Apesar de mergulhados em uma crise diplomática, com direito
a troca de acusações, os governos de Brasil e Venezuela não estão em campos
opostos quanto à defesa aberta do uso da cloroquina no combate à pandemia do
novo coronavírus.
Tanto Jair Bolsonaro quanto Nicolás Maduro defendem a
eficácia do medicamento - apesar de ainda não ter sido confirmada
cientificamente.
Embora haja consenso sobre a substância, os dois líderes têm
posicionamentos contrários em relação ao isolamento social.
Enquanto Bolsonaro é contra o confinamento da população,
Maduro decretou o lockdown na Venezuela.
"Entre quarentena e produção, não há contradição",
disse o venezuelano na quarta-feira (13) quando renovou por mais um mês o
decreto de Estado de emergência.
Tanto Bolsonaro quanto Maduro defendem que a cloroquina seja
usada no combate à pandemia de coronavírus. O uso do medicamento, no entanto,
gera polêmica, devido a seus fortes efeitos colaterais e à falta de evidências
científicas sobre sua eficácia na cura da doença provocada pelo novo
coronavírus.
'Mudança do
protocolo'
Esse teria sido um dos motivos que levou o ministro da Saúde
brasileiro Nelson Teich a renunciar ao cargo. Sua saída aconteceu um dia após o
ministro receber um ultimato de Bolsonaro para mudar o protocolo de orientação
do Ministério da Saúde para uso da cloroquina no tratamento da covid-19.
Em recente live na sua conta de Facebook, Bolsonaro
disse que Teich revisaria no dia seguinte o protocolo do ministério para uso da
cloroquina, que ainda era o mesmo da gestão do ministro anterior, Mandetta.
O protocolo orienta que o medicamento deve ser usado apenas
em casos graves da covid-19 (pacientes hospitalizados com pneumonia viral), em
vez de ser ministrado já nos estágios iniciais da doença, como quer o presidente.
"Eu acho que amanhã o Nelson Teich dá uma
resposta para a gente. Eu acho que vai ser pela mudança do protocolo para que
se possa aplicar durante os primeiros sintomas, em especial para as pessoas
mais humildes", informou Bolsonaro, durante a live.
Pouco antes, em videoconferência com empresários, o
presidente disse que estava exigindo de Teich a mudança do protocolo.
"Estou exigindo a questão da cloroquina agora também. Se o Conselho
Federal de Medicina decidiu que pode usar cloroquina desde os primeiros
sintomas, por que o governo federal, via ministro da Saúde, vai dizer que é só
em caso grave?", disse.
Um parecer do Conselho Federal de Medicina (CFM) de abril
reforça a ausência de evidências científicas sobre a eficácia da cloroquina
contra a covid-19, mas diz que, "diante da excepcionalidade da
situação", é possível ministrar o remédio em três estágios da doença:
paciente com sintomas leves com diagnóstico de coronavírus confirmado; paciente
com sintomas importantes, mas ainda sem necessidade de cuidados intensivos, com
ou sem recomendação de internação; e paciente crítico recebendo cuidados
intensivos.
"Após analisar extensa literatura científica, a
autarquia reforçou seu entendimento de que não há evidências sólidas de que essas
drogas tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento dessa doença. Porém,
diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado da
pandemia de covid-19, o CFM entende ser possível a prescrição desses
medicamentos em três situações específicas", diz o parecer.
Dois dias antes de receber o ultimato do presidente, Teich
havia reforçado, em post no Twitter, sua preocupação com os
efeitos colaterais do medicamento.
"Um alerta importante: a cloroquina é um medicamento
com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em
avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o 'Termo de
Consentimento' antes de iniciar o uso da cloroquina", afirmou o então
ministro.
Em pronunciamento no dia em que entregou o cargo, Teich não explicou os
motivos que o levaram a deixar o comando do Ministério da Saúde.
"A vida é feita de escolhas e hoje eu escolhi
sair", disse.
Já Maduro publicou em sua conta oficial no Twitter uma
mensagem destacando a eficácia da cloroquina.
