Desemprego recorde, inflação pressionada, dívida pública crescente,
incerteza política para aprovação das reformas, aumento de casos da pandemia e
isolamento internacional.
Após um ano difícil como 2020, o brasileiro sonha com um
2021 melhor. Mas, na economia, são muitas as pedras no caminho para que o ano
que vem seja mais fácil do que o atual.
A BBC News Brasil ouviu um time de especialistas — Daniel
Duque (Ibre-FGV), Julia Passabom e Fernando Gonçalves (Itaú), Daniel Couri
(IFI), Alessandra Ribeiro (Tendências Consultoria) e Christopher Garman
(Eurasia) — para saber o que esperar do ano que se inicia.
Nem tudo são más notícias, no entanto: a elevada
disponibilidade de recursos no exterior, o dólar mais estável e a possibilidade
de Bolsonaro eleger um aliado para a presidência da Câmara podem jogar a favor
do governo no ano que vem. A questão é saber, nesse jogo de forças negativas e
positivas, quais delas vão prevalecer.
Confira a seguir as seis "pedras no sapato" que o
Brasil deve enfrentar na economia em 2021.
1. Desemprego recorde
e fim do auxílio emergencial
A taxa de desemprego chegou a 14,6% no terceiro trimestre de
2020, a maior já registrada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) na série histórica com início em 2012.
Ao fim de setembro, o país somava 14,1 milhões de
desempregados. E a má notícia é que esses números tendem a continuar a crescer
nos próximos meses.
Serão batidos recordes em cima de recordes no desemprego,
projetam os economistas. Isso mesmo em um cenário favorável ao crescimento de
abertura de vagas.
"O mercado de trabalho em 2021 vai ser marcado por uma
recuperação da população ocupada, junto a uma alta da taxa de desemprego,
devido ao aumento da participação na força de trabalho", diz Daniel Duque,
pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas).
"Em 2020, houve uma grande parcela da população que
perdeu a ocupação, mas não procurou emprego. Eles devem voltar a procurar
ocupação em 2021", explica o economista. Com isso, a taxa de desemprego
tende a subir, já que o IBGE só considera como desempregadas pessoas que estão
efetivamente em busca por trabalho.
O Ibre-FGV projeta uma taxa de desemprego média de 13,6%
para 2020 e de 15,6% em 2021, com as maiores taxas sendo registradas entre o
segundo e o terceiro trimestres do ano que vem.
Com o fim do auxílio emergencial, Duque estima que a pobreza
extrema (famílias com renda mensal de até R$ 155 por pessoa) pode atingir entre
10% a 15% da população em janeiro. Já a pobreza (famílias com renda per capita
mensal até R$ 425) deve abarcar entre 25% e 30% dos brasileiros no início do
ano.
Durante 2020, com o auxílio ainda em R$ 600, esses índices
chegaram a 2,4% e 18,3% respectivamente, os menores da história. Antes da
pandemia, eram de 6,5% e 24,5%. Ou seja, no início do próximo ano, a situação
estará pior até mesmo do que no pré-pandemia.
"Ano que vem, teremos uma perda de massa de renda muito
alta com o fim do auxílio emergencial e parte da poupança da classe média já
terá sido gasta. Então certamente o que veremos será o consumo das famílias
perdendo um pouco de espaço", diz Duque.
2. Inflação em alta e
subida da taxa de juros
Outro fator que deve jogar contra o consumo das famílias no
início de 2021 é a inflação.
Embora a mediana do mercado aponte para um IPCA (Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) fechando em alta de 4,39% este ano e
desacelerando para 3,37% ao fim de 2021, segundo o boletim Focus do Banco
Central de 21/12, a taxa acumulada em 12 meses deve ficar acima dos 5% durante
boa parte do próximo ano, só perdendo força nos últimos meses.
Com isso, deve haver pressão para que o BC volte a subir a
taxa básica de juros, que está atualmente em 2%, mas o mercado já vê a 3% ao
fim de 2021 e a 4,5% em 2022.
Julia Passabom, analista de inflação do Itaú, espera que os
alimentos, que devem fechar 2020 com uma alta de preços perto de 18%,
desacelerem para alta entre 3,5% a 4% em 2021, devido ao aumento de safras e
acomodação do preço das commodities e do câmbio no mercado internacional.
Por outro lado, a inflação de serviços deve ganhar força com
a retomada da atividade, com peso, por exemplo, do reajuste das mensalidades
escolares, que pouco subiram e até sofreram descontos este ano.
Também os preços administrados — planos de saúde,
medicamentos, transporte público, energia elétrica e combustíveis — devem pesar
no bolso em 2021, já que muitos reajustes foram represados em 2020 devido à
pandemia.
