As Forças Armadas já preveem que terão uma “enorme” conta
para pagar ao fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro pela presença de
militares na cúpula e na base do governo. Em conversas nos quartéis e gabinetes
de Brasília, oficiais admitem que a nova incursão na política, após 35 anos do
fim da ditadura militar, trará desgaste à imagem da instituição e temem perder
a credibilidade duramente reconquistada por causa do envolvimento com o governo
e a perspectiva de seu naufrágio.
O Exército é quem deve ficar com o maior ônus por ter um
maior contingente no quadro da máquina pública bolsonarista. Levantamento do
Ministério da Defesa, feito a pedido do Estadão, mostra que militares da ativa
já ocupam quase 2,9 mil cargos no Executivo. São 1.595 integrantes do Exército,
680 da Marinha e 622 da Força Aérea Brasileira (FAB).
Destes, 42% estão empregados na estrutura da Presidência,
especialmente no Gabinete de Segurança Militar, um órgão que foi reforçado no
atual governo. Três oficiais ocupam o primeiro escalão: Walter Braga Netto
(Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz
Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). O incômodo com uma possível cobrança
ocorre diante da constatação de que o pessoal da ativa nas Forças Armadas está
não apenas em cargos estratégicos, mas em postos comissionados. São vagas de
Direção e Assessoramento Superior, os DAS, com vencimentos que vão de R$ 2.701
a R$16.944 por mês.
Na prática, seja qual for o governo, sempre haverá desgaste
para quem participar dele. No caso da gestão Bolsonaro há um adicional. É um
governo que vive em crise constante e são frequentes as cobranças para que os
oficiais se manifestem sobre todos os atos polêmicos do presidente, como
participar de manifestações antidemocráticas. O que tem exigido do ministro da
Defesa, Fernando Azevedo, divulgar notas para reafirmar o compromisso
constitucional das Forças com a democracia.
Na última semana, o ministro Luiz Eduardo Ramos, que é
general da ativa, se viu obrigado a dar explicações a seus colegas de turma da
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) após o Estadão revelar que ele tem
oferecido cargos ao Centrão, bloco fisiológico de partidos, em troca de apoio
ao governo no Congresso. “É pelo respeito que tenho ao meu Exército que estou
divulgando essa mensagem”, disse, ressaltando não ser “político” e estar
cumprindo uma “missão”. O ministro já havia causado desconforto ao usar farda
numa solenidade, ao lado do presidente, em 30 de abril, no Comando Militar do
Sul, em Porto Alegre.
Até mesmo a fama de bons gestores dos militares é colocada
em xeque. Chocou ministros do Supremo o fato de nenhum dos generais presentes
já na famosa reunião de Bolsonaro com sua equipe ter pedido moderação aos seus
colegas que atacaram outros poderes com palavras de baixo calão. Um ministro
ouvido pelo Estadão observou que os generais, no mínimo, não deveriam ter
permitido a gravação do encontro.
A presença dos militares no Ministério da Saúde também causa
preocupação. Eles tomaram conta da pasta no momento em que o novo coronavírus
avança e dois médicos civis pediram demissão por discordarem da orientação do
presidente na condução da crise, o que o atual cumpre à risca.
Especializado em logística, Pazuello já nomeou 20 militares
e pretende chamar mais 37, no mínimo por três meses. A militarização também
avançou para postos que requerem experiência específica. Na quarta-feira, por
exemplo, o coronel do Exército Luiz Otávio Franco Duarte foi nomeado secretário
de Atenção Especializada, responsável por habilitar leitos de UTI e distribuir
recursos para Estados e prefeituras.
Marinha
Mesmo com menos pessoal no governo, a Marinha já espera uma
cobrança por sua atuação na gestão Bolsonaro. A presença do almirante Flávio
Rocha, recém-promovido a quatro estrelas, no Palácio do Planalto preocupa a
instituição. Rochinha, como é chamado no meio, tem recebido diferentes missões
do presidente, como contornar a crise na Secretaria da Cultura. O outro
almirante é Bento Albuquerque, que comanda Minas e Energia.
Aeronáutica
De todas as forças, a Aeronáutica é, até agora, a mais
preservada de eventuais desgastes. Apesar de ser tenente-coronel da reserva no
comando do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes não foi
escolhido por ser da FAB.
Na avaliação do cientista político e pesquisador da Fundação
Getúlio Vargas (FGV) Carlos Pereira, “é natural” que Bolsonaro “vá buscar apoio
no setor onde dispõe de maior confiança”. Pereira alertou, porém, que as Forças
Armadas correm risco muito grande ao embarcar, com essa proporção, em um
governo. “As Forças Armadas demoraram muito tempo para limpar seu nome e
cumprir seu papel constitucional. Agora, correm o risco de se comprometer mais
uma vez”, afirmou o cientista político e colunista do Estadão.
Carlos Magno
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