Empresas que vendem para a Europa terão de provar que seus
produtos foram feitos sem contribuir com a destruição de biomas como a Amazônia
e o Cerrado.
A proposta mira especialmente a soja e a carne de boi, dois
dos principais produtos vendidos pelo Brasil aos europeus. A mesma exigência se
aplicaria também a empresas europeias que venham a investir dinheiro no Brasil
— como bancos e fundos de investimento.
Só em carne de boi, o Brasil vendeu aos países europeus US$
560 milhões em 2019. No mesmo ano, a venda de soja para os países do bloco
trouxe para o Brasil US$ 6,05 bilhões, o equivalente a R$ 32,5 bilhões.
A proposta foi aprovada pelo Parlamento Europeu no fim de
outubro, na forma de uma resolução apresentada pela eurodeputada alemã Delara
Burkhardt, do Partido Social-Democrata (SPD). Agora, diz ela, a Comissão
Europeia apresentará o projeto de uma nova norma sobre o assunto, já no
primeiro semestre de 2021.
Diferente do Congresso Nacional brasileiro, o Parlamento
Europeu não possui iniciativa legislativa — isto é, não pode dar início à
tramitação de leis. É por este motivo que o projeto de lei será formulado pela
Comissão Europeia, como explica Delara.
"Depois, haverá negociações entre o Parlamento Europeu
e os Estados-membros (da União Europeia). Por último, o Conselho Europeu terá
de aprovar o instrumento legal que nós formularmos", disse ela em
entrevista à BBC News Brasil. A conversa foi conduzida no começo de novembro.
"Na verdade, esta foi a primeira proposta de resolução
aprovada pelo Parlamento Europeu vinda do Comitê de Meio Ambiente (equivalente
à Comissão de Meio Ambiente na Câmara e no Senado brasileiros). Então, é um
momento histórico", diz Delara, que é graduada em ciência política e tem
apenas 28 anos de idade.
"A atual presidente da Comissão Europeia, a Ursula Von
der Leyen, disse que vai apoiar toda iniciativa do Parlamento Europeu que tenha
maioria legislativa. Então, ela basicamente está obrigada, por suas palavras, a
apoiar propostas legislativas como esta", disse Delara à BBC News Brasil.
"A proposta concreta que eu apresentei na resolução é a
de que produtos agrícolas vindos do Brasil só possam entrar em mercados
europeus se ficar demonstrado que não contribuíram para o desmatamento e a
destruição de ecossistemas como o Pantanal ou o Cerrado, além da
Amazônia", diz ela.
"Além disso, esses produtos vindos do Brasil e de
outros países não podem ter contribuído para a violação de direitos humanos, de
direitos de propriedade, ou direitos de populações indígenas", completa.
"Minha proposta obriga as companhias que trazem estes
produtos aos mercados europeus a realizar diligências prévias (do inglês
"due diligence": uma investigação sobre determinado produto ou
empresa), e a serem transparentes a respeito de toda sua cadeia
produtiva", diz Delara.
"Precisam esclarecer, por exemplo, se a produção
daquela commodity (produto agrícola ou mineral não processado) implicou na
transformação de áreas preservadas em terra cultivada, ou se levou à degradação
ou desmatamento de alguma área", diz ela.
"A questão, no fundo, é: 'como nós, enquanto União
Europeia, podemos parar o desmatamento que é provocado pelo nosso consumo (de
produtos agrícolas), e que medidas vamos tomar para isto'", diz a
eurodeputada.
Segundo a parlamentar, o consumo dos moradores da Europa é
responsável por cerca de 10% do desmatamento global. E até 20% da carne bovina
e da soja que é exportada pelo Brasil para os países do bloco estaria associada
ao desmatamento, de acordo com ela.
Em termos globais, diz Delara, 80% da destruição de
florestas tropicais causada pela agricultura é provocada por três produtos:
carne bovina, óleo de palma e soja. Estes três são o alvo principal da
resolução, junto com café, cacau, borracha natural e couro.
"Algumas empresas agiram voluntariamente para tentar
parar com o desmatamento, mas obviamente esse esforço não teve sucesso até
agora. Não existem, até o momento, normas que garantam que se nós comemos
chocolate ou tomamos café na Europa, que nós não estejamos contribuindo para o
desmatamento", diz ela.
