O presidente Jair Bolsonaro colocou em dúvida a tortura
sofrida pela ex-presidente Dilma Rousseff durante a ditadura militar
(1964-1985). A apoiadores, ele afirmou que aguarda "até hoje" raio-x
que comprovaria lesão provocada em Dilma pelos torturadores.
Políticos como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e
Luiz Inácio Lula da Silva, além do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
se solidarizaram com Dilma e criticaram Bolsonaro. Leia mais abaixo a
repercussão das declarações do presidente.
Dilma integrou organizações de esquerda que combateram a
ditadura militar. Ela foi presa e torturada e chegou a receber indenizações dos
governos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, onde as torturas ocorreram.
Em 2001, durante depoimento ao Conselho Estadual de Direitos
Humanos do governo de Minas Gerais, ela contou detalhes das sessões de tortura,
que incluíram socos, choques elétricos e pau de arara (saiba mais ao final da
reportagem).
Saiba mais sobre a ditadura militar no Brasil
Bolsonaro fez os comentários na segunda-feira (28), durante
conversa com apoiadores em frente do Palácio da Alvorada, em Brasília.
Um dos apoiadores disse ao presidente que era militar da
ativa em 1965 e que não viu tortura sendo feita no período. Bolsonaro disse
então que "os caras se vitimizam o tempo todo", citou o caso de Dilma
e afirmou que "até hoje" aguarda um raio-x que comprovaria fratura na
mandíbula da ex-presidente.
"Os caras se vitimizam o tempo todo: 'fui perseguido'.
Teve um fato aí - esqueci o nome da pessoa, mas é só procurar na internet, vai
achar com facilidade - que a Dilma foi torturada e que fraturaram a mandíbula
dela. Eu disse: 'traz o raio-x pra gente ver o calo ósseo'. E isso que eu não
sou médico, hein. Até hoje estou aguardando o raio-x", disse Bolsonaro.
Em nota, a ex-presidente Dilma afirmou que a declaração de
Bolsonaro "revela, com a torpeza do deboche e as gargalhadas de escárnio,
a índole própria de um torturador." Para ela, "ao desrespeitar quem
foi torturado quando estava sob a custódia do Estado", Bolsonaro
"escolhe ser cúmplice da tortura e da morte."
"Bolsonaro não insulta apenas a mim, mas a milhares de
vítimas da ditadura militar, torturadas e mortas, assim como aos seus parentes,
muitos dos quais sequer tiveram o direito de enterrar seus entes queridos. Um
sociopata, que não se sensibiliza diante da dor de outros seres humanos, não
merece a confiança do povo brasileiro", afirma Dilma na nota.
Ex-presidentes
criticam Bolsonaro
Por meio de uma rede social, Fernando Henrique se
solidarizou com Dilma e criticou Bolsonaro.
"Brincar com a tortura dela (Dilma) — ou de qualquer
pessoa — é inaceitável. Concorde-de (sic) ou não com as atitudes políticas das
vítimas. Passa dos limites", afirmou Fernando Henrique.
Também por meio de uma rede social, o ex-presidente Lula
afirmou prestou solidariedade a Dilma.
"O Brasil perde um pouco de sua humanidade a cada vez
que Jair Bolsonaro abre a boca. Minha solidariedade a presidenta @dilmabr,
mulher detentora de uma coragem que Bolsonaro, um homem sem valor, jamais
conhecerá", disse Lula.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criticou
Bolsonaro.
"Bolsonaro não tem dimensão humana. Tortura é debochar
da dor do outro. Falo isso porque sou filho de um ex-exilado e torturado pela
ditadura. Minha solidariedade a ex-presidente Dilma. Tenho diferenças com a
ex-presidente, mas tenho a dimensão do respeito e da dignidade humana",
afirmou Maia por meio de uma rede social.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe
Santa Cruz, criticou as declarações do presidente.
"Pense em um homem que no meio de uma onda de
feminicídios debocha de um mulher presa e torturada. Esse sujeito existe e,
pior, preside o Brasil", disse Santa Cruz.
Também criticou Bolsonaro o ex-governador do Ceará e
ex-ministro Ciro Gomes.
"Bolsonaro ataca Dilma por ser frouxo, corrupto e
incapaz. Enquanto ela defende suas convicções, ele vende o país ao estrangeiro
e, por sua irresponsabilidade, quase 200 mil brasileiros já perderam suas
vidas", disse Ciro, o se referir aos mortos pelo novo coronavírus.
Militante
Dilma começou a atuar em movimentos de esquerda de oposição
à ditatura na Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (Polop),
que, na sua origem, era uma espécie de coalizão de dissidentes, com quadros do
PCB, do PSB e do trabalhismo, além de trotskistas e outros marxistas.
Mais tarde, ela optou pela luta armada e se juntou ao
Comando de Libertação Nacional (Colina).
Em 2001, quando deu o depoimento ao Conselho Estadual de
Direitos Humanos do governo de Minas Gerais, Dilma era secretária de Minas e
Energia do governo do Rio Grande do Sul e filiada ao PDT. Ela relatou que levou
socos dos torturadores em Juiz de Fora (MG), no início dos anos 1970, quando
integrava o Colina.
"Minha arcada girou para o lado, me causando problemas
até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente se
deslocou e apodreceu. [...] Só mais tarde, quando voltei para São Paulo, o
Albernaz (capitão Alberto Albernaz, do DOI-Codi de São Paulo) completou o
serviço com um soco, arrancando o dente", contou Dilma no depoimento.
No vídeo abaixo, de 2016, durante o processo de impeachment,
Dilma falou sobre a tortura que sofreu.
Dilma relatou ainda sessões de tortura com choque. "Não
se distinguia se era dia ou noite. O interrogatório começava. Geralmente, o
básico era choque."
Em outro trecho do depoimento, ela contou que foi colocada
no pau de arara e o uso de palmatória pelos militares.
"Se o interrogatório é de longa duração, com
interrogador ‘experiente’, ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois
leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina. Muitas vezes
também usava palmatória; usava em mim muita palmatória. Em São Paulo usaram
pouco esse ‘método’. No fim, quando estava para ir embora, começou uma rotina.
No início, não tinha hora. Era de dia e de noite. Emagreci muito, pois não me
alimentava direito", relatou.
Em outro momento, ela relata que sofreu hemorragia por conta
da tortura.
"Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na
Oban (…) foi uma hemorragia de útero. Me deram uma injeção e disseram para não
bater naquele dia. Em Minas, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém
que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e depois
paravam. Acho que tem registros disso no final da minha prisão, pois fiz um
tratamento no Hospital das Clínicas." – G1.
Carlos Magno
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