instância, um dos efeitos imediatos do novo entendimento pode ser a libertação
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele está preso desde abril do
ano passado, com base em uma condenação em segunda instância no processo do
tríplex no Guarujá.
O deputado federal Paulo Teixeira (PT-RS) acompanhou a
sessão do STF nesta quinta-feira e disse não ver outra possibilidade que não
seja a soltura de Lula. Segundo ele, a decisão do Supremo está madura e não há
como encontrar brechas para que o entendimento não seja cumprido. Ao longo do
tempo em que esteve na prisão, Lula quase foi solto algumas vezes, mas as
decisões que o favoreciam acabaram revogadas.
Mas a decisão contra a prisão em segunda instância não
beneficia só o petista. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há cerca
de 5 mil presos detidos apenas por causa da condenação em segunda instância no
país. Eles devem ser beneficiados com a decisão do Supremo – Gazeta do Povo.
Carlos Magno
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