Meio ambiente como
foco de tensão
A proposta de Delara começa a ser debatida em um momento no
qual o meio ambiente é o principal ponto de tensão entre o Brasil e os países
do bloco europeu.
Em meados de novembro, o presidente Jair Bolsonaro (sem
partido) tensionou a relação com os países do bloco ao dizer que apresentaria
uma lista de países que compram madeira irregular do Brasil, fruto de
desmatamento — mais tarde, acabou recuando e não apresentou a tal relação. Em
uma live com apoiadores, porém, Bolsonaro mencionou especificamente a França.
O presidente brasileiro também aproveitou dois discursos
recentes, nas cúpulas do G20 (grupo das vinte maiores economias do mundo) e dos
BRICS para fazer críticas veladas aos países desenvolvidos que criticam a
política ambiental brasileira. No encontro do G20, por exemplo, Bolsonaro disse
que o Brasil sofre "ataques injustificados", que seriam perpetrados
por "nações menos competitivas e menos sustentáveis".
A deterioração das relações com a Europa também acontece num
momento em que os países do bloco discutem a ratificação do acordo comercial
fechado em meados do ano passado com o Mercosul, após 20 anos de negociações.
Para entrar em vigor, o acordo precisa agora ser ratificado pelos parlamentos
nacionais dos 27 países-membros do bloco europeu — e pelos quatro países do
Mercosul.
Delara Burkhardt garante, no entanto, que seu projeto de
resolução não afetará diretamente as chances do acordo comercial ser ratificado.
"Mas eu penso que, se a gente tiver um acordo Mercosul-EU, então uma lei
sobre cadeias de suprimentos, como é esta, será ainda mais relevante, na medida
em que teremos ainda mais trocas de mercadorias entre os países do Mercosul e a
União Europeia", diz ela.
Embora a resolução não se aplique somente ao Brasil, Delara
diz que o aumento nos incêndios florestais em 2019 e 2020 no país foram uma das
motivações para a nova norma. As imagens do fogo na Amazônia e no Pantanal
serviram como um alerta para muitos europeus, disse ela.
Em 2020, a Amazônia brasileira registrou até o fim de
outubro 89,6 mil focos de incêndio — o número é maior do que o registrado em
todo o ano de 2019, que por sua vez já tinha quebrado o recorde de vários anos
anteriores.
"Outros países, como a República Democrática do Congo e
a Indonésia, dividem com o Brasil o 'top 3' de lugares com mais desmatamento.
Mas é justo dizer que o Brasil tem um dos principais problemas, pois um terço
da perda de florestas tropicais no mundo em 2019 ocorreu no Brasil. E nenhum
outro país no mundo tem tantas florestas tropicais", diz Delara Burkhardt
à BBC News Brasil.
"Ninguém põe em dúvida o fato de que o Brasil tem
soberania completa sobre a sua porção da Amazônia", diz Delara.
"Mas também temos que ver que a Floresta Amazônica é de
fundamental importância para toda a humanidade. Portanto, se vamos ser
parceiros comerciais, precisamos pedir ao governo brasileiro que gerencie a
floresta de forma que ela beneficie a todos, e não apenas um punhado de produtores
de soja e carne", diz ela.
Governo brasileiro
projeta imagem ruim
A eurodeputada diz ainda que a imagem do governo brasileiro
comandado por Jair Bolsonaro "não é muito boa" na Europa,
principalmente por causa da questão ambiental.
"Temos um ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles)
que fala abertamente contra a proteção ambiental. E temos vídeo de Salles
dizendo aos seus colegas de ministério que a crise do coronavírus deve ser
usada para flexibilizar a proteção da floresta tropical", diz ela,
referindo-se à reunião ministerial de 22 de abril de 2020, cuja gravação foi
divulgada na íntegra por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
"É visto como um governo que está trabalhando
ativamente contra as leis ambientais que estão em vigor no Brasil, e que
pressiona ativistas que defendem parâmetros mais altos de proteção ambiental
(...). A maioria das pessoas aqui está realmente preocupada com a possibilidade
de que o Brasil deixe de ser um parceiro importante no combate à mudança
climática", diz a eurodeputada – BBC News.
Carlos Magno
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