"Parabenizo a equipe científica da saúde de nosso país,
que trabalha de boa fé e amor para proteger a saúde das pessoas. Com eles,
avançamos na produção de difosfato de cloroquina, um medicamento eficaz para o
tratamento contra o Covid-19. Sim, nós podemos Venezuela!", escreveu o
presidente venezuelano.
Ministros militares
A saída de Teich voltou a pôr em evidência outro aspecto que
aproxima os governos de Bolsonaro e Maduro: a presença em grande número de
militares em postos-chave dos gabinetes.
Com a demissão do ministro, menos de um mês depois de
substituir Luiz Henrique Mandetta, assumiu o comando da pasta o então secretário-executivo, general Eduardo Pazuello, que não tem formação na
área de saúde.
Sobe, assim, o número de
ministros militares no governo Bolsonaro. Eles passam a controlar nove dos 22
ministérios (40,9%), proporção superior à da Venezuela, onde dez dos 34
ministérios (29,4%) são comandados por egressos das Forças Armadas, segundo a
ONG venezuelana Control Ciudadano.
No país vizinho, contudo, o Ministério da Saúde é chefiado
por um civil - o médico Carlos Alvarado González. Ele está à frente da pasta
desde junho de 2018.
Atualmente, os ministros de origem militar do gabinete de
Bolsonaro são, além de Pazuello: general da reserva Walter Souza Braga Netto
(Casa Civil), tenente-coronel da reserva Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia),
general da reserva Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional),
general da reserva Fernando Azevedo e Silva (Defesa), general Luiz Eduardo
Ramos (Secretaria de Governo), almirante Bento Costa Lima (Minas e Energia),
capitão da reserva Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) e capitão da
reserva Tarcísio Freitas (Infraestrutura).
Além disso, o Palácio do Planalto conta com cargos de
destaque ocupados por egressos das Forças Armadas, como o próprio presidente,
que é capitão reformado do Exército, o vice-presidente Hamilton Mourão, general
da reserva, além do porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, também
general da reserva.
Em fevereiro, Bolsonaro nomeou o almirante Flávio Augusto
Viana Rocha para comandar a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), que
ganhou novas funções e passou a estar subordinada diretamente ao presidente. A
SAE estava ligada anteriormente à Secretaria-Geral da Presidência, uma das
quatro pastas com status de ministério que funciona no Palácio do Planalto.
Já no caso da Venezuela, os militares são: coronel Jorge
Elieser Márquez (Despacho da Presidência e Continuação da Gestão do Governo),
major-general Néstor Reverol (Relações Interiores, Justiça e Paz), general
Vladimir Padrino López (Defesa), coronel Wilmar Castro Soteldo (Agricultura
Produtiva e Terras), general Ildemaro Moisés Villarroel Arismendi (Habitação e
Moradia), major-general Manuel Quevedo (Petróleo), major-general Carlos Leal
Tellería (Alimentação), general de divisão Raúl Alfonso Paredes (Obras
Públicas), Almirante Gilberto Pinto Blanco (Desenvolvimento de Mineração
Ecológica) e major-general Gerardo Izquierdo Torres (Nova Fronteira de Paz).
A presença de tantos militares no Executivo capitaneada por
Bolsonaro preocupa especialistas.
"Não se trata de um cenário ideal do ponto de vista das
instituição democráticas", diz Rafael Cortez, cientista político da
Tendências Consultoria Integrada.
Segundo ele, as Forças Armadas e a política têm naturezas
distintas.
"Os militares funcionam na base da hierarquia e a
política é horizontalizada; é o terreno da igualdade. Evidentemente que existe
uma tensão", acrescenta.
Crise diplomática
No início deste mês, em mais um capítulo da crise entre
Brasil e Venezuela, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu uma ordem de
expulsão de diplomatas venezuelanos que estão no Brasil representando o regime
de Maduro.
Na ocasião, o Itamaraty enviou documento à Embaixada e aos
consulados venezuelanos no país e listou 34 funcionários que deveriam sair do
Brasil — junto com seus dependentes.
Bolsonaro reconhece o líder opositor Juan Guaidó como
presidente da Venezuela, e não Maduro. O governo também considera a advogada
María Teresa Belandria, enviada por Guaidó ao Brasil, como a embaixadora
legítima do país vizinho – BBC News.
Carlos Magno
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