Relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) obtido pela
Folha de S.Paulo aponta que o governo Jair Bolsonaro (PSL) mudou a lógica de
distribuição de verbas publicitárias para TVs abertas ao destinar os maiores
percentuais de recursos para Record e SBT -emissoras consideradas aliadas ao
Planalto, mas que não são líderes de audiência.
Embora seja a mais assistida do país, a Globo tem agora
participação no bolo bem menor que a das duas concorrentes, o que não se
verificava no passado, segundo o tribunal.
Desde a campanha eleitoral, a Globo tem sido alvo de
recorrentes ataques do presidente, que reclama da cobertura de seus programas
jornalísticos.
No fim de outubro, por exemplo, após reportagem que vinculou
seu nome ao caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, ele pôs em dúvida
a renovação da concessão da TV em 2022.
O TCU requereu à Secom (Secretaria de Comunicação Social da
Presidência) as planilhas de valores pagos, via agências de publicidade, para
as três TVs, e compilou os dados.
O objetivo foi subsidiar processo aberto a partir de
representação do Ministério Público de Contas para analisar se recursos estão
sendo distribuídos com critérios políticos, favorecendo Record e SBT.
Os dados indicaram uma inversão de tendência. Até o ano
passado, a Globo recebia valores mais próximos do seu share, ou seja, da
participação em audiência no total de emissoras ligadas.
Em 2017, ficou com 48,5% dos recursos e, em 2018, 39,1%.
Neste ano, com base em dados parciais, a fatia despencou para 16,3%.
Os percentuais da Record foram de 26,6% em 2017, 31,1% em
2018 e, agora, 42,6%; os do SBT, 24,8%, 29,6% e 41%, respectivamente.
No relatório, concluído em 31 de outubro, os técnicos do TCU
dizem ser necessário aferir se a “mudança de comportamento” do governo esteve
amparada em critérios “objetivos e isonômicos”.
A publicidade no governo federal é disciplinada por uma
instrução normativa do ano passado, que prevê a audiência como um critério para
a compra de mídia, mas não o único.
Também são levadas em conta outras características das
emissoras, como o seu perfil e alcance no país, além dos segmentos da população
que atingem.
Normalmente, as agências se baseiam em dados da Kantar Ibope
para definir o rateio. Segundo dados do instituto, entre janeiro e outubro
deste ano a Globo tem 33,1% do público da TV, contra 14,5% do SBT e 13,1% da
Record. Os dados se referem às 15 principais regiões metropolitanas.
Em oito campanhas dos dois últimos anos, a Globo sempre teve
participação majoritária, com share entre 37% e 57%. Já as duas concorrentes
variaram entre 10% e 24%.
Na corrida presidencial em 2018, o bispo Edir Macedo, líder
da Igreja Universal do Reino de Deus e dono da Record, manifestou apoio a
Bolsonaro, o que se seguiu de outros afagos após a posse.
Em setembro, o presidente visitou o Templo de Salomão, sede
da Universal em São Paulo, foi elogiado e abençoado por Macedo.
Dias depois, recebeu o bispo e o empresário Silvio Santos,
dono do SBT, no palanque da parada de Sete de Setembro em Brasília.
Bolsonaro e seus filhos têm priorizado as duas TVs em
aparições e viraram convidados rotineiros em seus programas mais populares.
Neste ano, segundo os dados obtidos pelo TCU e atualizados
até junho, o governo destinou R$ 16,1 milhões às três TVs. O grosso desses
recursos (R$ 15,3 milhões) refere-se à campanha sobre a reforma da Previdência.
O plano de mídia, documento que traçou as estratégias da
ação publicitária, diz que a distribuição se deu “conforme o share de audiência
e respeitou as negociações para que a campanha possa ser vista de forma mais
ampla”.
A Globo teve 18,1% da verba da campanha, a Record ficou com
44,5% e o SBT, com 37,4%.
Os dados de referência do Ibope, segundo o TCU, mostravam
que Record e SBT detinham, cada uma, cerca de um quinto da audiência das TVs
abertas naquele momento.
Houve também ações de merchandising, e a Globo ficou de
fora. Foram contemplados programas para os quais Bolsonaro dá entrevistas
recorrentes, defendendo medidas de sua gestão, como os dos apresentadores
Ratinho (SBT) e Datena (Band).
A reportagem levantou no site da Secom os pagamentos para os
três grupos televisivos, referentes às mais diversas campanhas, entre 1º de
janeiro e esta segunda-feira (11). A mesma tendência se mantém.
A Globo havia sido contemplada com R$ 10,5 milhões, o SBT
com R$ 16,3 milhões e a Record com R$ 19,7 milhões.
Com base nas constatações, os auditores do TCU querem que,
em 15 dias, a Secom apresente critérios “técnicos e objetivos” que justifiquem
a distribuição de anúncios da Previdência. Também reclamam as razões de escolha
dos programas para merchandising.
A decisão sobre essas providências será tomada pelo relator
do processo no TCU, ministro Vital do Rêgo.
Em 2019, as despesas da Secom com fornecedores em
publicidade, em diversos meios de comunicação, totalizavam R$ 140,7 milhões até
11 de novembro.
Nos dez anos anteriores, em valores atualizados pela
inflação, esse patamar variou entre R$ 156,4 milhões e R$ 280,9 milhões,
considerandos os 12 meses de cada ano.
Após se eleger, em 2018, Bolsonaro disse que os gastos com
propaganda estatal cairiam ainda mais em 2020.
Outro Lado
Procurada pela reportagem, a Secom informou, em nota, que os
critérios de seleção de veículos nas ações publicitárias “dependem dos
objetivos de campanha e não necessariamente são representados pelos índices de
participação de audiência, visto se tratar de informação modulada a partir do
público-alvo a ser impactado com a publicidade e da cobertura geográfica”.
Além dos índices de audiência, segundo a Secom, são
observadas variáveis como “afinidade, perfil e segmentação de público e relação
custo-benefício, entre outros”.
Questionada sobre qual é o interesse público em destinar
mais recursos a TVs menos vistas, o órgão afirmou que se vale de “um mix de
meios de comunicação, além do princípio da economicidade previsto na
Constituição Federal”.
“Não é uma realidade a presunção de que utilizar o veículo
de maior audiência é a melhor forma de investimento de comunicação”, informa a
nota do órgão.
A Secom negou ter havido orientação do presidente Jair
Bolsonaro para mudar o rateio das verbas para as TVs abertas.
Acrescentou que os valores pagos a uma emissora “são
advindos de programações de mídia com objetivos de veiculação de conteúdos
publicitários das campanhas de divulgação da Presidência” – Folhapress.
Carlos Magno
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