"A inflação acumulada em 12 meses vai ficar muito tempo
rodando alta. Do final do segundo trimestre ao terceiro, vai rodar acima dos
5%. Para nós, ela bate o pico em 5,8% em maio, acima do teto da meta", diz
Passabom. A meta da inflação para 2021 é de 3,75%, podendo chegar a 5,25% no
intervalo de tolerância. "Será um cenário desconfortável."
Nesse cenário, o Itaú espera que a Selic permaneça no
patamar atual até agosto. Mas, em setembro, o Banco Central deve dar início a
um novo ciclo de alta da taxa. Para o Itaú, a Selic deve fechar o próximo ano
em 3,5%.
Segundo Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa
econômica do banco, mesmo a 3% ou 3,5%, a taxa de juros seguirá estimulando a
economia através do canal do crédito.
"Certamente, é menos estimulativo do que níveis mais
baixos. Então, na margem, haverá um aperto das condições financeiras, mas o
Banco Central só deverá fazer esse aperto num cenário em que esteja havendo uma
retomada da economia", diz Gonçalves.
3. Desequilíbrio das
contas públicas
"O cenário fiscal já era desafiador antes da pandemia e
ela colocou um desafio adicional, que é lidar com esses gastos, isso tudo tendo
que ser compatibilizado com nossas regras fiscais. Esse será o desafio para
2021", diz Daniel Couri, diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente
do Senado Federal).
Em seu cenário básico, a IFI avalia que a dívida bruta do
governo não deve explodir, mas também não deve parar de crescer até 2030. Ela
deve ir de 93% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2019, para 96,2% esse ano,
subindo ano a ano, até superar os 100% do PIB em 2024.
Já o resultado primário (diferença entre receitas e despesas
do governo, sem contar gastos com juros da dívida) deve ser deficitário até
2030, no cálculo da instituição.
E o teto de gastos, regra que impede que a despesa do
governo cresça acima da inflação, tem risco alto de não ser cumprido no próximo
ano, na avaliação da equipe da IFI.
"Esse quadro coloca um cenário de desconfiança em
relação à capacidade do governo de manter uma trajetória fiscal sustentável nos
próximos anos", diz Couri. "Essa desconfiança tende a se traduzir
numa dificuldade maior do governo de se financiar. Então essa dívida que está
se aproximando dos 100% do PIB tende a se encurtar e ficar mais cara."
Outros possíveis efeitos, caso o governo não consiga
apresentar uma estratégia crível de reequilíbrio das contas públicas, são uma
fuga ainda maior de investidores, possível rebaixamento da nota de crédito do
país pelas agências de risco e maior desvalorização do real. "Seria
exacerbar o cenário que já estamos vendo hoje", diz o economista.
4. Incerteza política
para aprovação das reformas
Antes da pandemia, o plano do governo para apresentar essa
"estratégia crível" de reequilíbrio fiscal estava baseado na
aprovação de uma série de reformas.
Entre elas, estavam a reforma administrativa (que
reorganizaria o funcionalismo público); a reforma tributária; a PEC (Proposta
de Emenda Constitucional) Emergencial, com o acionamento de uma série de
gatilhos que reduziram despesas para permitir a manutenção do teto de gastos; e
a PEC do Pacto Federativo (que reorganizaria a arrecadação e os campos de
atuação de União, Estados e municípios).
Mas, afora a reforma da Previdência, que já vinha
engatilhada desde o governo Michel Temer (MDB), quase nada andou.
E a perspectiva dos economistas é pouco otimista para
maiores avanços em 2021, mesmo em um cenário em que Arthur Lira
(Progressistas-AL), aliado de Bolsonaro, seja eleito presidente da Câmara,
sucedendo Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Para Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de análise
macroeconômica da Tendências Consultoria, a expectativa é de que apenas a PEC
Emergencial seja aprovada no médio prazo, além de reformas microeconômicas,
como a nova lei do gás e a autonomia do Banco Central, que já estão caminhando.
"Não consideramos reformas mais parrudas no nosso
cenário base, porque elas dependeriam de coalização do governo, da liderança do
Planalto e do presidente, então há menor probabilidade de aprovação", diz
Ribeiro.
5. Aumento de casos e
de mortes na pandemia
Apesar de Bolsonaro andar dizendo que estamos em "um
finzinho de pandemia" e que o Brasil está em situação de "quase
normalidade", não é isso que mostram os números crescentes de casos e
mortes por covid-19.
Essa nova piora da pandemia, antes mesmo que houvesse uma
melhora significativa, será mais um dos desafios para a economia em 2021.
Segundo Alessandra Ribeiro, da Tendências, são dois os
caminhos que podem levar essa segunda onda a afetar o desempenho da atividade
no próximo ano.
Um deles é se governos locais voltarem a adotar restrições à
circulação, o que afetaria principalmente a atividade de serviços, limitando a
reação desse segmento. O segundo ponto é a cautela dos consumidores e empresas
em meio à piora da crise sanitária, que tende a inibir a demanda por serviços e
manter os níveis de poupança elevados.
