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13/02/2020

Sob Bolsonaro, programa construiu menor número de cisternas de sua história; ritmo é o mais lente desse 2003


Maiores aliadas do sertanejo na convivência com a seca do semiárido, as cisternas estão sendo construídas no ritmo mais lento já registrado desde o lançamento do programa federal em 2003. Desde 2015, o ritmo vem caindo e, no ano passado, atingiu seu índice mais baixo: apenas 30 mil construções.

 

O número indica uma queda de 80% em apenas cinco anos. Em 2014, o Programa Cisternas — hoje mantido pelo Ministério da Cidadania e reconhecido por premiações internacionais— financiou a construção recorde de mais de 149 mil cisternas.

 

Segundo o Ministério da Cidadania, em 2019 foram construídas "25.709 cisternas de primeira água, 4.784 cisternas de segunda água e 90 cisternas escolares."

 

"A previsão orçamentária do Programa para 2020 é de R$ 129,3 milhões. Em 2019, foram executados R$ 67 milhões", informou a pasta ao UOL.



 

A reportagem solicitou explicações adicionais sobre os motivos da redução, mas não obteve resposta. Hoje, existem 1,3 milhão de cisternas construídas no semiárido, sendo 1,1 milhão destinadas a consumo humano.

 

Cisternas de primeira água são equipamentos com capacidade de 16 mil litros construídos ao lado de residências para acumular água da chuva. Ela escorre por meio de calhas montadas no entorno do telhado até chegar ao reservatório. Em épocas de seca, serve também para receber e guardar água distribuída por carros-pipa.

 

Há ainda dois outros tipos de cisternas que são construídas com verbas do programa federal: as de segunda água, para pequenas produções, e as escolares. Ambas têm capacidade para armazenar 52 mil litros de água.

 

No Nordeste, cisternas são apelidadas de "caixa d'água do sertão" por garantirem a convivência do morador do semiárido com as longas estiagens. Sem elas, nos períodos sem chuva, muitos sertanejos são obrigados a se deslocar grandes distâncias ou mesmo se mudar em busca de uma fonte de água.

 

O Programa Cisternas recebeu prêmios internacionais como o Prêmio Sementes 2009, da ONU (Organização das Nações Unidas), concedido a projetos de países em desenvolvimento feitos em parceria entre organizações não governamentais, comunidades e governos.

 

Recebeu também o "Future Policy Award" (Política para o Futuro), em 2017, da World Future Council, em cooperação com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.

 

Longa fila de espera

 

Segundo a ASA (Articulação do Semiárido), ainda há demanda por cerca de 343 mil cisternas de placas para consumo humano e mais de 700 mil de segunda água.

 

"O programa Cisternas simboliza uma verdadeira revolução na perspectiva do acesso à água pelas populações difusas do semiárido", diz Marcos Jacinto, coordenador-executivo da ASA no Ceará.

 

"A cada ano, essa demanda se atualiza porque novas famílias vão se formando e passam a demandar essas tecnologias. Nesse ritmo, teríamos mais de uma década até conseguirmos universalizar", afirma.

 

Segundo ele, a situação é vista com grande preocupação pelas mais de 3 mil entidades que compõem a ASA .

 

"E isso se acentua quando relacionamos o contexto de anos seguidos de secas, como o que temos vivido desde 2012, com a demanda das famílias que vivem no meio rural do semiárido e que ainda não possuem acesso regular a água de qualidade para o consumo humano e atividades produtivas", explica.

 

Sofrimento no sertão

 

Sem uma cisterna, o sofrimento do sertanejo sem água se agrava. A dona de casa Joseane Maria da Conceição, 31, mora no sítio Garanhunzinho, em Águas Belas (sertão pernambucano a 307 km do Recife).

 

Em 2018, quando se separou do marido, foi morar com os quatro filhos em uma pequena casa, erguida no terreno de um tio, sem qualquer acabamento.

 

"Assim que cheguei aqui, fui na prefeitura e fiz meu cadastro, mas nunca fizeram a cisterna. Dizem que o governo não manda o recurso. A vida sem ela é complicada demais", diz.

 

A mulher é obrigada a, diariamente, buscar água com um balde de 20 litros no terreno vizinho, que fica a cerca de 500 metros. "Imagina o senhor ter de ir buscar todo dia água para beber, dar banho em quatro crianças, lavar pratos, escovar os dentes. É muito trabalho", conta.

 

Para evitar fazer tantas viagens ao terreno vizinho, ela acaba usando água suja de um barreiro quase seco, localizado nos fundos do terreno onde vive. "Mas só uso pra lavar o chão mesmo, porque a água é ruim. Mas é melhor e menos trabalhoso", conta.

 

A delegada de base do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Águas Belas, Roberta Ferreira da Silva, 36, é responsável por acompanhar a situação de moradores rurais de quatro comunidades que esperam a construção de aproximadamente 50 equipamentos.

 

"Eles pararam de fazer. Até 2018, ainda saía um projeto ou outro, mas agora tá parado", afirma ela, que também aguarda a construção de uma cisterna para sua casa no sítio Campo Grande.

 

"Fiz o pedido ainda em 2016 com esperanças para o ano seguinte, mas nada até agora. Quem tem cisterna pode se cadastrar na prefeitura e receber carro-pipa. Quem não tem precisa carregar na cabeça mesmo. Todo mundo reclama porque é algo muito injusto", relata.

 

Número de construções cai desde 2015

 

A pedido do UOL, o Ministério da Cidadania disponibilizou a série histórica com o número de cisternas construídas com verba federal desde a criação do programa, em 2003:

 

Fonte: Ministério da Cidadania

 

*Não inclui os 12 meses do ano, já que o programa foi lançado no segundo semestre – UOL.

 

Carlos Magno

 

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