No Brasil e no mundo, a cobertura vacinal da população tem
caído ano após ano. A tendência de queda foi agravada em 2020, por causa da
pandemia, com muitas pessoas tendo medo de sair de casa para ir ao posto de
saúde. Na maioria dos Estados brasileiros, a campanha de multivacinação durante
o mês outubro não atingiu nem 40% das crianças que deveriam comparecer – a meta
era 90%. O governo paulista decidiu prorrogar a campanha até 13 de novembro,
para tentar alcançar mais gente.
A desinformação sobre o tema é apontada como uma das causas
da queda. “O fenômeno mundial de hesitação em vacinar está ligado às fake news.
Os grupos antivacina são profissionais na comunicação”, diz Isabella Ballalai,
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações. Segundo ela, 50% das
mensagens antivacina nas redes sociais são importadas dos Estados Unidos ou
Europa, traduzidas para o português. E ela garante que é mais seguro ir ao
posto de saúde do que ir a um bar.
Natalia Pasternak, doutora em microbiologia pela
Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Questão de Ciência,
diz que o movimento contra vacinação é muito organizado e, no Brasil, é
patrocinado por empresas que promovem curas naturais. Para combater a
desinformação, ela incentiva cientistas a participar do TikTok. “Precisamos
ocupar o espaço das mídias sociais com informação de qualidade, mas de forma
divertida e informal, que estimule a interação”, diz.
Não é só a propagação de notícias fraudulentas que tem
afastado as pessoas do posto de vacinação. “Há questões estruturais. O Programa
Nacional de Imunizações ficou sem coordenador por muito tempo”, cita Pedro
Vasconcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, embora
ressaltando que o PNI é muito respeitado.
“O horário restrito para dar vacinas é um problema que as
secretaria de saúde não resolvem. Tem populações que vivem no interior, em
áreas rurais, que só vão para as cidades nos fins de semana, quando o posto
está fechado. Em Minas Gerais, essa falta de acesso foi crucial para a
propagação da febre amarela”, lembra.
Alberto dos Santos de Lemos, infectologista do Instituto
Nacional de Infectologia Evandro Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz, defende que,
além de atenderem fora de horário comercial, é importante que os agentes de
saúde levem vacinas a comunidades afastadas, montem postos volantes. Mas ele
acredita que a queda vacinal também reflete a diminuição da importância da
ideia de coletividade. “A vacina é para cada um e para todo mundo. Quando me
vacino, protejo o outro também. O individualismo atual contribui para a queda
de cobertura.”
A vacinação contra a covid-19 deve ser obrigatória? Para
vários cientistas, essa discussão não faz sentido no momento. “O importante é
as pessoas entenderem que a vacina é um direito. A gente tem o direito de ser
vacinado. Vacina é um privilégio até, porque o Brasil tem um programa de
vacinação de dar inveja a muito país desenvolvido”, diz Natalia. Para ela, a
logística da distribuição também é o assunto urgente. “Vamos ter seringas para
aplicar? Vidraria para envasar? Quem vai treinar os agentes de saúde?”
Nem todas as opções de vacinas oferecidas serão viáveis para
a realidade brasileira. Uma das vacinas sendo desenvolvidas, a que é feita a
partir da molécula de RNA, precisaria ser conservada em temperaturas entre 60 e
80 graus negativos, o que impossibilitaria a distribuição em todo território
nacional por falta de infraestrutura.
Mas, para os demais tipos de conservação, que exigem uma
câmara fria semelhante a geladeiras domésticas, a distribuição seria mais
fácil. “Temos 36 mil salas de vacinação equipadas, uma estrutura que já
funciona no Brasil todo para a vacina da gripe”, diz Isabella.
Importância de
combater a pólio
As vacinas já foram capazes de extinguir do planeta uma
doença, a varíola, e estão prestes a acabar com mais uma, a poliomielite. De
acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o vírus ainda está em
circulação apenas no Afeganistão e Paquistão. Enquanto o fim não se dá em todo
o globo, nenhum lugar pode se pode descuidar da vacinação. “Tem estudos que
procuram o vírus no meio ambiente. Já foi detectado no esgoto em Campinas,
perto do aeroporto, e em Santos. Mas ainda que o vírus seja reintroduzido, a
pessoa vacinada está protegida”, explica Akira Homma, assessor científico de
Bio-Manguinhos/Fiocruz.
A queda da vacinação de crianças contra a pólio provoca
extrema preocupação entre os especialistas. “O Brasil já perdeu o certificado
de erradicação de sarampo, por baixa cobertura vacinal”, alerta Leonardo
Weissmann, presidente da Comissão Pólio Plus - Distrito 4420 de Rotary.
Por mais que as injeções provoquem desconforto, é um mal
necessário, ao menos por enquanto. “Se você tem um bebê que tem de levar três
picadas na perna, claro que você fica com pena. Por isso temos vacinas
combinadas, com até seis antígenos na mesma picada, o que é muito mais cômodo”,
afirma Luiza Helena Falleiros, membro do Departamento de Infectologia da Sociedade
Brasileira de Pediatria.
A evolução da produção de vacina até agora já permitiu menos
injeções, mas as pesquisas continuam para que, no futuro, novas vias de
administração deixem a proteção ainda mais confortável. “Ainda temos que
avançar, mas há trabalhos para que elas sejam por esparadrapos na pele, por
contato, em vez de injetável”, conta Homma – Estadão.
Carlos Magno
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