Os mais afetados, como na primeira onda, serão os
brasileiros mais pobres.
"A crise pandêmica é bastante regressiva, ou seja, ela
afeta muito mais o trabalhador informal, que é menos escolarizado e tem salário
médio menor", diz Ribeiro.
"Mesmo que as medidas adotadas agora não sejam tão
drásticas quanto aquelas do segundo trimestre de 2020, qualquer tipo de ação
deve pegar mais o setor de serviços — alimentação fora do domicílio, bares,
entretenimento, alojamento —, tudo isso afeta muito esse tipo de
trabalhador."
6. Isolamento
internacional
Não bastassem todos os problemas internos ao país, o governo
brasileiro entra em 2021 com relações estremecidas com Estados Unidos, China,
Argentina e União Europeia. Os quatro destinos responderam juntos por 61% das
exportações brasileiras em 2020.
"Certamente o maior ponto de atrito hoje, olhando as
relações com Estados Unidos e Europa, se encontra na pauta ambiental",
avalia Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas do Eurasia Group,
principal consultoria de risco político do mundo.
"Os EUA têm agora um presidente eleito, Joe Biden, que
terá um compromisso doméstico e internacional com essa pauta", diz Garman.
"Governos da Europa têm priorizado a agenda climática e ser visto
internacionalmente como um vilão nesse tema é um 'calcanhar de Aquiles' para o
acordo entre União Europeia e Mercosul e para a relação entre Brasil e EUA."
Para o cientista política, no entanto, Biden deve adotar uma
postura pragmática em relação a Bolsonaro, por entender o papel estratégico do
Brasil na América do Sul, no contexto de avanço da influência chinesa.
Assim, segundo Garman, tudo vai depender no próximo ano do
andamento da questão ambiental no país, com destaque para o índice de
desmatamento na Amazônia e a reação do governo Bolsonaro às críticas externas.
Já com relação à China, apesar dos atritos envolvendo a
participação da Huawei no leilão da tecnologia 5G, o analista avalia que Pequim
também tem interesse em aprofundar a relação com o Brasil, no contexto do
estremecimento da relação com os Estados Unidos.
Quanto a possíveis retaliações econômicas, Garman avalia que
a pauta ambiental pode ter repercussões maiores, como aumento de tarifas para
exportações brasileiras ou boicotes de consumidores a produtos nacionais.
Já com relação à China, o especialista avalia que há sim um
esforço do país asiático de reduzir sua dependência de exportações brasileiras,
mas que isso é parte de um movimento mais amplo de redução de dependências
externas e não do estremecimento da relação entre os dois países.
"Eu diria que, se o Brasil excluir a Huawei do 5G, pode
ter sim alguma retaliação dos chineses, mas a tendência não é essa", diz
Garman, avaliando que, apesar dos atritos, o governo brasileiro deve permitir à
empresa chinesa participar da disputa em 2021.
O que joga a favor da
economia no próximo ano
Nem tudo são trevas na perspectiva para a economia
brasileira em 2021.
Além da perspectiva de retomada do crescimento do PIB — o
mercado projeta alta de 3,46% do produto no ano que vem, após uma queda
estimada de 4,40% este ano, segundo o boletim Focus —, ao menos quatro outros
fatores jogam a favor da atividade ou do governo em 2021.
Segundo Ribeiro, da Tendências, um primeiro fator é a taxa
de juros ainda baixa, que deve dar um bom suporte para a atividade através do
canal do crédito, mesmo com a consultoria prevendo uma Selic a 3,5% no final do
próximo ano.
Um segundo fator é a perspectiva favorável para a
recuperação da economia mundial, com o avanço da vacinação.
"A recuperação mais significativa das principais economias
— China, Estados Unidos e União Europeia, num ritmo menor — é importante pelo
canal do comércio exterior e pelo canal financeiro", diz Ribeiro. "Se
sustentarmos o pilar fiscal, há espaço para nos apropriarmos da liquidez
internacional, seja através de investimentos financeiros ou produtivos."
Um terceiro fator é a esperada estabilização do dólar, ainda
que a um patamar elevado. Com o real ainda desvalorizado em relação à moeda
americana, as exportações brasileiras devem continuar aquecidas. E a menor
variação do câmbio tende a reduzir a pressão por reajustes de preços de
produtos com custos na moeda americana, ajudando a controlar a inflação.
Por fim, um fator que pode ajudar o governo no próximo ano é
a possível mudança na presidência da Câmara dos Deputados.
"A eleição das Casas tem um efeito super importante pra
a agenda econômica dessa segunda metade do governo Bolsonaro", diz
Ribeiro. "O melhor mundo para Bolsonaro é a eleição de Arthur Lira, um
homem do Planalto, que facilitaria o andamento da agenda. Um nome mais ligado a
Maia não seria tão cooperativo, para não cacifar Bolsonaro para 2022." –
BBC.
Carlos Magno
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