Maiores aliadas do sertanejo na convivência com a seca do
semiárido, as cisternas estão sendo construídas no ritmo mais lento já
registrado desde o lançamento do programa federal em 2003. Desde 2015, o ritmo
vem caindo e, no ano passado, atingiu seu índice mais baixo: apenas 30 mil
construções.
O número indica uma queda de 80% em apenas cinco anos. Em
2014, o Programa Cisternas — hoje mantido pelo Ministério da Cidadania e
reconhecido por premiações internacionais— financiou a construção recorde de
mais de 149 mil cisternas.
Segundo o Ministério da Cidadania, em 2019 foram construídas
"25.709 cisternas de primeira água, 4.784 cisternas de segunda água e 90
cisternas escolares."
"A previsão orçamentária do Programa para 2020 é de R$
129,3 milhões. Em 2019, foram executados R$ 67 milhões", informou a pasta
ao UOL.
A reportagem solicitou explicações adicionais sobre os
motivos da redução, mas não obteve resposta. Hoje, existem 1,3 milhão de
cisternas construídas no semiárido, sendo 1,1 milhão destinadas a consumo
humano.
Cisternas de primeira água são equipamentos com capacidade
de 16 mil litros construídos ao lado de residências para acumular água da
chuva. Ela escorre por meio de calhas montadas no entorno do telhado até chegar
ao reservatório. Em épocas de seca, serve também para receber e guardar água
distribuída por carros-pipa.
Há ainda dois outros tipos de cisternas que são construídas
com verbas do programa federal: as de segunda água, para pequenas produções, e
as escolares. Ambas têm capacidade para armazenar 52 mil litros de água.
No Nordeste, cisternas são apelidadas de "caixa d'água
do sertão" por garantirem a convivência do morador do semiárido com as
longas estiagens. Sem elas, nos períodos sem chuva, muitos sertanejos são
obrigados a se deslocar grandes distâncias ou mesmo se mudar em busca de uma
fonte de água.
O Programa Cisternas recebeu prêmios internacionais como o
Prêmio Sementes 2009, da ONU (Organização das Nações Unidas), concedido a
projetos de países em desenvolvimento feitos em parceria entre organizações não
governamentais, comunidades e governos.
Recebeu também o "Future Policy Award" (Política
para o Futuro), em 2017, da World Future Council, em cooperação com a Convenção
das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.
Longa fila de espera
Segundo a ASA (Articulação do Semiárido), ainda há demanda
por cerca de 343 mil cisternas de placas para consumo humano e mais de 700 mil
de segunda água.
"O programa Cisternas simboliza uma verdadeira
revolução na perspectiva do acesso à água pelas populações difusas do semiárido",
diz Marcos Jacinto, coordenador-executivo da ASA no Ceará.
"A cada ano, essa demanda se atualiza porque novas
famílias vão se formando e passam a demandar essas tecnologias. Nesse ritmo,
teríamos mais de uma década até conseguirmos universalizar", afirma.
Segundo ele, a situação é vista com grande preocupação pelas
mais de 3 mil entidades que compõem a ASA .
"E isso se acentua quando relacionamos o contexto de
anos seguidos de secas, como o que temos vivido desde 2012, com a demanda das
famílias que vivem no meio rural do semiárido e que ainda não possuem acesso
regular a água de qualidade para o consumo humano e atividades
produtivas", explica.
Sofrimento no sertão
Sem uma cisterna, o sofrimento do sertanejo sem água se
agrava. A dona de casa Joseane Maria da Conceição, 31, mora no sítio
Garanhunzinho, em Águas Belas (sertão pernambucano a 307 km do Recife).
Em 2018, quando se separou do marido, foi morar com os
quatro filhos em uma pequena casa, erguida no terreno de um tio, sem qualquer
acabamento.
"Assim que cheguei aqui, fui na prefeitura e fiz meu
cadastro, mas nunca fizeram a cisterna. Dizem que o governo não manda o
recurso. A vida sem ela é complicada demais", diz.
A mulher é obrigada a, diariamente, buscar água com um balde
de 20 litros no terreno vizinho, que fica a cerca de 500 metros. "Imagina
o senhor ter de ir buscar todo dia água para beber, dar banho em quatro
crianças, lavar pratos, escovar os dentes. É muito trabalho", conta.
Para evitar fazer tantas viagens ao terreno vizinho, ela
acaba usando água suja de um barreiro quase seco, localizado nos fundos do
terreno onde vive. "Mas só uso pra lavar o chão mesmo, porque a água é
ruim. Mas é melhor e menos trabalhoso", conta.
A delegada de base do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Águas Belas, Roberta Ferreira da Silva, 36, é responsável por acompanhar a
situação de moradores rurais de quatro comunidades que esperam a construção de
aproximadamente 50 equipamentos.
"Eles pararam de fazer. Até 2018, ainda saía um projeto
ou outro, mas agora tá parado", afirma ela, que também aguarda a
construção de uma cisterna para sua casa no sítio Campo Grande.
"Fiz o pedido ainda em 2016 com esperanças para o ano
seguinte, mas nada até agora. Quem tem cisterna pode se cadastrar na prefeitura
e receber carro-pipa. Quem não tem precisa carregar na cabeça mesmo. Todo mundo
reclama porque é algo muito injusto", relata.
Número de construções
cai desde 2015
A pedido do UOL, o Ministério da Cidadania disponibilizou a
série histórica com o número de cisternas construídas com verba federal desde a
criação do programa, em 2003:
Fonte: Ministério da Cidadania
*Não inclui os 12 meses do ano, já que o programa foi
lançado no segundo semestre – UOL.
Carlos Magno
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